Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Palavra de ordem é saturação

NA TRINCHEIRA

Fabiana Siqueira (*)

Prato cheio para a imprensa, o conflito entre Estados Unidos e Iraque reporta à construção imagética feita pela imprensa sobre outras guerras. De maneira sutil, ou mesmo escancarada, a imprensa não apenas noticiou a guerra, mas também lutou na linha de frente, promovendo deliberadamente o morticínio.

Entrincheirados nas mais importantes guerras, jornalistas descomprometidos com a ética cavaram a sepultura de milhões ao longo da história. Pode parecer mentira, mas, nas guerras, a imprensa é uma das armas mais letais.

A primeira cobertura jornalística de guerra não contava com o poder da imagem. Foram as palavras e as descrições dos jornalistas e também alguns desenhos que contaram ao mundo os desdobramentos do confronto entre o Império Otomano e a Rússia czarista. Comandada por interesses ingleses e franceses, a chamada Guerra da Criméia durou de 1854 a 1856, e contribuiu para a inserção gradativa da imprensa nas frentes de batalha.

Já na Primeira Guerra Mundial, o avanço da tecnologia permitiu uma cobertura mais pessoal da guerra, pela fotografia e o cinema. É certo que alguns dos países envolvidos não permitiam a entrada de jornalistas estrangeiros em seus campos de batalha, portanto a informação chegava ao resto do mundo carregada de interesses pessoais. Cada país queria determinar um rumo diferente para o conflito, de acordo com seus próprios desígnios, e esta tarefa era, basicamente, dos repórteres.

Durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939) entrou em cena um novo conceito de cobertura jornalística em confrontos: a guerra psico-ideológica. A manipulação da informação não se dava somente nas frentes de batalha, mas principalmente nas redações. Alguns jornais mais liberais, como The New York Times, não aderiram ao movimento.

Armada até os dentes

Quando o mundo descobriu o poder da imprensa como gerenciadora de conflitos, o acesso dos repórteres ao centro do confronto ficou menos restrito. Durante a Segunda Guerra Mundial surgiu a cobertura radiofônica ao vivo, dando à guerra um caráter bastante verossímil, pelo menos em tese. Os repórteres começaram a ser tratados como soldados, pois usavam uniformes e tinham livre acesso aos comandantes. Para isso, a imprensa pagou um preço muito alto: nada seria dito contra as tropas aliadas, omitindo-se, assim, muitas verdades da guerra.

Veio então a televisão, que precisava de uma guerra para noticiar. Nada melhor do que a do Vietnã para ostentar a pressuposta supremacia americana. Até que o horror da guerra passou a ser desprezado pelo mundo, causando a desistência americana. A partir de então, as guerras passaram a ser concebidas como espetáculos. Muito do que se ouve, assiste e lê nos noticiários é mera produção jornalística para favorecer um dos lados em disputa ou para acrescentar emoção ao combate.

Quanto à Guerra do Afeganistão, aos ataques terroristas e à Guerra do Iraque, a palavra de ordem em comunicação é saturação. Na falta de novas e determinantes notícias satura-se o leitor ou telespectador com análises e prognósticos maçantes. Colunistas transformaram-se em estrategistas da guerra, e a solução final para o conflito parece estar mais nas mãos da imprensa do que do governo americano.

Se o confronto armado representa a incapacidade humana de administrar diferenças, o que se dirá da imprensa que conduz a guerra? Em combate, verdade e mentira são muito relativas, ainda mais porque quem as determina é a imprensa, armada até os dentes.

(*) Estudante de Jornalismo do Centro Universitário Adventista (Unasp) e articulista da revista Canal da Imprensa <canaldaimprensa.com.br>