Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Patrimônio enlameado

Marcelo Fagá

 

Tive meu nome e minha reputação profissional – que são o meu patrimônio de 25 anos de jornalismo – violentados pela Folha de S. Paulo, onde trabalhei por oito anos na década de 80, inclusive em cargos de chefia, e de onde saí tratando diretamente com o diretor de Redação e filho do dono da empresa, Otavio Frias Filho.

Meu crime: sou, desde janeiro de 1997, assessor de imprensa na Secretaria de Comunicação Social da Prefeitura de São Paulo, contratado pela Prodam (Empresa de Processamento de Dados do Município), com o salário tornado público (equivalente ao salário médio em São Paulo de um chefe de reportagem de TV, segundo levantamento do primeiro número da revista Jornal dos Jornais). Meu trabalho é bem conhecido dos colegas que fazem cobertura da cidade: faço textos para o prefeito, o meio-campo de atendimento dos pedidos diários da imprensa (dezenas) e com secretarias municipais, além de uma newsletter diária que editamos e distribuímos para as redações, onde consta expediente com o nome de todos nós – os sete jornalistas da Secretaria de Comunicação Social – além do secretário e jornalista Antenor Braido.

Duvido que se tenha tido na Prefeitura de São Paulo uma estrutura tão enxuta. Lembram-se do cabidaço na época da tia, que terceirizava a assessoria para uma agência de publicidade e daí para outro escritório de assessoria? Pois é.

Mesmo para quem não está nem aí para Marcelo Fagá, vale mostrar como se arma irresponsavelmente uma história e como, pelos inevitáveis erros cometidos nessa armação, se atinge um profissional (ou melhor, a muitos) no exercício mesmo de sua profissão, atacando-se a legalidade e a legitimidade de seu trabalho.

Vamos à montagem:

Folha de S.Paulo, edição de quarta-feira, 31 de março (ê datazinha….) de 1999. Primeira página (chamada abaixo da dobra, em duas colunas, com foto de Pitta em escola). Título da chamada na primeira: “Secretários de Pitta recebem da Prodam”. Texto da chamada: “A Prodam (…) vem empregando, de forma irregular, secretários do prefeito Celso Pitta, protegidos de Paulo Maluf e acusados de envolvimento com a máfia da propina, informam Mario Cesar Carvalho e Rogério Gentile”.

A chamada tem mais um parágrafo, onde são citados dois funcionários contratados da Prodam: a chefe de gabinete do prefeito e um ex-administrador regional da Sé, alvo de uma CPI da Câmara anos atrás.

Caderno São Paulo (31/3/99), Primeira página. Chapéu: “Uso da máquina”. Linha fina: “Quatro secretários, ex-vice-prefeito e fantasmas recebem salários irregularmente”. Título: “Prodam paga homens de Pitta, de Maluf e até envolvidos na máfia.”

O texto, naquele cabotinismo auto-elogioso da Folha pós-80, diz: “Documentos obtidos pela Folha mostram que a Prodam (…) tornou-se um cabide de empregos. Estão na lista de funcionários da empresa quatro secretários do prefeito, (…), funcionários de Nicéa Pitta em órgão assistencial (…), protegidos do ex-prefeito Paulo Maluf, acusados de envolvimento com a máfia da propina e até funcionários ‘fantasmas’.”

E segue o sublide: “A lista de funcionários da Prodam era um dos segredos mais bem guardados por Pitta e Maluf. A Folha desvendou o mistério. Estão – ou estiveram – na folha de pagamentos, entre outros, o vice-prefeito Sólon Borges dos Reis e o ex-secretário Alfredo Savelli, indiciado por formação de quadrilha (veja quadro com lista de políticos e assessores na pág. 3-3)”.

Vamos então ao “mistério desvendado” pela Folha: o tal quadro com a lista, intitulado “Prodam paga homens de Pitta, de Maluf e até envolvidos na máfia”. Trata-se do mais acabado exemplo de reducionismo da informação copiado daquele jornal para analfabetos americanos, o USA Today. Some-se a isso uma edição totalmente distorcida e manipulada, algo que a Folha não precisa copiar de ninguém.

Senão vejamos. O jornal dispunha de duas listas de empregados da Prodam, que a Folha “apurou” (sic) serem espécies divididas em três categorias: “1) os que trabalham na Prodam; 2) os que estão emprestados para outros órgãos da prefeitura; 3) os que não trabalham, chamados (sic) ‘fantasmas’”.

Uma lista continha 671 funcionários (“a maioria dos quais trabalha” e que foi entregue ao Ministério Público depois de “expurgados 306 cargos de confiança”). Da outra, “completa”, com 1.635 “nomes”, pinçaram-se para o tal quadro 38 pessoas. Estão divididos em “homens de Maluf”, “homens de Pitta”, ambos portando guarda-chuvas, além de “cota de Nicéa”, “cota da Câmara”, “cota de Oscar Schmidt” e “funcionários da Prodam citados na CPI da máfia das propinas”.

Marcação cerrada

A idéia – claro – é fazer ligações e ilações para traçar uma vala comum de empreguismo e apadrinhamento, com acusados de mafiosos e fantasmas, que se juntam a políticos, a detentores de cargos públicos de secretário municipal, servidores e a profissionais – tudo na mesma mixórdia editorial, que é exatamente o contrário daquilo que o Otavinho pregava no projeto da Folha depois das Diretas Já, que guardo até hoje: jornalismo com máxima exatidão, precisão e objetividade na informação, acompanhado de rigorosa postura ética quanto a suspeitas, ofensas e acusações, principalmente de cunho pessoal, obrigando-se o jornal a sempre “ouvir o outro lado”.

Coloco em discussão este caso aqui no Observatório por estar convencido de que a publicação do meu nome na tal lista é uma questão que, além de envolver minha reputação profissional e pessoal, o que muito me interessa, envolve uma questão que pode interessar ao conjunto dos jornalistas.

Meu nome é o único, à exceção do prefeito, da mulher do prefeito e dos secretários municipais – todas pessoas públicas – que foi publicado de forma editada, que não corresponde ao meu nome completo que está na listagem da Prodam. Ou seja: a Folha fez questão de usar o nome profissional de um jornalista para marcar posição. Contra os jornalistas que trabalham em governo? Para se mostrar anticorporativa? Que é politicamente incorreto prestar assessoria de imprensa a um político? Um pouco de tudo isso. Quem trabalhou lá conhece a postura patronal arcaica e prepotente com que a direção – e seus cupinchas de plantão – se relaciona com a Redação e seus jornalistas. A ponto de afrontar a lei e burlar a legislação profissional.

Quanto aos autores, lamento que Rogério Gentile, que ainda é jovem, tenha se dobrado à pinçada de uma foca amestrada e ilustrada que atende pelo nome de… deixa prá lá, não tem importância.

 

Nahum Sirotsky, de Tel Aviv

 

Há um número crescente de serviços, ou grupos, com objetivos semelhantes aos do Observatório. E são todos muito bem apoiados na colaboração de profissionais. Os bons veículos vivem e prosperam. E o empenho em produzi-los é a nossa tarefa, a missão. Devemos, portanto, mantê-los vivos e ativos, de portas abertas, contribuindo para criar uma opinião pública informada e consciente, e, conseqüentemente, para o aperfeiçoamento dos sistemas que se orientam pelo respeito à lei.

Essas entidades, existentes em todos os países livres, preocupam-se, inclusive, com o chamado jornalismo de entretenimento, e até mesmo com o chamado jornalismo amarelo [N.R.: no Brasil, conhecido como jornalismo ou imprensa marron, porque marrom é a cor da m…]. E é pela existência de jornalistas eticamente comprometidos com a verdade dos fatos que a profissão vale a pena. Não se trata da ideologia de cada um, à qual cada um tem livre direito. Nem das diferentes interpretações de um mesmo evento ou idéia. Mas sim da integridade de quem opina, da coragem que tenha de suas convicções.

E isto é, hoje, mais fundamental do que nunca na história da humanidade. Não faço tal afirmação irresponsavelmente ou como gabolice. O mundo, liberado das correntes que o dividiam em dois, passou a ter inúmeras e variadas nuances perigosas. Se, antes, tratava-se da divisão entre estados-clientes dos americanos ou soviéticos, e tinham eles sua liberdade restrita pela necessidade de evitar um choque entre Ocidente e socialistas, a queda do Muro de Berlim foi como a pílula que libertou a mulher. Hoje, cada país vai pelo caminho que escolhe. E em cada um pululam como gafanhotos os que se consideram a inteligência dirigente, e com direito ao poder. Os Estados Unidos, que por alguns anos foram a única superpotência, tiveram a oportunidade de criar uma ordem mundial mais justa e tranqüila no lugar da que existira na “guerra fria”. Perderam-na. Hoje, são apenas uma das grandes potências. Talvez, por isso, a ordem melhor nunca mais chegue.

Os “salvadores” do novo tipo ocuparam o vácuo e promoveram o retrocesso ao racismo e às guerras religiosas, as mais cruéis da história. Recorreram a mitos e lendas para ascender ao poder com programas de “limpeza étnica”, como na antiga Iugoslávia, ou de pureza da fé, como na Argélia. Não faltam nem aos países nem aos líderes carismáticos – com suas promessas de salvação e mundo melhor – a oferta dos serviços dos modernos condotiere, os cientistas em busca de fortuna fácil ou emoção, prontos a vender seu know how para a produção de armas de destruição maciça – das nucleares, que exigem grandes investimentos e tempo, às químicas e biológicas, que se podem fabricar no fundo do quintal, passando pela cibernética, pela invasão de sistemas de computadores.

É um mundo extremamente perigoso, no qual convivem fanáticos fora de controle. E só será possível domá-lo e submetê-lo a leis com uma opinião pública efetivamente bem informada e consciente do meio ambiente em que vive.

E é mesmo vital um jornalismo sério e meios de comunicação éticos. É fundamental que se revele o que ocorre nos bastidores e se denunciem as mentiras que se utilizam para levar os povos à guerra. Só uma mídia livre, com jornalismo ético, tem meios e coragem de levantar o mundo contra o novos bárbaros, os fundamentalistas religiosos, os promotores da pureza étnica.

Instituições como o Observatório, que se multiplicam pelo mundo de hoje, se concentram exatamente no objetivo de encorajar o jornalismo ético e denunciar e condenar o recurso ao primarismo do texto e da ilustração como meios para garantir circulação ou audiência. As novas mídias, como a Internet, a queda no percentual dos interessados em qualidade, a crise econômica – tudo se soma para inspirar editoras e editores, empresários e profissionais na busca da fórmula mágica do sucesso. E ao caírem no fácil promovem o início do processo de morte de seus veículos, o que só confirmarão quando for tarde demais. Foi assim no passado e assim ainda o é.

Já disse em vezes anteriores, e sempre reafirmo: a história prova que as crises são superadas pela criatividade e aprimoramento da qualidade, jamais pelo recurso ao fácil e ao barateamento. Essa quebra de qualidade não ameaça apenas a mídia e a profissão. É um perigo também para o mundo, no qual povos mal-informados aceitam e defendem lideranças como a sérvia, que praticam atos bárbaros contra os albaneses. Ou teorias econômicas que aumentam a miséria da maioria e a riqueza das minorias – como as que insistem, contra os fatos, que o livre movimento dos capitais acabará por distribuir melhor a riqueza entre povos e nações.

Instituições de profissionais, pela denuncia da quebra da ética, preservam o conceito do jornalismo e a sua necessária influência nas relações entre indivíduos, intra e entre nações. Não são raros, obviamente, os casos de exageros. Porém, sabe-se – em países mais avançados cultural, política e economicamente – que é melhor exagerar na crítica e na denúncia da desinformação do que ignorá-la.

O que se tenta, agora, é combinar a ação e os objetivos de associações de jornalistas com o que as associações de empresários definem como seus objetivos e interesses. E chega-se cada dia mais aos que, no geral, são coincidentes: o bom jornalismo, o jornalismo ético, em todas as mídias, é o melhor negócio para editoras e editores. A confirmação está nas estatísticas. A revista inglesa The Economist nem de longe tem a circulação dos grandes semanários americanos de notícias. Mas só faz prosperar pela qualidade de sua informação.

Outro grande desafio não está sendo considerado o suficiente: a vulgarização. Especialmente, o uso da mídia para fins pornográficos – e não me refiro à pornografia sexual. Nada mais pornográfico do que a promoção do ódio racial e religioso na Internet, acessível a adultos bem e mal formados e a menores que serão nela educados. E o estimulo ao pior da natureza humana: o ódio e a guerra.

O que se começa a discutir, ainda com timidez, é um novo conceito de liberdade de opinião e expressão. Na profissão como na sociedade civil teme-se qualquer coisa que cheire a censura. Mas não há dúvida de que se deve refletir sobre como impedir que as mídias, principalmente as novas, usem tais liberdades para promover o ódio, o terror e a guerra. Como garantir a liberdade de expressão sem ser instrumento de divisão de indivíduos e povos? A liberdade de entrada na Internet é ameaça direta à segurança de cidadãos e países, como verificamos nos sites que estimulam o ódio racial e nos casos de invasão de computadores. Um exemplo bem recente foi a disseminação mundial, em poucos dias, do vírus Melissa.

A modernidade e a velocidade do progresso científico-tecnológico significam desafios inéditos tanto para jornalistas como para empresários da mídia. E se torna cada vez mais óbvio que devem ambos cooperar na análise das questões propostas acima e na busca de respostas. Não podemos perder tempo. Encontraremos juntos, e em liberdade, as saídas apropriadas que, por nós controladas, serão mutáveis e dinâmicas por definição. Os chamados poderes públicos se sentirão obrigados a agir com o apoio da opinião pública.

Os americanos perderam a oportunidade de ser os parteiros do mundo melhor. A mídia, em crise e em conflito pelos quatro cantos devido à dura competição neste contexto econômico internacionalmente instável, tem de sair em defesa das liberdades, e contra os que dela abusam, ou correrá o risco de sofrer controles impostos de fora.

 

Fabrício Marta

 

Vivemos rodeados por erros e acertos, virtudes que não fazem outra coisa a não ser contribuir para nosso crescimento como seres humanos que somos ou deveríamos ser. O que não podemos é desistir, pois ao chutar o balde a esta altura do campeonato estaríamos nos transformando em reais contribuintes formadores de um mundo literalmente mais caduco do que aquele idealizado pelo poeta.

De acordo com nosso Repórter Frustrado, autor de Um dilema para Alberto Dines [ver remissão abaixo], existe uma vala entre a teoria e a prática do jornalismo. A afirmativa é verdadeira, sem sombra de dúvida. No entanto, cabe somente a nós, profissionais ou futuros profissionais da imprensa ética deste país, proporcionar o aterramento desta enorme vala, cujas margens, em eterna putrefação, podem ser transformadas em solo fértil a partir das entrelinhas éticas das produções nossas de cada dia.

Às vésperas do Terceiro Milênio damos de cara com uma realidade velozmente assustadora: vivemos a era da notícia real em tempo real, da informação on line, enfim, da globalizante Internet. Além disso, precisamos encarar um leitor cada vez mais ávido por informação, fascinado pelas manchetes e pelos acontecimentos que são notícia no planeta e fora dele. Do outro lado do balcão, nas redações, a pressão é enorme e a pressa, forçosamente, obriga a deixar a fantasia de inimiga de lado, passando a viver a personagem de melhor amiga da perfeição.

É óbvio que este espetáculo só poderia ter um resultado: o fracasso. No entanto, a crise está aí, batendo às portas das casas de todos nós: seria ético não ser profissionalmente ético para garantir o pão de cada dia? Cada cabeça uma sentença. Quero chegar em casa, pôr a cabeça no travesseiro e dormir. Se estou insatisfeito pego o meu boné e vou embora. Ficar brincando de fingir ser ético é que não dá. Por conta de atitudes como estas (as não-éticas), seres humanos são perseguidos, julgados e condenados por uma “imprensa” que se diz Imprensa. Atropelar etapas no trabalho jornalístico está se tornando uma perigosa rotina: por onde anda a verdadeira apuração? Há gente demais brincando de repórter policial sem o respaldo de bases sólidas para exercer tal atividade.

Não dá para esperar que as empresas nos dêem condições para desenvolver um bom trabalho. Isto deve partir do nosso profissionalismo, da nossa essência. Temos a obrigação de conquistar nosso espaço e de construir uma atmosfera favorável a nosso desenvolvimento, por mais árdua que seja esta tarefa. Palavra de quem já coordenou uma equipe de produção de TV e, por várias vezes, teve de agendar entrevistas de um orelhão dentro da própria empresa. Isso é fácil de aturar?

Portanto, calar a boca não é a solução. Precisamos estar atentos às outras maneiras que um jornalista tem para se comunicar. Não podemos sair por aí recortando realidades, dando a elas violentas interpretações e montando-as em um outro lugar com um novo contexto.

Por favor, não sejamos vendedores de ilusões! A comichão está a bordo, e a disposição de mudar, à vista! Mãos à obra!

 

Jairo Faria Mendes (*)

 

O livro Rádio e pânico: a guerra dos mundos, 60 anos depois estimula novos estudos sobre o rádio. Nesta publicação é apresentado e analisado o mais polêmico programa de rádio feito em toda história: “A guerra dos mundos”, comando por Orson Welles, que nos Estados Unidos, na véspera do Dia das Bruxas, em 1938, simulou a transmissão de uma destruidora invasão de marcianos. O resultado foi um milhão de pessoas em pânico.

Esta experiência radiofônica mostrou o poder sugestionador desta mídia. Apesar de no começo do programa ter sido explicado que se tratava de ficção, e parte da transmissão seguir o formato da narrativa literária, isto não foi suficiente para evitar o pânico.

O rádio mostrou que seu grande poder reside, na verdade, na imaginação dos ouvintes. O som do rádio é complementado por imagens mentais alimentadas por um forte combustível: os medos e os desejos das pessoas. Se fecharmos os olhos, cada som nos tocará, mexerá com emoções, com nossa imaginação, e ruídos banais (como um liqüidificador) poderão parecer ameaçadores.

O rádio tem o poder de criar grandes espetáculos, que podem ser belos ou assustadores. E, em muitos programas radiofônicos, é possível observar uma forte encenação, buscando utilizar este potencial criador de realidades.

Um exemplo disso são as narrações de partidas de futebol. No rádio, todos os jogos são superpartidas, com super-atletas e uma furiosa bola, que mais se assemelha a um cometa.

A encenação feita pelo locutor esportivo visa, claramente, criar um grande espetáculo. Mexer com as emoções do torcedor. Transformar o jogo de futebol num jogo de paixões.

É emoção pura. Um passe simples de um jogador para outro é descrito com grande vivacidade. E num ritmo que vai se acelerando a cada jogada, entrando numa velocidade alucinante ao se aproximar do gol.

O locutor narra com o coração. E, como o ouvinte não tem a imagem do jogo, ficará por conta de sua imaginação preencher esse vazio. O torcedor também fica ansioso para ver os melhores lances na TV, o quais muitas vezes lhe causarão estranheza: a imagem da partida não tem a vivacidade da criada no rádio.

Várias estratégias são usadas pelo locutor esportivo na espetacularização, que é tão expressiva que faz da narração uma obra de ficção.

A velocidade da narração cria a imagem de uma partida exageradamente movimentada. É como se os jogadores cruzassem o campo incessantemente, precisando de poucos segundos para ir de uma área à outra. Coisa comum ao futebol de salão, mas impossível no de campo. À medida que o jogador se aproxima do gol, a velocidade da narração e o volume de voz do locutor crescem, e também aumentam a vibração, o entusiasmo. É como se os jogadores enlouquecessem e começassem a superar seus limites físicos, chutando tudo à frente, fazendo malabarismos de dar inveja a artistas de circo. Até atingir o máximo da emoção, o GOOOOOOOOOOOOL!!!!!!!!!!! O narrador aproveitará ao extremo esse momento, fazendo grande festa.

A narração esportiva visa atender o ouvinte apaixonado pelo futebol. Quem não é torcedor não se interessará pelas transmissões. Mas os amantes do futebol, que festejam as vitórias de seu clube, às vezes choram, brigam e encontram ali o combustível ideal para realimentar sua paixão.

O espetáculo criado pelo narrador esportivo é muito interessante, apesar de sua simplicidade. Ele se centra em uma única pessoa, o narrador, que terá a responsabilidade de toda a encenação. Por isso, o narrador tem importância maior no rádio que na televisão.

Como ele trabalha com a emoção, ao locutor esportivo será dado o direito (e o dever) de torcer. É comum que os jogos sejam sempre transmitidos pela mesma equipe (locutor, comentarista, repórter de campo). Com isso, o narrador fica associado a um time, tendo um “compromisso” de representar a paixão de sua torcida. Ele não tem o direito à objetividade; isto ficará por conta do comentarista e, mesmo assim, até certo ponto.

Essa espetacularização não pode ser vista de forma negativa: é um importante elemento no jogo de paixões que é o futebol. A narração foi assimilada culturalmente. Assim como o futebol tem significado muito importante na formação de nossa identidade cultural, o narrador esportivo aparece como porta-voz desta manifestação.

O preocupante é o futuro das transmissões esportivas. Com a popularização da TV por assinatura, com numerosas opções de jogos de futebol, o rádio deve perder muito espaço. Afinal de contas, o futebol é um espetáculo visual. O torcedor quer ver os jogos, não ouvi-los. Talvez ainda sobrem alguns torcedores que, mesmo assistindo pela TV, tirem o volume para ficar com o do rádio.

(*) Mestre em Comunicação e Cultura pela UFRJ

 

M. C.

 

Comentarista esportivo tem a mania de cobrar de nossos jogadores de futebol que cantem o Hino Nacional no campo. No domingo 18/4/99, Sílvio Luiz, da Bandeirantes, declarou num tom solene beirando o teatral que “nenhum” jogador do clássico Vasco x Flamengo cantou o Hino. E até ilustrou a pérola dizendo que antigamente tínhamos o Hino impresso em nossos cadernos.

Essa imprensa esportiva vive mesmo em outro mundo. Deve ser o Planeta Bola.

Por que eles não cobram essas coisas do governo? Saber o Hino requer escolaridade. Professora ensinando a decorar, escola promovendo eventos cívicos. Coisas que nossos governos – um após outro – não vêm oferecendo. Que governo tem investido na educação fundamental (os antigos primário e ginásio)? E caderno com Hino impresso, não vejo há muito tempo.

Jogadores de futebol vêm das classes pobres. Quando muito aprendem a jogar futebol. E a duras penas, porque não é só a boa educação que lhes falta: até os campinhos vêm sumindo.

Há momentos em que os comentaristas deviam se calar.

E, a propósito, o Luisão do Vasco cantou o Hino.

 

Marinilda Carvalho

 

De uns tempos para cá, leitores e colaboradores do O. I. deram para escrever nome de mês, de dia da semana e de idioma com inicial maiúscula. “O Fantástico deste Domingo…”, “A edição de 5 de Abril…”, “Em bom Português…”

Tenho reparado este fenômeno até em alguns jornais.

Estaremos na Grã-Bretanha? Nos Estados Unidos?

Mas então vamos escrever logo Sunday, April e Portuguese.

 

Isak Bejzman

“A linguagem política é destinada a
fazer com que as mentiras soem como
verdades e a simples brisa receba uma
aparência de solidez.”
(Geo
rge Orwell)

 

A leitura de qualquer debate entre dois políticos confirmará as palavras de Orwell. Pois aqui pela Pampa vem acontecendo um ‘causo’ que faz com que a imprensa gaúcha ande mais atrapalhada do que sapo em cancha de bocha.

Quando da última campanha política para governador do Estado, o candidato do bigode de arame andou dizendo o que ele faria se ganhasse a parada. E ganhou.

Daí que teve início um baita de um reboliço. Já faz 100 dias que o governo Olívio Dutra está plantado e o entrevero é de grande para maior; entrevero que a imprensa espicha mais e mais mediando debates entre os dois lados. É que o novo governador, fazendo tudo o que disse que ia fazer, mandou o ‘seu’ Orwell às favas. Coitado!

Os partidos políticos de esquerda no Brasil costumavam ser pouco inteligentes. Odiavam alianças, e quando conseguiam algum cargo executivo numa eleição ignoravam seu universo circundante. Não se davam conta de que, apesar da vitória eleitoral, politicamente ainda constituíam o que se chama de um estranho no ninho. E mais: costumavam praticar autofagia política – como no caso de Luiza Erundina, por exemplo).

Olívio está cumprindo seu programa de campanha e o faz defenestrando o governo anterior, dizendo que Antônio Brito já antes das eleições comprometeu, à moda dele, o Tesouro estadual dos quatro anos seguintes e, depois de perder as eleições, encerrou o governo fazendo uma política de terra arrasada com a finalidade de embretar os quatro anos de Olívio. Esse discurso oliviano desencadeou uma baita bochinchada da atual oposição.

A imprensa? Continua neutra. Mediando debates sem esclarecer nada com nada.

E a imprensa?

A gauchada sempre teve orgulho do fato de sua terra ser considerada celeiro do Brasil, mas desde 1960 desejava ardentemente ter sua fábrica de automóveis – JK privilegiou São Paulo. Quando aqui se perdeu a vez para Minas e a Fiat se implantou naquelas bandas, foi um luto só.

Houve época em que se dizia pelo Rio Grande que a gente daqui estava submetida ao poder econômico de São Paulo, assim como o Brasil aos Estados Unidos. Foi um baita de um bochincho.

Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados, arribou no pago e cuspiu na cara de todos: “Vocês gaúchos devem plantar trigo e criar bois, e aí então vão ganhar dinheiro e vão poder importar francesas.

Antônio Brito, ex-governador do Estado, deve ter captado, penso eu, a fantasia inconsciente, o sonho, o desejo e os brios dos gaúchos: ter uma fábrica de automóveis. Ainda mais que o Paraná, além de já ser o novo celeiro brasileiro, estava semeado de montadoras. Com a possibilidade legal da reeleição, Brito resolveu satisfazer o povo que estava a governar; deu por certo que seria reeleito e passou a governar como se seu turno fosse de oito, e não de quatro anos.

Brito lotou o Rio Grande de fábricas de automóveis. As duas maiores do mundo: GM e Ford. De lambuja, uma indústria de computadores, uma laminadora de aço, uma indústria de pneus, de refrigerantes também, dezenas de indústrias de autopeças – e generosamente distribuiu a todas incentivos e dinheiro. Brito pensou em construir um novo Rio Grande, um estado industrial.

A localização geográfica da planta da GM, em Gravataí, às margens da melhor estrada gaúcha – cujo destino é o litoral e também saída para o centro do país pela BR-101 –, possibilitou a Brito realizar uma obra-prima de merchandising. No verão, todo gaúcho vai à praia nem que seja a pé. Em dois anos, no mínimo 9 milhões de gaúchos se deslumbraram com as obras de implantação do grande complexo industrial da GM.

Depois de vencer as eleições, o PT denunciou insistentemente o pacto do ex-governador com as montadoras, dizendo que Brito vendera as estatais para doar dinheiro público a empresas privadas, relegando o social. Estava armado o bochincho mais uma vez, e dos grandes. O ex-governo agora oposição passou a gritar que a ex-oposição, agora governo, não desce do palanque, que continua em campanha.

E a imprensa? Neutra. Mediando.

Mais e mais o ex-governo dá espaço ao PT na mídia, que nunca foi petista. Nunca no Rio Grande o PT apareceu tanto nas telinhas, nas rádios e nos jornais.

A nova oposição realizou manifestação de protesto, em favor das montadoras e pelo emprego. Os prefeitos de Guaíba e Gravataí, vereadores, políticos, deputados estaduais oposicionistas e habitantes das duas localidades estavam presentes. Foi então que aconteceu algo inesperado. Armado o palanque bem na cara do Palácio Piratini, a oposição deitou o verbo. O bigodudo saiu do palácio, de peito aberto, subiu ao palanque da oposição e deu seu recado. Disse o que estava fazendo e por quê. Deu uma satisfação ao povo na praça.

Frente à inesperada atitude do governador, a nova oposição acabou por revelar para que veio à praça e o que estava preparando para o Palácio Piratini. Os políticos perderam o controle sobre a massa que insuflaram, e os ovos que trouxeram para jogar na fachada do palácio jogaram em Olívio Dutra, o governador do Estado. Não havia um só soldado da Brigada Militar na praça.

Quando o PT ia para a praça, ficava exposto a um verdadeiro aparato militar montado pelo palácio. E a imprensa? Neutra. Minto, uma honrosa exceção. O jornalista Paulo Santana, no jornal Zero Hora, deu sua opinião sobre o sucedido.

Jornalistas competentes estão se prestando a fazer o que eu penso ser um desserviço para o Rio Grande. Colocam-se na posição de mediadores, promovendo no rádio e na televisão discussões homéricas entre governo e oposição, a que chamam de debate, sem procurar desvendar para o público se os discursos políticos de ambas as partes são mentiras que soam como verdades ou simples brisa com aparência de solidez.

 

Gilmar Ribeiro

 

Gostaria de fazer observações em relação à predominância da mídia de São Paulo sobre a do Rio de Janeiro. Várias razões para essa concentração foram apresentadas durante o programa Observatório da Imprensa na TV (16/3/99), com destaque para aquelas relacionadas ao mercado publicitário paulista e à pujança econômica daquele Estado, argumentações válidas, evidentemente. Porém, não decisivas. A partir da abertura democrática, com a permissão de eleições, inicialmente para governadores e, posteriormente, para presidente da República, foi possível observar uma clara distinção entre as opções politico-ideológicas do eleitorado fluminense – mais à esquerda – e o paulista – mais conservador. Em 1982, o Rio de Janeiro teve a petulância de eleger para o governo do Estado o Sr. Leonel Brizola, àquela altura a figura mais conflitante com o regime militar. Em 1989, o Rio votou maciçamente para presidente da República em Brizola no primeiro turno e em Lula no segundo turno, contra o candidato do poder econômico (Globo inclusive) Fernando Collor de Mello, que obteve expressiva votação em São Paulo. Mais uma vez, o eleitorado do Rio mostrou rebeldia em relação ao poder econômico, que controla a mídia, e nadou contra a correnteza do sistema.

Em 1994, mesmo sob o impacto do Plano Real e a comoção da intervenção militar nos morros da capital para “combater o descalabro da violência no Estado”, o Rio de Janeiro ofereceu polpudos índices percentuais de votos ao candidato da esquerda, Lula, contrariando mais uma vez o projeto político elaborado pelas elites econômicas do país, que queriam impor Fernando Henrique – para o que trabalharam e investiram. Mais uma vez, São Paulo depositou seus votos no candidato do sistema, garantindo a continuidade do neo-liberalismo iniciado por Collor e radicalizado pelo atual presidente reeleito. É preciso registrar que São Paulo elegeu nessas duas últimas décadas figuras como Jânio Quadros e Maluf, com apenas um rompante de esquerdismo com Erundina.

O PT, apesar de nascido no ABC paulista, não conseguiu, à exceção de Erundina, emplacar outras figuras em cargos de governador e prefeito. Poderíamos tomar também os números das eleições de 1998, com o Rio elegendo um candidato de coligação das esquerdas. Não falemos da eleição para presidente, pois seus resultados já vêm sendo qualificados como ilegítimos por figuras respeitáveis como Carlos Heitor Cony, Mino Carta, entre outros, que os caracterizam como estelionato eleitoral. Mesmo assim, Lula teve novamente no Rio de Janeiro grande quantidade de votos, ao contrário do que ocorreu em São Paulo. Filme repetido.

Coincidiu com esse desenrolar de votações dos cariocas na esquerda e dos paulistas com a direita um gradual movimento de transferência – forçada – da formação de opinião para São Paulo, posto que é muito mais interessante aos formadores de opinião propagar para o resto do país um perfil paulista, mais conservador e afinado com o jeito neoliberal de ser, do que espelhar a filosofia do carioca mais contestadora, cosmopolita, questionadora e, como os números das eleições demonstram, sempre pendente para linhas ideológicas mais à esquerda. Em 1989, junto com Rio Grande do Sul, principalmente, quase o Rio de Janeiro muda os planos dos donos do Brasil e impõe um candidato progressista ao país.

A decadência de empresas jornalísticas com Jornal do Brasil e Manchete tem a ver com má administração. Isente-se o Rio de Janeiro desses fiascos. Lamente-se muito o fechamento da rádio Jornal do Brasil AM, marcada na história da redemocratização do Brasil, quando ajudou a desmistificar o escândalo da Proconsult. A Rede CBN passou a ser ancorada em São Paulo, onde há concorrentes como Eldorado, Bandeirantes, Jovem Pan. No Rio de Janeiro, com o fim da JB AM, a emissora do sistema Globo atua sozinha no segmento de rádio 100% jornalística.

O movimento da mídia para São Paulo é, antes de mais nada, um projeto ideológico de fazer predominar o pensamento único neoliberal, com o qual o paulista está afinado. Obviamente que tratamos de estatísticas. Logo, nem todo paulista é de direita e nem todo carioca de esquerda.

“Manter um jornal em circulação custa muito dinheiro”, disse o Dr. Barbosa Lima Sobrinho. Imagine-se manter uma rede de TV. Conclui-se que só rico pode ter TV, jornal ou rádio. E rico é neoliberal. Portanto, que o país pense como os paulistas e imagine o carioca apenas como um exemplar exótico. É nisso que a mídia, mera ramificação do poder econômico, trabalha.

 

Por ter publicado matéria em que divulgava uma lista de onze parentes do senador Antonio Carlos Magalhães empregados em órgãos públicos na Bahia, o jornal Correio Braziliense, de Brasília, foi objeto da ira do parlamentar baiano, inspirador da CPI do Judiciário.




TT Catalão (*)

“Tanta gente tenta lhe enfiar alguma opinião, sensação ou produto goela abaixo. O massacre mass-mídia vai desde folhetos nunca lidos, mensagens eletrônicas e doutrinações explícitas ou sutis. Não fomos educados para discriminar criticamente tal assédio impertinente e seus truques, mas aprendemos que faz parte do jogo separar o que interessa do que é lixo.

Mas tem assuntos e pessoas que nos vencem pelo cansaço. A propaganda dos governos sabe disso. A arrogância do poder também. No primeiro caso tivemos a dúbia declaração do presidente da República que ‘ninguém come em dólar’. No segundo, a infeliz ofensa do presidente do Congresso ao presidente dos Diários Associados, reforçando a idéia do quanto o exercício muito prolongado da autoridade cria vícios autoritários.

Nos dois casos reside a institucionalização da farsa bem-sucedida. Em um, a imagem de que a crise já passou; no outro, de que os velhos tempos da ditadura não passaram e há soberanos, ainda. Dependendo do observador. os dois pontos de vista estão corretíssimos ou extremamente equivocados.

O presidente FHC, mesmo comedido, colabora com alguma euforia. Se o governo vibra bem pela ‘crise controlada’, finge mal a farsa de que ‘o pior já passou’. O dólar que retorna é o do velho motel especulativo atraído pelo real desvalorizado. E o capital produtivo? O investimento em infra-estrutura? E os cortes na área social? Qual crise está sob controle, enfim? O tal fenômeno do dólar-bode fatalmente ocorreria – quando o bode fedorento sai da sala pequena todos começam a achar a sala magnífica. O bode foi o dólar chegar a R$ 2 para a festa do patamar em R$ 1,70.

Mas a desvalorização serviu como impulso para aumentos qualificados para quem está abaixo da linha de cobertura do Brasil fantástico show da vida: os excluídos. Estes não comem em dólar, mas sofrem os repasses dos aumentos da gasolina e da energia. Portanto, passam fome em dólar.

Quanto ao deselegante destempero verbal do senador, percebe-se algo mais além da mera retórica agressiva. Reincidiu uma atitude muito comum da velha intimidação. A polidez com que foi respondido e a publicação dos fax em primeira página aplicaram a máxima da vítima cidadã: não cale, não se esconda, não tema, denuncie! A força tem seu dia de farsa. Demonstrar que estamos sofrendo pressões ilícitas é uma forma de restaurar nossa dignidade. Isso precisa contagiar o país para anularmos as farsas.

O movimento estudantil dos anos 60 exclamava ‘quero cometer meus próprios erros’. Isso não significa repetir, estupidamente, caminhos furados, mas ter autonomia de busca e estar em construção consciente para a maturidade.

A farsa soa farsa para quem assim a percebe. Quem acredita muito nela torna-a até real, para si e seu grupo. Mas quem não está na festa desconfia. Cabe à imprensa, ora alvo, ora artilharia, continuar alerta, atenta, sem calar, sem esconder. Até que as farsas caiam por si ou provem o contrário.”

(*) “Farsa você mesmo”, copyright Correio Braziliense, 10/4/99

Correio Braziliense (*)

“Por duas vezes, neste mesmo espaço, o Correio manifestou-se contra a instalação pelo Senado de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar possíveis irregularidades cometidas por membros do Poder Judiciário. Não somos contra a apuração de desmandos no âmbito de qualquer um dos Poderes da República. Muito menos contra a punição dos seus autores. Pelo contrário. Basta verificar quantos possíveis atos irregulares, de qualquer natureza, temos denunciado em sucessivas edições. E continuaremos a denunciar.

O Correio é contra a CPI que o Senado achou por bem criar porque não a considera, como instrumento técnico e político que é, o melhor meio para que se promova a urgente, necessária e inadiável reforma do Poder Judiciário. Os brasileiros querem uma Justiça ágil, eficiente, acessível que não faça discriminação entre pobres e ricos. A construção desse ideal de Justiça é tarefa que deve mobilizar todos quantos sonhem com um país mais justo e igualitário.

A história das CPIs mostra que elas, raramente, produzem as conseqüências perseguidas e desejadas no momento em que foram instaladas. Quase todas acabaram se desviando dos propósitos iniciais. E, mais grave ainda: quase todas se frustraram e frustraram as expectativas dos que acreditaram nelas. CPI tem significado, antes de tudo, barulho inconseqüente e ocasião para o falso brilho de políticos histriônicos. Nada mais, infelizmente.

De resto, no caso da presente CPI do Judiciário, são inúmeros os ilustres juristas deste país que a consideram, simplesmente, inconstitucional. Um Poder, o Legislativo, estaria exorbitando de suas prerrogativas ao tentar imiscuir-se em questões internas de outro Poder. Monta-se uma CPI para investigar fatos específicos. Temos fundadas razões para temer que a CPI do Judiciário tente ir além dos fatos que a originaram, incorrendo no risco de provocar um choque entre Poderes, extremamente nocivo para a consolidação da democracia entre nós.

Pode-se discordar da posição assumida pelo Correio – e em nossas páginas temos publicado e continuaremos publicando opiniões diametralmente opostas à nossa. O que não se pode, o que não deve fazer uma pessoa minimamente civilizada, ainda mais quando investida de responsabilidade pública, é manifestar sua discordância em termos ofensivos, grosseiros e ameaçadores, como acaba de fazer o sr. Antonio Carlos Magalhães, presidente do Senado e pai da idéia da CPI do Judiciário, em mensagem dirigida ao presidente do Correio e dos Diários Associados.

A mensagem trai a formação autoritária de quem sempre se comportou, no seu Estado ou fora dele, como um pequeno ou grande ditador ao longo de toda sua trajetória política. E que nunca renunciou à intimidação e a ameaças como meios de vencer resistências a seus atos. Ela, a mensagem, não é só desrespeitosa com quem a recebeu: arranha profundamente a imagem do cargo ora ocupado pelo sr. Antonio Carlos Magalhães; põe em dúvida a sensatez e o equilíbrio de quem preside o Senado neste momento; e agride a sensibilidade de quantos dela tomarem conhecimento.

O sr. Antonio Carlos Magalhães sentiu-se particularmente atingido por este jornal quando publicamos, na edição de ontem, a relação de onze parentes dele empregados em diversos órgãos públicos da Bahia. Bem como as explicações que ele ofereceu para a nomeação de cada um. Reagiu ao estilo dos velhos coronéis da política que um Brasil democrático e em avançado estágio de modernização imaginava sepultado. E, ao reagir nos termos em que o fez, cometeu outra grave leviandade: sugeriu que este jornal é contra a CPI do Judiciário porque teria recebido uma indenização milionária. Mentira!

Há dois anos e meio, os Diários Associados, grupo a que pertence o Correio, foi indenizado pela União por ter perdido, em 1980, o canal de televisão da empresa Rádio Clube de Pernambuco S/A. O ato do então presidente João Figueiredo foi considerado claramente ilegal pela Justiça. A ação tramitou ao longo de 12 anos e foi vencida pelos Diários Associados em todas as instâncias do Poder Judiciário.

A grave leviandade cometida pelo sr. Antonio Carlos Magalhães é afronta à Justiça, a este jornal e aos seus milhares de leitores. E revela, para preocupação de instituições e pessoas responsáveis deste país, o verdadeiro estado de espírito com que esse senhor pretende investigar atos do Poder Judiciário. Façamos votos para que os demais protagonistas da cena política nacional, especialmente aqueles escalados para integrar a CPI, se comportem com a moderação e a sensatez que faltaram ao presidente do Senado no presente episódio.”

(*) “Vocação autoritária”, editorial, copyright Correio Braziliense, 10/4/99

 

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