Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Paul Krugman

A DIREITA NA BERLINDA

"Máquina de fazer fumaça", copyright O Estado de S.Paulo/The New York Times, 30/3/02

"De certo modo, é uma vergonha que boa parte do livro Cegos pela Direita: a Consciência de um Ex-Conservador, do jornalista David Brock, se refira à vida privada de nossos autodenominados guardiães da moral. Essas passagens ajudarão a vender o livro, mas poderão obscurecer a importante mensagem de que a ?ampla conspiração direitista? não é uma metáfora exaltada, mas uma singela realidade, e que ela funciona muito bem como um lobby de interesses especiais.

A política econômica moderna ensina-nos que os grupos pequenos e bem organizados geralmente predominam sobre o interesse público mais amplo. A indústria siderúrgica conseguiu a imposição de tarifas que queria, embora os prejuízos para os consumidores devam exceder em muito os ganhos dos produtores, porque o consumidor típico de aço não entende o que está acontecendo.

Cegos pela Direita demonstra que a mesma lógica se aplica aos temas não ligados à economia. A máquina de escândalos a que Brock se refere era, com efeito, um grupo de interesses especiais financiado por um punhado de fanáticos ricos ? homens como o reverendo Sun Myung Moon, cuja Igreja da Unificação é proprietária do Washington Times, e Richard Mellon Scaife, empresário republicano que financiou o criador de escândalos American Spectator e muitos outros empreendimentos da direita. Essa máquina deu certo porque o típico consumidor de notícias não percebeu o que estava acontecendo.

Os esforços desse grupo conseguiram transformar o caso Whitewater ? um investimento que deu um prejuízo de US$ 200 mil ? num sinônimo de escândalo, embora uma investigação de oito anos, que custou US$ 73 mil ao governo, jamais tenha provado uma conduta errônea por parte do casal Clinton. Imagine o que a máquina de escândalos poderia ter feito com matérias-primas mais promissoras, como as transações comerciais decididamente incomuns do jovem George W. Bush.

Mas não há, sem dúvida, uma máquina de escândalos comparável na esquerda. Por que não?

Uma resposta é que, por algum motivo, há um nível de raiva e ódio na direita que tem, na melhor das hipóteses, um pálido paralelo na esquerda contrária à globalização e absolutamente nenhum paralelo no liberalismo majoritário. De fato, os liberais que eu conheço geralmente não parecem dispostos a enfrentar a sujeira da política contemporânea.

Também é verdade que, pela ordem natural das coisas, os bilionários provavelmente tenderão mais para a direita do que para a esquerda. Quando os bilionários acabam apoiando causas mais ou menos liberais, eles normalmente tentarão ajudar o mundo, e não ajudar o sistema político americano. Só para não ir muito longe: enquanto George Soros gastava muito dinheiro para promover a democracia em outros países, Scaife gastava muito dinheiro para abalar a democracia aqui dentro.

E suas conquistas são impressionantes: figuras-chave do império de Scaife são autoridades de alto nível no governo Bush (e o jornal de Moon é, na prática, o órgão oficial desta administração). É claro que a fábrica de escândalos funciona. O público e, de um modo menos desculpável, a mídia chegam à conclusão, muito rapidamente, de que onde há fumaça deve haver fogo ? quando, na verdade, se trata apenas de um grupo de ricos raivosos que compraram uma máquina de fazer fumaça.

E ainda é muito fácil tapear a mídia. Observe o modo como a imprensa trata a fraudulenta história de vandalismo por parte de membros da equipe de Clinton que deixavam o governo, ou a mais recente história mentirosa de que Ken Lay (ex-presidente da Enron) visitava Clinton na Casa Branca.

Os leitores habituais desta coluna sabem que, há não muito tempo, fui alvo de uma pequena campanha difamatória. O padrão era o habitual: fontes da direita insistiam em que uma transação comercial normal (no meu caso, a prestação de consultoria para a Enron, quando eu apenas lecionava e não era colunista deste jornal, sem condições, portanto, de prestar algum tipo de favor àquela empresa) era, de alguma forma, corrupta. Quando a mídia tratou do assunto, ela concluiu que graças a toda a confusão, aquelas alegações poderiam ter um fundo de verdade. E, sem dúvida, permaneceu a impressão de que, embora nenhum tipo de favor tivesse sido prestado ou recebido, o alvo da campanha deveria ter feito algo de errado (?Não é uma hipocrisia criticar o capitalismo voltado para favorecer os amigos, quando ele próprio estava no rolo??). Agora que li o livro de Brock, entendo o que aconteceu.

Tim Noah, da revista eletrônica Slate, com quem normalmente concordo, diz que Brock nos conta uma novidade: ?Nós sabemos que uma tenebrosa extrema direita bem financiada tinha a obsessão de difamar Bill Clinton.?

Mas ?nós? quem? A maioria das pessoas não sabe disso e, de qualquer modo, ele não deveria ter usado o verbo no passado. Uma tenebrosa extrema direita bem financiada ainda tenta atingir qualquer um que discorde de seus princípios e muitos jornalistas ainda se permitem ser usados.

Considerei Cegos pela Direita um livro desagradável, mas revelador. Suponho que muitas outras pessoas terão a mesma impressão."

 

EUA vs. BUSH

"Livro que arrasa Bush é o campeão de vendas no país", copyright Estado de S.Paulo / The Guardian, 28/3/02

"LOS ANGELES ? O livro acusa o presidente Bush de ser o ?ladrão-mor, um invasor de território federal, um posseiro no Salão Oval? e exige que os marines sejam chamados para despejá-lo. Alega que os EUA são um país ?que faz todo o possível para permanecer ignorante e estúpido?. E esta semana tornou-se o livro mais vendido no país.

Nenhum presidente já desfrutou índices de aprovação tão consistentemente altos como George W. Bush, o que torna ainda mais notável o fato de Stupid White Men, de autoria do documentarista, jornalista e ativista político Michael Moore esteja gozando de tanto sucesso.

Publicado no início deste mês, esta semana atingiu um número 1 na lista dos mais vendidos de New York Times, Los Angeles Times e da Amazon. Está sendo reimpresso pela nona vez.

Em 1989, Moore fez um premiado documentário, Roger and Me, sobre sua caça ao então presidente da General Motors para questioná-lo sobre a decisão de fechar uma fábrica que deixou milhares de pessoas desempregadas. Criou uma série de televisão premiada com o Emmy, a TV Nation, e, na eleição à presidência de 2000, fez campanha para Ralph Nader.

Mas com Stupid White Man é a primeira vez que ele tem um efeito tão óbvio sobre o debate público. O livro é um vigoroso libelo sobre a situação do país tendo o presidente como o alvo número 1. Moore convoca a ONU para derrubar a ?junta da família Bush? e descreve o presidente como o ?Idiota-Mor?.

Ele diz aos seus leitores: ?Os caras maus são apenas um bando de tolos e estúpidos homens brancos. E há uma quantidade muito maior de nós do que existe deles.?

Moore está eufórico com o sucesso do livro. ?As pessoas deram um basta ao silêncio dos últimos seis meses?, escreveu ele em um e-mail para seus partidários. ?Elas se ressentem por terem sentido que, se resolvessem perguntar o que o governo está tramando ou, Deus nos livre, discordassem, seriam de certa forma consideradas não-patriotas.?

Margie Ghiz, proprietária da livraria Midnight Special, em Santa Monica, onde o livro vem vendendo bastante, disse na terça-feira: ?É um alívio para muita gente que esse tipo de coisas seja dito.?"