Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Patricia Cohen

MORAL DA FOFOCA

"Em defesa da fofoca", copyright Jornal do Brasil / The New York Times, 23/08/02

"Se você está interessado nas últimas novidades em termos de fofoca, esqueça as notas quentes de colunas especializadas como Page Six, programas de TV como Entertainment Tonight e revistas como People, e corra para o Journal of Applied Philosophy. Nele, Emrys Westacott, professor associado de Filosofia da Alfred University, em Nova York, tenta levar a questão a um nível mais elevado, com uma defesa moral da fofoca. Não se fala uma palavra sequer sobre Jennifer Lopez, Puffy Daddy ou Tom Cruise. Em vez disso, Westacott usa Kant, Aristóteles e David Hume para concluir que as vantagens da fofoca vencem de longe suas falhas. Faça fofoca e se orgulhe disso.

A fofoca tem seduzido todo tipo de acadêmicos. Desde biólogos evolucionistas, que sustentam que ela é um mecanismo de sobrevivência, até críticas literárias feministas, que afirmam que a fofoca é sempre denegrida por causa de sua ligação tradicional com as mulheres. Já psicólogos e sociólogos têm analisado como a fofoca forja coesão social e laços emocionais.

O tratamento filosófico de Westacott para a fofoca é parte de uma série de ensaios nos quais ele vem trabalhando temas sobre a ética do cotidiano – como os erros e acertos da rudeza e a ética da lealdade. ?O que estou tentando fazer é lançar as luzes da filosofia para questões que nos atravessam todo o tempo?, diz ele.

A idéia de pensar seriamente sobre a fofoca nasceu de uma conversa com um amigo durante um jantar. ?Ele insistia que toda fofoca é ruim e isso me deixou pensativo?, conta. ?Não leve em consideração coisas que, obviamente, ferem os princípios morais da maior parte das pessoas, como falhas de confiança e mentira, e o que sobra é, sim, merecedor de uma análise detalhada?.

Westacott não nega, claro, que o uso da fofoca é uma atitude moralmente complexa, que exige uma sofisticada avaliação da responsabilidade individual, motivos, fontes e noções de justiça. Ainda assim, ele conclui que a fofoca é tão injustamente condenada quanto universalmente praticada. ?Quanto mais eu penso, concluo que falar de outras pessoas, mesmo de uma forma negativa, é não apenas socialmente útil, como indispensável.?

Um ponto de vista como este vai contra o que está estabelecido. Hesíodo declarou: ?A fofoca é produtora de confusão, leve e fácil de levantar, mas dura de suportar e difícil de se livrar?. Já no Levítico, Moisés adverte seu povo: ?Não vá para cima e para baixo contando histórias sobre as pessoas que lhe cercam? (embora, como muitos observam, este talvez seja o menos obedecido entre os 613 mandamentos da Torá).

Em seu artigo, que foi lançado pela primeira vez em 2000 e agora está sendo republicado, Westacott sistematicamente desafia o argumento de que a vida das pessoas não diz respeito às outras. ?Por que os chamados ?assuntos particulares? das outras pessoas não me dizem respeito??, pergunta. ?Exatamente onde e em que bases está pintada uma linha entre o que é e o que não é da minha conta? Por que o simples fato de eu estar interessado em uma coisa não faz essa coisa ser da minha conta? E mais fundamentalmente: o que faz com que seja errado falar de algo que, por algum motivo, ?não é da minha conta???

Ele reconhece que alguns direitos à privacidade são reconhecidos na legislação e na cultura americanas, mas acrescenta: ?Não há consenso sobre o que constitui uma violação desses direitos. O argumento de que fazer fofoca sobre uma pessoa infringe seu direito à privacidade é muito difícil de sustentar.?

Bem, e que tal pensar naquela regrinha de ouro: ?Se você não quer que façam fofoca a seu respeito, não faça fofoca sobre os outros?? Mesmo diante deste aparentemente inquebrável axioma, Westacott tem argumentos: ?Não é tão óbvia a maneira como esta regra deve ser aplicada, uma vez que ela não diz que intenções devem ter prioridade?. Quer dizer, se fulano está desesperado para ouvir algo sobre ciclano e você não permite, então alguém vai sair prejudicado.

De fato, a fofoca é uma atividade básica do ser humano que aumenta nossa compreensão da natureza humana e do mundo em torno de nós, como diz Westacott. No mais, insiste ele, a fofoca pode ser uma forma de resistência política contra sistemas arraigados de poder e dominação."


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"Boatos beneficiam os excluídos", copyright Jornal do Brasil, 22/08/02

"?Espalhar boatos sobre discrepâncias salariais, demissões, nepotismo, conflitos de interesse e coisas assim só faz beneficiar aqueles excluídos do poder – muito mais do que prejudicar aqueles que o mantêm e que têm algo a esconder?. Westacott, que acha a fofoca sobre a vida das celebridades uma chatice, elaborou até um gráfico para ajudar possíveis fofoqueiros com peso na consciência a distinguir o que é moralmente aceitável e o que moralmente inaceitável no mundo do diz-que-diz-que.

Tais argumentos, no entanto, surtem pouco efeito sobre Laurence Thomas, professor de Filosofia da Universidade de Syracuse, que escreveu um ensaio, A lógica da fofoca, para uma coleção de 1994 chamada Boa fofoca. Por telefone, de Paris, Thomas diz: ?Ninguém nega que a fofoca pode ser útil de vez em quando, mas isso não pode suplantar todo o mal que ela tem produzido.? Ele rechaça o argumento de que não há limites claros no que é a vida privada de uma pessoa. Thomas, de 52 anos, usa a si mesmo como exemplo. ?Não sou casado e, por isso, as pessoas perdem um bocado de energia tentando imaginar se sou gay ou não?, diz ele, que afirma não ser gay. ?Tenho alunos do sexo masculino que se recusam a ir à minha sala totalmente convencidos de que sou gay. Isso é fofoca.?

Já Aaron Ben-Ze?ev, diretor da Universidade de Haifa e professor de Filosofia que tem escrito muito sobre o assunto, é mais condescendente. Para ele, fofoca é ?uma atividade relaxante e inofensiva que se esgota em si mesma. Fazemos fofoca porque gostamos?. E, considerando outras práticas com as quais o ser humano perde tempo, como ver televisão ou apostar dinheiro em jogo, ?a fofoca não é a pior delas?, diz Ben-Ze?ev."

 

FAUSTÃO & BELO

"Tropeção do Faustão", copyright Veja, 26/08/02

"Marcelo Pires Vieira, o pagodeiro Belo, passou recentemente 37 dias preso, acusado de associação com o tráfico de drogas, porte ilegal de arma e formação de quadrilha. Hoje está em liberdade provisória e aguarda julgamento. Seus problemas começaram quando a polícia o flagrou em conversas telefônicas com o traficante carioca Valdir Ferreira, o Vado. As primeiras gravações que vieram à tona sugeriam que o cantor desejava adquirir um fuzil AR-15 e estava disposto a pagar 11.000 reais por ele. O dinheiro financiaria a compra de drogas. Desde o início do escândalo, o jornalismo da Rede Globo vem cobrindo exemplarmente o assunto. No início do mês, contudo, uma nota dissonante surgiu na emissora. No Domingão do Faustão, o apresentador Fausto Silva recebeu Belo como atração principal. Estimulou-o a expor suas mágoas e pontuou a conversa com frases de desagravo do tipo: ?Pelo que você diz, você está sendo vítima de uma grande injustiça. Ou seja, é totalmente inocente?. Se isso teve efeito benéfico para Belo, foi curtíssimo. Pouco depois, o Fantástico trouxe novas acusações contra o pagodeiro. Por causa disso, criou-se um constrangimento em torno do Domingão. Ele ainda não se dissipou. No fim de semana passado – quando surgiram mais sinais do relacionamento escuso entre o traficante e o pagodeiro -, Faustão deixou o assunto passar em brancas nuvens. Não reconheceu que havia abordado o tema de maneira parcial, martelando a tese da inocência de Belo sem mencionar os indícios contrários, e também não pediu desculpas ao espectador. Com essa atitude, deu a impressão de que considera a credibilidade de seu programa algo pouco relevante.

Fora do ar, Faustão admite que errou. ?O Belo não convenceu. Devíamos ter mostrado também as provas que o incriminavam?, diz ele. Mas a verdade é que a mancada poderia ter sido evitada. Antes de Belo pisar no palco do Domingão, o diretor da Central Globo de Jornalismo, Carlos Henrique Schröder, comunicou à Central Globo de Produção, responsável pelo programa, que havia novas provas contra ele. A decisão de manter a entrevista foi tomada por duas razões: a presença de Belo já havia sido anunciada e o pagodeiro estava disposto a aparecer no concorrente Domingo Legal, do SBT, caso a Globo não lhe abrisse espaço. As razões de audiência prevaleceram sobre as éticas.

Não é a primeira vez que a briga por ibope resulta em tropeções feios do apresentador. Em 1996, Faustão levou ao ar Rafael Pereira dos Santos, então com 15 anos e 87 centímetros de altura. Anunciado como uma miniatura do cantor Latino, o adolescente foi exposto ao ridículo e tratado como aberração. Em outro episódio, uma mulher coberta por sushis era desnudada à medida que um homem comia as iguarias. ?Em 700 programas, erramos agora, no Latininho, no sushi erótico e ao inocentar precipitadamente o cantor Alexandre Pires da acusação de atropelamento por embriaguez. O saldo é positivo?, diz Faustão. A aparição de Belo no Domingão não foi o menor desses erros. Seu público merecia uma satisfação."

 

RECORD vs. GLOBO

"Record ameaça ir à Justiça contra a Globo", copyright Folha de S. Paulo, 22/08/02

"A Record poderá acionar a Globo na Justiça e no Cade (Conselho Administrativo de Direito Econômico) pelas transmissões de jogos nas noites de quarta-feira, como vinha fazendo até a semana passada. Anteontem, a Record foi informada de que os jogos do Campeonato Brasileiro às quartas serão agora exclusivos da TV paga.

Ontem, a Record veiculou em seus telejornais editorial em que acusava a Globo de exercer ?monopólio? e de mudar o ?calendário das transmissões esportivas? para não prejudicar sua principal novela. Com o horário eleitoral, que vai até as 21h20, a Globo não irá transmitir futebol às quartas, porque não haveria tempo para ?Esperança?. A Record iria faturar com transmissões exclusivas.

A Record obteve os direitos de transmissão por meio de parceria com a Traffic, que comprou o evento da Globo. Seu contrato, no entanto, diz apenas que a emissora tem direito a quatro transmissões por semana, o que permite interpretar que a Globo pode determinar que todas essas transmissões devem ser, por exemplo, aos domingos. Se for à Justiça, a Record irá questionar por que tinha direito a jogos às quartas até a semana passada.

A Globo disse apenas que ?a Record comprou os direitos diretamente da Traffic. A quantidade e dias dos jogos foi estabelecida na negociaç&aatilde;o entre essas partes, seguindo as determinações do Clube dos 13?."