Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Os maus pedaços de uma rede

BANDEIRANTES

Silas Corrêa Leite (*)

Cresci com a maravilhosa "marca" Bandeirantes na cabeça. Desde o ventre de minha mãe, lá nas barrancas do Paraná, num rádio de pilha antigo com som roufenho, logo, ao mal arrebentar da fronha das manhãs, do enorme e belo sol feito alto Sonrisal pondo losangos de lírios laranjas em nossa aurora caipira, e surgia, no éter, a cançoneta decorada "Seu Leporace & agora com o Trabuco…" enfeitando as nossas manhãs de saudáveis críticas generalizadas contra o sistema como um todo (foi tantas vezes processado por ser imparcial), atacando corruptos e bandidos com galhardia, conhecimento de causas e mesmo veemência (e postura vivencial) fora de série. Aliás, a bem da verdade, da Rádio Bandeirantes eu sabia de cor e salteado a programação inteirinha, do Show da Manhã ao Show da Tarde, mais o filé esportivo e caipira em ondas médias e curtas, adorando o Hélio Ribeiro e o Ferreira Martins, só para dar um depoimento sincero de uma historicidade pop e sadia pró-Rádio Bandeirantes de áureos tempos.

Depois, o império nanico cresceu, surgiu a TV Bandeirantes que virou rede, marca, e eu adorava curtir a Bandeirantes em seu filão esportivo como marca e âncora, estilo e modus operandi, principalmente nos fins de semana, uma jazida rica que a tornou segundona com muita honra no país, para contenteza geral e atestado de capacidade.

Até que começou a estranha decadência da marca Bandeirantes que hoje pouco vale, ou vale quase nada. Acho que a ligação Saad & Maluf foi o beiço moral desses desajustes. Empreitas e intimidades. Explico, só para nomear um tempo, um lugar e uma divisa comportamental. Erundina era a altamente (e suspeitamente) discriminada prefeita nordestina (e hoje a vemos como honesta, digna, limpa, a melhor que São Paulo já teve desde os tempos do Mário Covas ter sido indicado (…) de forma indireta para o cargo). Pois a Band, sem qualquer noção de ética e sendo suspeitamente parcial, começou a atacar de forma até inidônea e burramente radical a Erundina, e foi um deus-nos-acuda. Valia tudo mesmo. Era até feio, constrangedor, enganoso e amoral.

Seus programas jornalísticos eram atiçados, pondo crises no meio e partindo para uma nefasta linha "investigativa de ocasião", ganhando com isso ares de supérflua popularidade temporã de efeito tampão, pelo radicalismo nos ataques levianos, seguindo ainda ditames de um ou outro tipo de ocasião antipetista que se arvorava para aparecer, como um tal ilustre zé-ninguém chamado Valmor Bolam, que, ao final do circo de coiós levados de roldão, montou um partido, vendeu pro Maluf e foi expulso de umas universidades da periferia da Grande São Paulo aí, numa certa época até como atestado de decadência inclusive moral, sendo hoje, malemal, conselheiro de bastidores do Ratinho (credo!), só pra confirmar a baixaria postural.

Pois a Band foi no vácuo, se empolgou nesse enfoque maquiado. Cortou o timaço de esportes, Sílvio Luís e outros que valiam mais do que todos os que ficaram foram demitidos. Pior: demitiu do rol prestimoso e adorado da casa um mito sem igual como Fiore Gigliote. E um tal José Paulo de Andrade, assessor de Maluf (acredite, se quiser), passou ser o band-leader do meio no ar. Pior impossível. Baixaria.

Quando a Erundina, como inimiga de máfias e quadrilhas, tão injustamente caluniada, foi finalmente derrubada pela mídia conservadoramente burra, e o Maluf, no escape do fluxo das informações débeis, num vácuo de lideranças majoritárias, foi eleito novamente (depois veio o Pitta de encalhe), a Band pensou que ganharia audiência tendo seu amigo da casa no poder, com certa perspectiva, claro, de fatia gorda do fundo falso da Caixa Preta (do caixa 2) de alta verba publicitária. Deu com os burros n?água.

Medida da mediocridade

Com tantas coisas ruins que fez, começaram a chover denúncias contra Maluf, na certeza de que um canal com quilate mesmo ocasional de prestador de serviço de grosso calibre continuaria no, ponhamos, jornalismo investigativo. Confesso que, aqui e ali, eu mesmo liguei pra Band nesse sentido, mas descobri, ao dar dicas de furos de reportagens, ao dar toques sobre problemas aqui e ali, ótimas sugestões de pauta, ao querer garantir e empenhar minha voz de cidadão-contribuinte berrando, descobri, frustrado, acredite se quiser, que o mesmo palco-palanque que atacava a Erundina por quase nada para atacar as impropriedades do Maluf tinha sido, pasmem, propositadamente) desativado. Normas da casa? Manual de estilo? Tudo a ver.

Acabou o jornalismo (…) crítico e investigativo da Band. Via telefone falei com uma jornalista da trupe, critiquei que, para atacarem a Erundina, eles eram exageradamente diretos, mas não aceitavam mais denúncias, reclamos ? tinham desativado um canal tão importante e tão mal-usado, em hora de risco pra cidade? Pois riram de mim, faltaram dizer que era isso mesmo, confirmando nesse sentido a Band tendenciosa, parcial, pró-Maluf, e não pró=imprensa livre e jornalismo sério propriamente dito, pra falar o mínimo e só datar um fato datado que verdadeiramente revelou a Band para ela mesma, comprometida. Ou talvez tenha sido até usada sem consciência total, ou alguns de seus funcionários acreditaram mesmo que Maluf era Deus ou imputável.

Daí, foi um pulo. Acabou a moral, a credibilidade. Agora a Band acaba aqui e ali perdendo pra Gazeta, pra Rede TV! e até mesmo, em alguns casos, pra TV Cultura. E isso dói pra meu refluxo de doce memória recorrente.

Vejamos: o futebol veiculado pela Band está um lixo. Jogos europeus não cheiram nem fedem no Ibope. Perdem pra alguns jogos da Segunda Divisão. Quem quer ver um mascarado como Roberto Carlos ou pipoqueiros como Amoroso e outros? Os shows, a bem da verdade, confesso, se salvaram, vide Caetano e Marisa Monte. Filmes? Repetidos, com os do Canal 21 fazendo rodízio. É legal isso? Ou seja: nada a ver. Jornalismo? Quando o Cabrini começava a dar um show, encorpando de credibilidade seu programa, trocaram pelo cacareco do Datena, que é 10 vez pior. Um retrocesso. Até o Milton Neves na Record, no lugar do Datena, mostrou mais seriedade e enfoque criativo na disposição de enquadrar como crível um noticiário chulo do chamado mundo-cão. Bem que estou bolando uns apontamentos para rascunhos de um Código de Defesa do Telespectador.

A Márcia, fazendo tipo de coitada, é um lixo em todos os sentidos do que pressupõe uma imprensa no quesito magno de informação, estética e dialética. Não sabe conduzir o programa, as câmeras são suas inimigas, brigam com ela, os montados temas são bocós ou esdrúxulos no pior sentido da palavra, e o "horário nobre" do Mion é duro de agüentar, principalmente por ser ele o que é (que pensa que pensa), um corvo sem máscara, pois, convenhamos, é muito chato, muito ruim, perigosamente fraco, e poderia se colocar um cone de papelão no lugar dele que o programa aqui e ali iria para a frente, com algumas mudanças, inclusive de convidados, atitudes, jogos, tipos de palco. Querem mais? O Sabadaço. O Leão é um Ratinho com mais tecido adiposo e cérebro zero à esquerda, servindo apenas para precário estilo radiofônico de incautas secretárias do lar. Só tem tamanho na mesma medida da mediocridade.

Perde para o Tele-Sena

O novo (?) do programa dele é imitar o Raul Gil e, para vergonha da história da TV, levar como atração (?) os rejeitos do SBT, como Sônia Lima e o decrépito Agnaldo Timóteo em fim de carreira faz tempo, quando não o Reginaldo Rossi, entre bailarinas feias e um auditório conduzido na cara-dura para aplaudir o nada e o ninguém. É muita breguice pseudo-pop pra tanto horário de atividades fracas, propósitos burros e entretenimentos babaquaras, perdendo ibope pro Chaves, que já é péssimo, antigo e repassado pra tapar buraco de falta de verbas publicitárias gordas e investimentos novos em cabeças pensantes.

Curto e grosso: a reformulação da Band deu com os burros n?água. Foi pro vinagre. Até parece que foi inimigo da casa que, por vingança e propositadamente, criou (?) despudoradamente isso tudo, levando a segunda a ser quase a última. Claro que tem gente boa, aqui e ali uns programas bons, mas, convenhamos, Otávio Mesquita já deu o que tinha de dar, Márcia Peltier e outros que se salvam mereciam tempo maior e programaço próprio, em meio a tanta ignorância televisiva e falta de visão, de atrações legais, de programas realmente populares, e não abacaxis de péssima categoria e qualidade ético-humanista-plural-comunitária abaixo de zero.

A Tela Máxima da Record ganha da Band passando filmes antigos, mas que prestam, enquanto até os cortes dos filmes da Band são ridículos, abruptos, secos, feitos por amadores de estúdio, quando era aí também que ela devia se impor na modernidade, não tirando os bons pra colocar lixo televisivo. A Turma do Gueto, ainda em fase de floração, bate bem a Band. Betty, a Feia, bate a Band. Quer mais, como atestado de incompetência inclusive técnico-administrativo-funcional para um canal que era segundaço e agora trabalha com bagaços? Uma pena. Que triste. Minha memória seletiva dos tempos da Band 10, da imagem/icone/marca de bons propósitos, caiu com o conceito Band de diversão: nulidade total. Conseguiram argentinizar a ruindade.

A continuar assim, a Band ainda vai perder pro dinossáurico Mesa-Redonda, pro Cine Brasil, pro Gigantes do Ringue, pro Roleta Russa, pro Superpop, já que perde até pro programa da Tele-Sena, segundo estatística legal do Ibope. Que vergonha. Ninguém saca isso? Estranho.

Ex-fanáticos pela Band

Falando sério, o melhor da Band é ainda, por incrível que possa parecer, o programa religioso do R. R. Soares. O pastor deveria ensinar ética ao José Paulo de Andrade, enquadramento à Márcia, transparência de propósitos ao Mion, loquacidade evolutiva ao Datena, como vetor de sanidade crítico-interpretativa.

Que a Band troque o chatérrimo e burraldo do Mion pelo Kajuru ou a Sabrina, a Márcia Goldschmidt por qualquer coisa no lugar dela, traga de volta o Cabrini ao seu jeito claro e cristalino pro horário nobre, mandem o carijó do Zé Paulo embora (o Fiore Gigliote vale mil vezes mais do que ele ainda hoje, pela visão ético-plural-comuntária), esqueçam tendências políticas marotas de ocasião (ou por interesses de meios e vínculos), voltem a ter um jornal sério, um jornalismo investigativo amplo, total e irrestrito, denunciem tudo e todos mesmo, ganhem vivacidade, voltem a ter o respeito no inconsciente coletivo do povão por uma seriedade de propósitos e nomes, independentemente de ser a Marta ou o Pitta (e a diferença entre os erros de uma que é honesta e os descalabros de outro processado é notória), para, num futuro, Deus sabe quando, a Band voltar a ser pelo menos segunda.

Por ora a Band não tem nadica de nada a oferecer como opção, enfrentamento, competição ou jeito novo de ser. Tudo cheira a velhacaria. E a Band não tem crise de identidade. Tem crise de credibilidade, o que é muito pior.

A Band deveria fazer uma auditoria de serviços e informações. Criar um ombudsman na casa. Selecionar nomes e repertório. Um banco de talentos para promover idéias, programas, entrevistas, pautas. Realizar festivais, talvez de rap, de blues, de chorinho, firmar-se na linha de shows semanais, dando, sim, apoio ao Kajuru e ao Roberto Cabrini, que, a continuar como está, logo vai voar pra uma emissora de naipe. Deve fazer uma limpeza. Largar a trilha do janota e boçal Rogério Gallo, esquecer por força do hábito o despreparado clã Saad ? que parece não manjar nadinha do ramo, apenas estão desmontando, em todos os sentidos, o patrimônio adquirido ?, e, sim, fazer pesquisas para ver o que o povo quer, promover concursos de temas, motes ou mesmo quadros e programas rápidos, seriais. Do jeito que está, podem escrever, a Band vai piorar ainda mais.

E, a bem da verdade, por ora, a Tela Cheia da Band é cheia de vazios de criatividade por atacado… e com um balaio de mediocridades generalizada. Ninguém agüenta mais. Os antigos "fanáticos pela Band", como eu, agora estão zapeando cafundós, parabólicas, pegadinhas e sonecas. Band, sai de baixo!

(*) Poeta, jornalista, educador