Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

Os limites do jornalismo de investigação

GRAMPOS & ROLOS

Luís Guilherme Vieira (*)

Conforme noticiou, dias atrás, o sítio <www.conjur.com.br>, a Suprema Corte dos Estados Unidos proclamou que "a mídia pode divulgar conversas telefônicas gravadas ilegalmente, desde que os jornalistas não tenham participado da obtenção do material e nem incentivado o ato".

A decisão, afora o arriscado precedente, deposita em terceiros, estranhos ao Estado, o juízo sobre o que vem a ser de interesse público. A Justiça americana chegou a esta conclusão por entender que, segundo suas leis, "a interceptação e gravação de linha telefônica não se enquadra em conversas telefônicas que chegam às mãos dos jornalistas sem a sua interferência".

Com efeito, temos assistido nos últimos anos, com freqüência indesejável, louvando-nos em regras que norteiam o Estado democrático de direito, certos segmentos da imprensa, sobretudo em razão da inoperância do poder público, se excederem em suas relevantes funções, em nome de sua liberdade ? que deve ser a mais ampla possível ?, para fazer prevalecer o que convencionaram chamar jornalismo de investigação.

Porém, liberdades, públicas ou privadas, em países democráticos, encontram seus limites delineados nas leis ou nos rígidos ditames impostos pela ética, substantivo utilizado, aqui, em seu sentido mais amplo.

Esta modalidade de jornalismo é recente, tendo ganho notoriedade internacional a partir da reportagem realizada por profissionais do Washington Post, que, vigiando e bisbilhotando os passos em falso do presidente Richard Nixon, acabaram por provocar a renúncia deste, em 1974, em virtude do escândalo conhecido como Caso Watergate.

Prospecção nem sempre lícita

No Brasil, esta modalidade de jornalismo passou a merecer destaque após a promulgação da Carta de 1988, com a consagração da liberdade de informação. Seu maior exemplo tornou-se conhecido durante a CPI do PC Farias, que, além de resultar na condecoração dos autores da matéria com o Prêmio Esso de Jornalismo e de Reportagem, culminou com o impeachment do então presidente Fernando Collor.

Se no mais das vezes a reportagem parte de um fato, em outras ela prescinde dele, e advém desse jornalismo investigativo, nem sempre ético ou lícito, e nem sempre movido por aquele espírito público tão presente no caráter da esmagadora maioria dos profissionais de imprensa.

Enfim, é por esse jornalismo de "prospecção" que, por vezes, nasce o fato, utilizando-se alguns repórteres ? talvez por desconhecerem as leis que dirigem uma investigação ? de meios nem sempre lícitos para que o acontecimento se torne público, o que não é ético, tampouco legal.

Direitos elementares

Em solo pátrio, diferentemente do que decidiu a Justiça americana, a situação jurídica é diversa, apesar de nosso insistente e péssimo hábito de copiar, sempre às avessas, modelos inadequados à realidade social brasileira.

Claro está que o direito à informação implica a recepção de notícia pelo público a respeito de fatos e opiniões, mas sem que isso resulte em intromissão na vida privada, sem o consentimento do titular deste bem.

Assim, pelo menos desde a entrada em vigor do Código Penal, em 1940, está criminalizada a conduta de quem indevidamente divulga, transmite a outrem ou utiliza abusivamente comunicação telefônica entre outras pessoas (art.151,? 1?, inc. II).

O Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/62) instituiu o crime de violação de telecomunicação, passível de ser cometido de várias formas, dentre elas, ao se divulgar ou comunicar, informar ou captar, transmitir a outrem ou utilizar o conteúdo de qualquer comunicação dirigida a terceiro.

Esta legislação vigorou até a promulgação da Constituição vigente, consagrando ser crime a interceptação telefônica, salvo raras exceções (art. 57). Estas exceções, hoje, estão relacionadas na Lei 9.296/96, que dispõe ser crime realizar interceptação de comunicações telefônicas sem ordem legal, ou quebrar (divulgar) segredo de justiça.

Reconhece-se, assim, a plena vigência do ? 1? do art. 56 da lei 4.117/62, onde se define o crime de receber ilegalmente (leia-se, independentemente da forma), divulgar (leia-se, independentemente de seu conteúdo) ou utilizar telecomunicação interceptada.

É importante relembrar que o Brasil, depois de atravessar os anos de chumbo, conseguiu atingir o patamar dos países juridicamente mais avançados, em que vigora o que os doutos chamam de Estado democrático de direito. Por isso deve fazer prevalecer, sempre, o respeito aos mais elementares direitos fundamentais do cidadão, sendo o da privacidade um dos mais caros.

Aos não-éticos, a Justiça

É indispensável que a imprensa brasileira ? e com maior atenção parte dos profissionais adeptos do jornalismo de investigação que, de forma irresponsável, antiética e criminosa, andam cometendo o crime e acobertando criminosos quando recebem e divulgam comunicações telefônicas oriundas de interceptações clandestinas ? retorne à sadia discussão acerca de seu importante papel na sociedade.

Clama-se por uma imprensa ética, livre e independente. Mas clama-se, também, para que o direito de informar, garantido pela Carta Política, não invada, de forma criminosa ou a que pretexto for, direitos outros do cidadão, até porque conquistados com muito suor e sangue.

Com a palavra, por um lado, os éticos da mídia e, por outro, para coibir os excessos dos não-éticos, o Poder Judiciário.

(*) Presidente da Comissão Permanente de Defesa do Estado Democrático de Direito do Instituto dos Advogados Brasileiros

    
    
                     

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