Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Os sofistas do capital

MÍDIA & MILITÂNCIA

Marcelo Salles (*)

Creio que o ser humano tem uma tendência natural em acreditar naquilo que ouve, vê ou lê, sem conhecimento prévio do tema em questão. Assim, é mais do que esperado o surgimento de doutrinadores e, num plano maior, dos sofistas do capital, ou seja, da mídia grande enquanto "formadora de opinião".

Nesta semana que passou, fui convidado para uma reunião do PT, pois o tema da última edição do programa que apresento na TV universitária foi justamente uma análise do governo Lula e do comportamento da mídia ao longo desses cinco meses.

Inicialmente recusei o convite, pois acreditava que uma reunião às vésperas do programa com pessoas ligadas ao partido seria inútil, pertencessem elas a que corrente fosse. Simplesmente porque teríamos acesso apenas a uma visão parcial, talvez até maniqueísta, o que vai contra a proposta do programa. Entretanto, após muita insistência da equipe, concordei em ir, com o propósito de tudo ouvir, e nada comentar.

Lá chegando, um rapaz iniciou a reunião dizendo: "Bem, estamos com o prazo de filiação estourado, mas acho que vocês ainda podem conseguir se fizerem o pedido hoje". Alerta laranja. O que terá feito aquele rapaz pensar que eu queria me filiar ao PT? Dando continuidade a sua exposição inicial, notei que aquele discurso era bem o que eu esperava: maniqueísmo puro.

Confesso que resisti enquanto pude, mas quando o rapaz disse que os "radicais" deveriam ser punidos por terem divulgado um vídeo que falava mal do presidente (ele usou exatamente essa frase) e como ele não parasse de falar, senti-me obrigado a levantar o dedo e pedir a palavra. Levantei o dedo duas, três vezes. E nada. Alerta vermelho. O rapaz continuava falando como se o mundo inteiro estivesse ouvindo.

Então, depois de ouvir em silêncio aquela retórica por 30 minutos ininterruptos, resolvi perguntar: como o vídeo podia falar mal do presidente, se era o próprio presidente quem falava nesse vídeo?

Estranha mania

Como resultado, fui expulso da reunião, numa atitude autoritária que parece estar em voga no atual governo. Algo como discordou, criticou, enxergou um pouco diferente, está fora.

Neste caso específico, o rapaz ficou aborrecido porque, além de eu ter atrapalhado sua tentativa de manipular minha equipe, percebeu que aquilo não funcionaria comigo. Entretanto, num plano mais amplo, a censura velada que existe na mídia grande exerce a mesma função. Ou o jornalista se enquadra à ideologia dominante, ou é sumariamente excluído da jogada.

A entrevista concedida por Lula a jornalistas e publicada no jornal O Globo, no dia 28/5, é um exemplo elucidativo desta questão que aqui proponho. A impressão que tive, ao término de sua leitura, foi a de estar diante de uma peça publicitária. Até a dieta do presidente foi elogiada em rasgados adjetivos assinados por Helena Chagas. A idéia ficou bem clara: mostrar um Lula tranqüilo e inabalável, justamente no momento de desequilíbrio de seu governo e seu partido.

O autoritarismo do atual governo preocupa, mas não chega a impressionar. Lula foi enfático: "Para os radicais, a porta da rua". Em outras palavras, poderíamos dizer que o presidente do país, ao propor a expulsão dos "radicais", não está preocupado em resolver os problemas atacando suas raízes (afinal, radical vem de raiz).

Os sofistas do capital, imersos e ocultos na mídia grande, produzem suas retóricas não informativas, mas autoconfirmativas, como bem assinalou o professor Muniz Sodré, em edição recente deste Observatório. Por isso mesmo é que o senso crítico não pode faltar ao menor contato com qualquer tipo de mídia. Até porque, após intensa atuação dos doutrinadores, são poucos os que ainda conseguem enxergar a mensagem além do explícito proposto em uma ou outra manchete.

Afinal, as pessoas, em geral, têm a estranha mania de crer na boa fé das corporações midiáticas.

(*) Estudante de jornalismo da UFF