Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Passando o Sr. Casoy a limpo

DIPLOMA EM XEQUE

Angelo de Souza (*)

"Desculpem-me, colegas."

Com essas palavras cínicas, o Sr. Boris Casoy concluiu outro de seus infelizes comentários no Jornal da Record de 28/2. Vinha ele de uma matéria que mostrava a lamentável conseqüência da mais recente cruzada contra o diploma de jornalismo: cerca de 400 pessoas pediram e aguardam do Ministério do Trabalho o registro profissional como jornalista sem o curso superior exigido por lei.

A matéria, competentemente, mostrava diferentes ângulos da realidade. Num deles, a especialista em computação diz sentir-se à vontade para escrever sobre a área que domina ? e para requerer sua habilitação de jornalista. Noutro, o procurador que move a causa qualifica a lei que regulamenta a profissão de jornalista como um entrave à liberdade de expressão.

Estudantes se declaram preocupados com a súbita desvalorização do saber específico a que dedicam seu tempo e esforço. O preposto do ministro do Trabalho alega que não pode deixar de receber as solicitações. O sindicalista defende a necessidade da formação superior específica. A repórter lembra que o Brasil é talvez o único país a sustentar a exigência do diploma de graduação para jornalistas.

Para o arremate, volta o Sr. Boris Casoy e registra que a Associação Nacional dos Jornais é, como sempre foi, contrária a tal obrigatoriedade.

Ou seja, nada de novo no front. O registro continua sendo procurado por gente que não pretende exatamente abraçar o jornalismo como profissão, apenas ciscar no terreiro à cata do que puder alcançar e melhor lhe convier, mas não abre mão de declarar-se jornalista. Algo como certas modelos-atrizes-cantoras, pegando carona no prestígio das profissões dos outros ? e não se leia aqui nenhum preconceito contra qualquer uma delas

O ilustre representante do Ministério Público insiste no surrado e flácido argumento segundo o qual a liberdade de expressão é privilégio de quem vende sua força de trabalho a uma empresa de comunicação. Esquece-se de que, com a lei que regulamenta a profissão de jornalista ou apesar dela e do regime autoritário que a legou, nessas empresas tem liberdade o dono, que na prática emprega quem bem quiser. É graças a essa liberdade tão peculiar que ele e a lastimável juíza federal autora da liminar antidiploma estão a desfrutar de seus prolongados 15 minutos de fama.

Na universidade, pobres calouros ainda nas tintas do trote são chamados a opinar sobre um tema complexo. Pouco têm a dizer; nada sabem do que os espera ao longo do curso e, adiante, na vida profissional. E a forma como se expressam só denuncia o que de mais grave existe na questão: o ensino médio despeja nas escolas de Comunicação candidatos a jornalista cada vez menos articulados, e a universidade talvez não possa salvá-los.

Ao Ministério do Trabalho cabe cumprir a lei enquanto estiver em vigor. Contudo, verdade seja dita, em muitos estados a fiscalização do exercício profissional é uma quimera ? nem os sindicatos têm poder de polícia, nem se cria um conselho, uma ordem, uma instância que possa exercer esse papel, como existe para corretores de imóveis, detetives particulares e tantos outros profissionais.

Pelo Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, o único entrevistado francamente favorável à manutenção da regra em vigor chamou juíza e procurador para a briga. O corporativismo da entidade, por óbvio, nada acrescenta à discussão, mas ele teve a coragem de duvidar da inteligência de quem ataca o único critério para ingresso legal no mercado de trabalho como jornalista ? o critério da formação; meritocrático, academista, porém transparente. Será que nos concursos para juiz ou procurador é diferente?

Passemos da repórter, que foi correta, ao seu editor-chefe. O Sr. Boris Casoy não podia passar, mais uma vez em sua trajetória tão festejada, sem dar o recado em nome dos donos de jornais. Está velho para isso. Não podia poupar a frase de efeito: "Graças a Deus não sou jornalista formado." Teria sido um colega insuportável. E julgou ter ferido de morte o que considera o vilão da história, ao adjetivar a grande maioria das escolas de Jornalismo do país como "porcarias". Mirou no que viu e acertou no próprio pé.

Boa ação diária

Eu, que graças a Deus comecei na profissão bem antes de entrar na Faculdade de Jornalismo ? e confesso que dela saí muito melhor jornalista do que poderia ter sido se não tivesse passado por ela ?, pessoalmente acho que "uma porcaria" são os comentários autoritários, pretensiosos e falaciosos do Sr. Casoy, que em nada colaboram para resolver os problemas para os quais pretende alertar seu público. É bem o caso: que partido toma o Sr. Casoy na luta por um bom ensino de Jornalismo?

Só o de acusar as "caça-níqueis" pelo que são? No que tem resultado seu apoio às "reformas" ultraliberais que estão a desmontar o que resta das universidades públicas, nas quais não encontrei laboratórios de luxo, e sim a parte mais importante, a filosófica, da minha formação profissional?

Uma "porcaria" é essa atitude falsamente moralista e ridiculamente hipócrita que temos que suportar como recheio entre uma e outra notícia de seu jornal; aliás, um bom jornal. Pois só um imbecil pode, como ele, comparar o trabalho do jornalista na atualidade ao de um escritor. Ora, Sr. Casoy, desde Flaubert estão as ilusões perdidas; volte ao seu tempo. O nosso tempo.

Uma porcaria, uma vergonha é o que nos oferece quem deu ao show business a "grife da notícia" de que fala José Luís Datena, que o antecede em Cidade Alerta. Uma carreira fulgurante resumida em bordões esvaziados de sentido e análises previsíveis, como as de um Ratinho ou de um Mion, cada um em sua praia.

É preciso passar o Sr. Casoy a limpo. É preciso garantir que, na condição de meu colega, como ele se considera, possa me desculpar algum excesso ? coisa que, em respeito ao que o Sr. Boris Casoy representa para o jornalismo brasileiro, faço por ele todos os dias.

(*) Jornalista em Belém