Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Os pingos nos ii

PROVÃO 2002

Paulo C. Cunha Filho (*)

Prezados Rogério e Victor, foi surpreendente para mim ler os textos "O Provão, a covardia e o MST" e "Victor Gentilli responde", que vocês publicaram na seção Diretório Acadêmico do Observatório da Imprensa.

No seu texto, Rogério, ao criticar o Exame Nacional de Cursos e classificá-lo como "covardia", você cobra explicações do professor Victor Gentilli (UFES), afirmando que ele "inclusive terá que se referir ao professor Paulo Cunha (UFPE), que o humilhou num Congresso Internacional de Jornalismo de Língua Portuguesa, em Recife, no ano de 2000, durante uma discussão sobre a formação dos jornalistas em que o seu tempo foi utilizado integralmente para exibir as ?conclusões? e os ?resultados? do Provão na área". Você também relata, Rogério, que Victor Gentilli teria sido "contestado pelo professor Paulo Cunha ? detentor do senso crítico e da formação interdisciplinar que o Provão tanto despreza ?, que era aplaudido a cada intervenção, seguido do silêncio mórbido às fracassadas tentativas de refutação, bastante exaltadas, do professor Gentilli".

Na sua resposta, meu caro Gentilli, você diz: "Não me recordo de ter sido humilhado por Paulo Cunha no Encontro Internacional de Jornalismo de Língua Portuguesa, em 2000, em Recife. Se há uma forma baixa de enfrentar um debate é desqualificar o debatedor, e não os seus argumentos. […] Recordo-me de um bom debate com Paulo Cunha. Trata-se de pessoa educada que combate idéias, não pessoas. É até possível que ele tenha obtido aplausos nas suas falas e eu tenha recebido vaias nas minhas. Concluir daí que fui humilhado (eu, e não minhas posições) é desconhecer os preceitos mínimos dos bons modos e da compostura. Lamento."

Permitam-me, Rogério e Gentilli, esclarecer alguns pontos e tentar contribuir um pouco com o debate sobre o Provão.

Em primeiro lugar, a questão da "covardia". Apesar de me convocar como aliado, Rogério, você precisa saber que sou signatário de um documento, produzido por professores do Departamento de Comunicação Social da UFPE, que defende a participação dos estudantes do Exame Nacional de Cursos. No documento, informamos aos nossos alunos que temos sérias críticas ao Provão (e como não ter idéias críticas a respeito de um processo tão complexo como a avaliação dos cursos superiores do Brasil?), mas consideramos que os concluintes devem realizar o exame, respondendo com a maior aplicação possível. Aliás, num trecho do documento, somos muito claros ao escrever:


"Entrar, assinar, garantir o seu diploma e entregar a prova em branco ou riscada não é uma atitude política. É uma atitude ingênua e perversa, pois penaliza a universidade, além de sacrificar os colegas que dependem de um bom resultado na avaliação para ter maior disponibilidade de recursos, indispensáveis para melhorar a qualidade do curso. Também é preciso ter consciência que o MEC não é atingido pelo boicote. Ele estabelece a avaliação e quem comparece, respondendo ou não, riscando ou não, compactua com ele. Ora, se você acredita mesmo que aderir ao boicote é a forma mais eficaz de protestar, então boicote de verdade, assumindo todos os riscos."


Lendo este trecho, você percebe, Rogério, que não sou o melhor aliado para quem é a favor do boicote ? pelo menos não na forma em que ele tem sido praticado nos últimos anos.

Em segundo lugar, a "polêmica" do Congresso Internacional de Jornalismo de Língua Portuguesa (Recife, 2000). Na verdade, participamos (eu e o professor Gentilli) de uma mesa-redonda com outros jornalistas, inclusive estrangeiros, sobre a questão do ensino do Jornalismo. Eu estava, já na época, muito envolvido com as questões ligadas às novas tecnologias da informação e da comunicação e suas conseqüências na prática jornalística ? e falei sobre isso. O professor Gentilli deve se lembrar que centrou sua intervenção na questão da qualidade do ensino do Jornalismo no Brasil ? e citou muitos dados do Exame Nacional de Cursos para argumentar algo com que todos concordamos: o ensino do Jornalismo no Brasil está longe de ser o que necessitamos. Na discussão que se seguiu, deixei clara a minha posição crítica com relação ao Provão (e não contra a avaliação ou contra a idéia da necessidade de melhorar a qualidade dos cursos).

Contesto assim a versão da "humilhação" ? que não houve nem poderia haver, em se tratando de dois professores que se respeitam e cujo objetivo é, na verdade, o mesmo: melhorar a qualidade da formação acadêmica dos profissionais de Jornalismo. Aliás, creio que deveríamos todos ter ? inclusive você, Rogério ? outro objetivo comum: evitar o debate de temas tão complexos a partir de argumentos simplórios.

Quanto às "vaias" e aos "aplausos", devem ser considerados na sua real dimensão: como meras reações epidérmicas provocadas pelo calor do debate. Nada mais. Abraços,

(*) Professor do Departamento de Comunicação Social e do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco