Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Os múltiplos orgasmos do marketing

OBSERVATÓRIO DA PROPAGANDA

PORNÔ CHIC

Cláudia Rodrigues (*)

Quem faz as propagandas com as mulheres nuas? São os homens? São só eles? E quem escreve para as revistas femininas e para os jornais? Imprensa e propaganda submetidas ao marketing transformam o que deveria ser algo criativo, no caso da propaganda, e informativo, no caso das matérias, nessa banalização toda, não só da mulher mas também do homem e da criança.

Poderíamos ter uma propaganda preocupada com informação e matérias criativas que não perdessem o elo da informação?

Na realidade, temos um quadro em que a propaganda, em nome da criatividade, perde as estribeiras do bom senso, sem falar na total falta de compromisso com a verdade, enquanto as matérias, em nome de garantir um quê de criatividade para manter os olhos dos leitores atentos, ultrapassam os umbrais da informação escorregando na maionese da baixaria, que vai desde um extremo valor ao misticismo até a total falta de eixo, capaz de transformar notícia em algo sensacional, desde pautas de educação, ciência, beleza, até e principalmente as de economia e política. Este é o quadro, muito além dos jardins das belas desnudas.

Bando de frouxos

Aliás, mulher pelada é uma história para lá de Bagdá. Os homens têm compulsão por corpo de mulher nua, ficam fascinados e, curiosamente, não houve "Fróida" alguma para suspeitar que eles morrem de inveja por não terem nascido assim arredondados, lisinhos. Enfim, mulher pelada desenhada, pintada, na folhinha, nos cartões secretos que habitavam as carteiras de nossos avós, sempre foi uma realidade, muito mais do que uma fantasia. As feministas que me desculpem, mas o buraco é mais amplo e a peladura da mulherada é só uma pelamolezinha na propaganda e nas matérias que insistem em transformar os seres humanos em objetos de consumo que objetam o consumo acima de tudo.

Até a religião entrou nessa! Tem gente que consome padre, pastor, doutrinas. Tudo por conseqüência de um bom (ops!) marketing. Os homens, por exemplo, não são muito de se ofender, sabe-se lá por que, mas é inegável que a imagem do homem na publicidade é também bastante ofensiva. Eles são sempre lindos e ricos, exibem músculos desnudos ou roupas caras. Coitados dos carecas, barrigudos, pais de família, que se esfalfam para pagar os impostos e encher a barriguinha dos filhos de comida.

Do ponto de vista da propaganda e das matérias, que insistem em reproduzir em palavras as imagens dos anúncios, em nome do marketing, os homens normais, a maioria, são um bando de trouxas frouxos que nem conseguem comprar um carro confortável, quanto mais arrumar tempo para manterem-se lindos tomando um sol e um vinho branco em algum resort dourado.

Turma esquisita

As crianças aparecem quase sempre como miniadultos, e uma das cenas mais comuns é ver meninos e meninas de 8, 10 anos, em paqueras, preocupadíssimos com o que o sexo oposto pensa deles. Tadinhos, nem conseguem brincar de médico no meio de tanta babaquice.

Bem, um bom argumento seria o de que a propaganda não defende a realidade, mas projeções de fantasias. Fantasias de quem? E quanto às matérias das revistas e dos jornais? Também não defendem a realidade e estão a serviço das fantasias dos leitores. Será que dos leitores mesmo? Ando cansada de ouvir os editores dizendo que os leitores são burros, que não querem saber das coisas, que isso ou aquilo não os agrada, que querem ver sangue, sensação, banalidades, boas novas do mundo empresarial.

Tem uma turma aí que fala pelos leitores, pelos consumidores. É uma turma esquisita que está crescendo na globalização como nunca cresceu antes. Eles parecem aquelas personagens de filmes americanos que na infância viram a família ser assassinada e depois, na vida adulta, passam a perseguir todas as famílias felizes que encontram. A garotinha com a faca na mão se chama Mintiuring, sua mãe se chamava Marky e seu pai, Hedyhunter. São os fantasmas da mídia e da publicidade. Vivem para transformar nossas pulsões pelo conhecimento e pelo prazer genuíno em mecanicismo, perplexidade e na mais profunda de todas as dores que um ser humano pode sentir: não ser. Não somos, já fomos consumidos.

(*) Jornalista

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