Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Os novos analfabetos

FALTA DE LEITURA

Felipe Lemos (*)

O saudoso poeta gaúcho Mário Quintana legou-nos a sábia frase: "O verdadeiro analfabeto é aquele que sabe ler, mas não lê". Claro que se fala do analfabetismo no sentido mais abrangente, maravilhosamente descrito pelo poeta alemão Bertolt Brecht. O analfabetismo daqueles que poderiam ler, mas não exercem este poder e deixam de ser cidadãos. Ou pior do que isso: pensam que sabem ler, porém apenas interpretam signos sem entendê-los.

Ampliando esta idéia, o jornalista Paulo Francis disse, certa vez, que "quem não lê não pensa e quem não pensa será para sempre um servo". E esta análise é interessantíssima. Os resultados do Provão 2002 do ensino superior não estão concluídos a ponto de dispormos de todos os dados das pesquisas, mas as informações de 2001 revelam uma realidade nada animadora. Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), do Ministério da Educação, um dos questionários do Provão 2001 tratava da quantidade de livros lida pelos graduandos sem contar a leitura escolar (obrigatória, em muitos casos). Ou seja, literatura em geral. Ignoremos os cursos indiretamente ligados à comunicação e nos centremos no jornalismo.

Manipulação fácil

De acordo com as respostas dadas, um percentual de 31,9% dos acadêmicos de Jornalismo (futuros jornalistas, portanto) afirmou que, por ano, em média, lê no máximo três livros. Caso alguém deseje ser exato, uma leitura de 0,25 livro por mês. Nenhum livro lido mensalmente por quem logo se graduará numa ciência na qual, essencialmente, se faz presente a leitura. Somando este percentual de 31,9% aos 7,7% que asseguraram serem leitores de um livro por ano e de 1,7% que disseram que nada lêem, com exceção dos livros de seu curso, temos 41,3% de acadêmicos de Jornalismo com baixa média de leitura em geral.

Esta matemática é preocupante e reflete a média de toda uma população incapaz de apreciar o gosto pela leitura. E o gosto pelo saber, pelo aprendizado, pela interpretação, pelo desenvolvimento de um senso crítico em relação aos fatos vai se perdendo. E quem perde, em última instância, é a própria sociedade. As pessoas deixam de analisar o que vêem e ouvem nos meios eletrônicos, assimilando bobagens, acreditando em mentiras, sendo deformadas sem perceber.

Por não lerem e serem os novos analfabetos, tanto os acadêmicos de Jornalismo como a população em geral não conseguem estabelecer comparações entre as diferentes abordagens de TV, rádio, revistas e jornais e nem filtrar o que circula livremente pela internet. Deglutem tudo com a maior naturalidade sem imaginar na indigestão pela qual passarão em breve. Não enxergam sensacionalismos e nem tendências misteriosas nas informações divulgadas, porque desconhecem os textos entre os textos que dizem muito. Ficam sem opinião própria consistente e são facilmente manipulados. E pensam que sabem de tudo em sua arrogância acadêmica.

(*) Produtor de rádio em Florianópolis