Monday, 18 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Otavio Frias Filho

BIG BROTHER BRASIL

"BBB", copyright Folha de S. Paulo, 31/01/02

"A Rede Globo estreou seu ?Big Brother Brasil?, versão local do programa de voyeurismo exibido mundo afora e que o SBT bigodeara antes. O oligopólio global reclama de direitos autorais, questão já resolvida por Chacrinha ao dizer que na TV ?nada se cria, tudo se copia?.

Ninguém mais lembra, mas Big Brother era o nome do governante totalitário, inspirado em Stálin, do livro ?1984?, de George Orwell. Num futuro que para nós já é passado, essa ditadura havia colocado câmeras vigiando cada aposento de cada domicílio.

Claro, ?BBB? é só uma diversão que dura enquanto durar a paciência do público. Os ?reality shows?, epidemia na televisão mundial de alguns anos para cá, têm fôlego curto, pois até mesmo as novelas, reduzidas hoje a suporte de merchandising, são menos entediantes do que esse ?realismo?.

O nome, no entanto, deveria ter sido considerado embaraçoso pela emissora que funciona como Big Brother (o de Orwell mesmo, não o de brincadeirinha) neste país em que a população não tem como se proteger da TV. A opção pelo nome indica que a emissora já se julga acima da crítica.

Numa decisão que deveria ser estudada, pelo ineditismo, nas escolas de comunicação, a Globo anunciou que todos os seus braços (TV aberta e fechada, revistas, rádios, jornais, internet) ajudarão na ?interatividade? do programa: jornalismo é o que o departamento comercial disser que é.

Com a conversão dos veículos de mídia em grandes conglomerados econômicos, discute-se nos Estados Unidos se o jornalismo terá autonomia, ainda que relativa, para tratar do jogo de interesses de tais megaempresas. ?BBB? mostra o caminho, sempre mais desimpedido por aqui do que lá.

Na Europa, o poder da TV é moderado por hábitos de cultura entranhados muito antes de ela existir, desde uma alfabetização já secular. No Brasil, a população não tem meios de proteção contra um veículo que se vale da lei do menor esforço para oferecer diversão barata, nos dois sentidos.

É a hipertrofia da TV no Brasil e da Globo na TV que sufoca o cinema nacional, que desvirtua o teatro, que impede a população de desenvolver uma infinidade de outros hábitos de lazer e arte. Pela influência desproporcional que exerce tanto na cultura como na política, a TV é tema de interesse público entre nós.

Em outros tempos, havia forças políticas dispostas a enfrentar o problema. O poder do oligopólio se tornou tão avassalador, porém, que as calou, a começar do nosso partido de esquerda, ao qual se poderia aplicar o slogan ?Globo e PT, tudo a ver?… Mas o ?BBB? é só diversão, gente. (Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna)"

"Há um ?big brother? no ar", copyright Jornal do Brasil, 29/01/02

"Quase todos os cadernos de cultura dos jornais brasileiros estarão falando nesta manhã sobre a estréia da versão brasileira de Big Brother, hoje à noite. Não vai faltar quem lembre que se o momento mais esperado da TV é a estréia desse programa, então temos motivo para nos preocupar. Isso não deixa de ser verdadeiro. Só que a maior preocupação inspirada por esse show não é com a qualidade da televisão aberta – e sim com sua capacidade de ser criativa, ousada e renovadora.

Big Brother é uma idéia boa – muito boa, até. Em primeiro lugar porque estimula a autonomia narrativa da televisão, já que é um programa irredutível a qualquer outro veículo; depois, porque assume a volaticidade, também própria da televisão, e faz disso um de seus elementos essenciais.

Programas dessa natureza não poderiam ser pensados como produtos perenes ou hegemônicos sobre o seu meio de reprodução (tal como um filme, por exemplo), porque juntos seus momentos não formam um todo. Cada seqüência, na verdade, desqualifica todas as anteriores – o que exprime bem a adequação entre o meio e a criação de um conteúdo que lhe seja próprio. Uma das poucas coisas de fato sabidas sobre a televisão é que a natureza de seu conteúdo é efêmera (o que não é um defeito, mas uma grande qualidade) – e os reality-shows são uma síntese muito adequada dessa propriedade.

Um programa de televisão que se organize em torno de recursos narrativos inerentes ao meio para o qual foi criado deve ser visto com respeito – e não com a suspeição que derive de comparações com formas de manifestações criativas elaboradas para outros veículos. Mas isso não é tudo. A construção de modelos originais vaza também para a arquitetura comercial do produto. Ainda que toda a comercialização de Big Brother Brasil corra por conta do que dele se veja na televisão aberta (inclusive a cobertura – prometida ou não – que será feita nos outros horários), o verdadeiro Big Brother estará acontecendo longe dali, no que comercialmente é considerado residual: o acompanhamento sistemático na TV por assinatura. Foi assim também com sua imitação antecipada. A essência de Casa dos Artistas não ficou no SBT mas – nos momentos em que os interregnos judiciais o permitiram – no pouquíssimo visto DTH da DirecTV.

A estréia televisiva de hoje não põe em risco então a qualidade da televisão aberta, vista em amplitude, como qualquer meio de massa tem de ser, e muito pelo contrário. Mas a disputa acirrada entre as duas maiores redes de televisão do país por um modelo alienígena acende uma luz de alerta sobre a atual capacidade da TV brasileira de ousar criativamente.

A pergunta que fica no ar é a seguinte: se a fórmula de Big Brother não tivesse sido desenvolvida na Holanda e testada em todo o mundo, mas tivesse nascido aqui mesmo, será que teria havido toda essa disputa, todo esse investimento, toda essa promoção?

A resposta é simples: o projeto possivelmente não teria sequer sido lido. Isso acontece em decorrência dos mecanismos que a televisão brasileira utiliza hoje para criar seu conteúdo. Ele nasce a partir de modelos preexistentes e é desenvolvido por bons autores, que existem em todas as emissoras. Mas emana de um núcleo naturalmente asfixiado pela falta de arejamento. Nos momentos em que põe a cabeça para fora, o que o núcleo enxerga é o que já está flutuando alto nas feiras de programação: as séries de sucesso ou os modelos de game-shows aplicados em virtualmente todos os programas de auditório (a começar pelo Show do Milhão, na verdade a versão ipsis litteris de Who wants to be a millionaire).

Não é fácil escapar desse vício. Mas uma das formas possíveis de defesa está por acaso em discussão neste momento entre a Ancine (Agência Nacional de Cinema) e a indústria brasileira de TV por assinatura. Seu pretexto é a taxação suplementar de 11% sobre os distribuidores de produto audiovisual estrangeiro que não aplicarem na produção brasileira. O objetivo é a modificação do artigo da lei do audiovisual que dispõe sobre o investimento por esses distribuidores em filmes brasileiros de longa-metragem: pretende-se ampliá-lo para telefilmes e séries de televisão.

Se isso acontecer, a produção – e sobretudo a criação – de produtos brasileiros para a televisão brasileira poderá sofrer uma radical transformação. Não fosse por outros motivos, porque as fontes criativas se veriam multiplicadas. Se todo o cinema do mundo nascesse das seis ou sete distribuidoras que comercializam os filmes, essa indústria estaria arrasada há muito tempo.

Há um big brother no ar, acompanhando os passos da televisão brasileira. Confinada numa grande casa, sem saber o que acontece do lado de fora, esses passos não podem ser muito normais. Quanto mais tempo esse pequeno núcleo ficar confinado dentro de casa grande, mais sua energia criativa se atrofiará. Aos olhos de quem o acompanha de longe, os movimentos são estranhos – e com o tempo beiram o patético. Ninguém pode ir muito longe quando fica girando em torno de si mesmo. (Nelson Hoineff, jornalista, é produtor e diretor de TV)"

"Globo joga tudo no sucesso do Big Brother e incomoda rivais da mídia", copyright Cidade Biz (www.cidadebiz.com.br), 30/01/02

"É de impressionar o esquema de exibição, divulgação, promoção e venda montado pela Globo para o seu primeiro reality show – o Big Brother Brasil.

Pela primeira vez na mídia brasileira uma empresa aciona todos seus trunfos – TV aberta e fechada, rádios, revista, jornais e internet – para operar em conjunto e faturar publicidade. Em pacote, cobrindo todas as mídias, ou fatiada, por veículo. É, como destaca com ufanismo o departamento comercial da Rede Globo, ?o primeiro grande projeto multiplataforma do país?.

Atrasada neste tipo de programação, já que foi atropelada pelo Casa dos Artistas, do SBT, a Globo mandou escrúpulos às favas e até seu corpo editorial foi convocado para entrar no circuito.

Equipes do Jornal Nacional e do Fantástico, da TV; dos jornais Globo e Extra, do Rio, e Diário de São Paulo; das rádios do grupo e da revista Quem farão coberturas diárias e semanais. Tudo supostamente jornalístico, mas devidamente patrocinado e garantia contratual de número de páginas e tempo de cobertura.

O programa de estréia atendeu as expectativas dos irmãos Marinho: teve audiência média de 49% em São Paulo. O que projeta um público de 56 milhões de telespectadores para todo o país.

O dinheiro também será bom. Até a véspera, só uma cota havia sido vendida. Mas Kaiser, Bombril e Ponto Frio juntaram-se à Fiat e garantiram pelo menos R$ 11,5 milhões ao grupo, considerando-se os descontos negociais sobre o preço de tabela de R$ 4,98 milhões de cada cota. Além disso, os outros veículos do grupo vão faturar mais algum com a cobertura do evento.

A força oligopolista do grupo certamente fará a diferença sobre o rival SBT, que repentinamente acordou para a disputa e tomou gosto. Será a voz rouca das ruas, porém, quem dirá se a Globo permanece no pódio número 1 ou que seu tempo já era.

As rasteiras e traições entre os anônimos personagens do Big Brother vão tomar as atenções nos próximos 60 dias, mas serão nos bastidores do mundo da mídia que estarão as melhores atrações."