Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Paulo Moreira Leite

GLOBO EM CRISE

"Conversa de botequim", copyright Época, 25/03/02

"É possível que nosso leitor tenha ouvido insinuações e comentários em tom suspeito envolvendo uma operação de capitalização da Globo Cabo, empresa controlada pelas Organizações Globo, que publicam ÉPOCA.

O sentido desse falatório é produzir uma calúnia: interessadas em levantar recursos para uma subsidiária, as Organizações Globo teriam promovido uma trapaça. Em troca de recursos do governo, o Jornal Nacional e a revista ÉPOCA teriam publicado reportagens para ajudar a campanha do candidato oficial, José Serra.

Não é difícil demonstrar o absurdo dessa conversa de botequim. Subsidiária destinada à operação de TVs por assinatura, onde possui 64% do mercado brasileiro, a Globo Cabo paga o preço da crise mundial do segmento eletrônico, sofre com a desvalorização do real e enfrenta a inadimplência de boa parte de seus clientes. Nessa circunstância, os acionistas resolveram agir como seria natural, reforçando o capital da empresa, para permitir que, com novos recursos, fosse possível reduzir uma pesada dívida em dólares e demais custos financeiros, para que a Globo Cabo possa gerar lucros. Fez-se, então, uma operação de R$ 1 bilhão, na qual as Organizações Globo, titulares de 44,2% da empresa, entraram com 54% dos recursos.

A operação financeira possui ângulos técnicos e um grau razoável de complexidade, mas é tão consistente que chega a ser elogiada por concorrentes que permanecem no mercado. O ponto no centro das conversas diz respeito à participação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES, nesse investimento. Dono de 4,8% da Globo Cabo, o BNDES teve uma participação nominal de R$ 284 milhões na operação. A maior parte desses recursos é proveniente da transformação de debêntures em ações. Em dinheiro vivo, o desembolso do banco é de R$ 39 milhões. Quando se considera que a Globo Cabo vai antecipar o pagamento de uma dívida anterior de R$ 57 milhões, verifica-se que o BNDES não fará desembolso de dinheiro vivo.

É impossível justificar, mas é possível compreender a facilidade com que se divulgaram calúnias e rumores sobre essa operação. Como diz um editorial publicado pelo jornal O Globo na semana passada, esse comportamento ?deixa transparecer a contaminação de redações pelos interesses em jogo na concorrência entre as empresas de comunicação?. É essa intoxicação que fere os princípios elementares do bom jornalismo, que explica a postura vergonhosa de quem lança fantasias sem um fiapo de prova, sem o cuidado de dar um simples telefonema para conferir invencionices – a única preocupação real é cumprir pautas pré-fabricadas e agradar à chefia, transformando o jornalismo em disfarce para interesses comerciais.

Como recorda o mesmo editorial, as publicações que hoje acusam as Organizações Globo de apoiar a candidatura Serra há pouco denunciaram merchandising da governadora Roseana Sarney quando a novela O Clone exibiu cenas nas dunas do Maranhão – foram capazes de passar de uma suposta candidatura para outra sem desculpas nem autocrítica. Comentaristas que falam da operação do BNDES sem saber usar uma calculadora de criança antes lançavam a suspeita de que reportagens sobre irregularidades no braço maranhense da Sudam tinham sua origem em dossiês clandestinos que seguem tão secretos, pesados e invisíveis como no primeiro dia em que se falou deles.

Essa forma de concorrência é vergonhosa e inútil, pois o leitor sabe onde encontrar a mercadoria que lhe interessa. A calúnia apenas serve de cortina de fumaça para esconder irregularidades e fatos gravíssimos, comprovados sempre que se consegue avançar nas investigações. O jornalismo é um instrumento para acompanhar as eleições, debater idéias e aprimorar a democracia.

É melhor, para o país, que a disputa entre meios de comunicação permaneça no jornalismo."

 

"Rede Globo põe à venda parte de emissoras", copyright Folha de S. Paulo, 23/03/02

"Para capitalizar a Globo Cabo, que atravessa grave crise financeira, a família Marinho decidiu se desfazer de parte do capital de suas emissoras que integram a Rede Globo de Televisão. A busca de sócios, de acordo com executivos do grupo, está sendo feita em um circuito restrito de empresários que já têm negócios com a família.

Os Marinho têm participação acionária em 32 emissoras de televisão no país. Segundo a Folha apurou, apenas as cinco emissoras que compõem o núcleo central da rede -as de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília e Recife (PE), que formam a TV Globo Ltda.- estão fora do processo.

A decisão está na contramão da estratégia expansionista empreendida pela Rede Globo nos últimos anos e é fruto da necessidade de fazer caixa na holding Globopar (Globo Participações), para que essa capitalize a Globo Cabo.

A empresa carrega uma dívida superior a R$ 1,5 bilhão e receberá uma injeção de capital de R$ 1 bilhão de parte dos atuais acionistas. Entre ele está o estatal BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que pode colocar até R$ 284 milhões.

De acordo com executivos do grupo, a estratégia da família Marinho é manter uma participação minoritária nas 27 emissoras de televisão que não compõem o núcleo principal da Rede Globo. As participações atuais variam de 50% a 100%.

A família tem 11 emissoras de TV no Estado de São Paulo, oito no Paraná, sete em Minas Gerais, quatro no Rio de Janeiro, uma em Brasília e outra em Recife. Em princípio, serão negociadas as emissoras consideradas internamente como mais estruturadas em seus mercados.

É o caso de três emissoras do interior do Estado de São Paulo -as de São José do Rio Preto, Bauru e São José dos Campos-, conforme informou ontem o ?Jornal do Brasil?.

Sem políticos

Um dos critérios para a seleção dos sócios é que não sejam políticos. A organização considera que já há grande presença deles entre seus afiliados.

Levantamento recente publicado pela Folha mostrou que a Rede Globo tem 21 afiliadas ligadas a políticos. Entre eles estão dois ex-presidentes da República (Fernando Collor e José Sarney) e três governadores: Roseana Sarney (PFL-MA), Garibaldi Alves (PMDB-RN) e Albano Franco (PSDB-SE).

Emenda

A redução da participação societária em alguns afiliadas vem sendo cogitada pela Globo há alguns meses, mas só ganhou corpo nas últimas semanas.

De acordo com executivos do grupo, a Globo estaria apenas se antecipando no processo de reestruturação do setor que deve ocorrer com a aprovação da emenda constitucional 222, que está em fase final de votação no Congresso.

A emenda constitucional permitirá a participação imediata de pessoas jurídicas de capital nacional no quadro societário de empresas de comunicação. A participação de empresas estrangeiras terá de ser regulamentada por lei complementar.

De acordo com a legislação em vigor, apenas pessoas físicas, brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos podem ser acionistas de emissoras de televisão no país.

A Globo conta que essa restrição cairá por terra dentro de dois meses, com a aprovação final da emenda no Senado.

Concorrentes

Ainda de acordo com executivos do grupo, os compradores potenciais que estão sendo sondados são concessionários de radiodifusão e parceiros da família Marinho em outras emissoras. A possibilidade de venda para grupos concorrentes (SBT, Record e Bandeirantes) é dada como inadmissível."

 

"Editora Globo: novos rumos e algumas incertezas", copyright Comunique-se, 20/03/02

"A surpreendente decisão da cúpula das Organizações Globo de afastar o gaúcho Marcos Dvoskin da Direção Geral de sua editora de revistas fez surgir de imediato no mercado uma onda de boataria sobre o fechamento de vários títulos da empresa. Fato esse que motivou a empresa a emitir uma nota oficial garantindo que não mexerá por enquanto em seu portfolio de produtos. O alvo, segundo os comentários, seriam títulos como Galileu, Pequenas Empresas Grandes Negócios, Crescer, Autoesporte e Casa & Jardim.

Ao mudar o comando de uma empresa seria insano chegar descontinuando produtos sem ao menos avaliá-los de forma criteriosa, dando-lhes a oportunidade de consolidar-se como negócio. Não fosse por outra razão, ao menos para tentar reaver o investimento já realizado, que não foi, diga-se de passagem, pequeno. É isso o que provavelmente vai acontecer na empresa, agora sob gestão direta de Juan Ocerin, executivo ligado ao alto comando da Globo e que foi o responsável pela transição e gestão da Globo no Diário de S. Paulo, de onde já se desligou.

Alguns fatos chamaram muito a atenção na decisão da Globo. O primeiro deles foi a dispensa lacônica de Dvoskin do comando da empresa, após três anos de gestão, num almoço. O segundo foi a troca de cinco por um, já que com Dvoskin saíram os diretores Hélio Tuchler (Mercado de Leitores), Carlos Alberto Loureiro (Administrativo-Financeiro) e Eduardo Gusso (Estratégia e Desenvolvimento) mais o coordenador editorial Luiz Zini, nenhum deles substituído. O terceiro foi a medida ter sido desencadeada pouco tempo após a chegada da Henri Reichstul para a presidência da Globopar, com a missão de sanear econômica e financeiramente as empresas do Grupo.

Embora a situação esteja relativamente sob controle – houve, por enquanto, mudanças apenas na Quem (leia mais abaixo) -, há na empresa muita expectativa sobre possíveis mudanças, já que ninguém muda dessa forma à-toa, quando tudo vai bem numa organização. Se houve a troca de comando e de forma tão brusca é porque a empresa planeja promover significativa reestruturação no negócio.

Dos executivos da área editorial, da empresa, ganharam força Ricardo Gandour e Laura Capriglione, que dividirão entre si a responsabilidade pelo comando de quase todas as publicações, exceção à Pequenas Empresas Grandes Negócios, que continua com Amauri Melo, e Época, menina dos olhos da Globo e que por sua importância tem uma direção autônoma e independente reportando-se diretamente à Infoglobo – foi uma das condições negociadas entre o atual diretor de Redação, Paulo Moreira Leite, e o diretor geral da Infoglobo, Merval Pereira, quando de sua contratação.

Em decorrência dessa revolução na empresa, começaram as primeiras mexidas editoriais. Deixaram a Editora Domingos Fraga e Jorge Félix, respectivamente diretor de redação e redator-chefe da Quem, ainda sem substitutos anunciados, o que deve acontecer nas próximas horas. São duas baixas significativas não só pelo histórico e pelo perfil profissional de ambos, mas pelo próprio envolvimento que tinham com o projeto que ajudaram a conceber e formatar. E a saída de ambos foi meio que inevitável pois, como relataram, não eram amistosas as relações com o novo comando, razão pela qual optaram por uma saída negociada, liberando a empresa para promover com maior liberdade e agilidade as mudanças desejadas. Enquanto não anuncia o nome dos sucessores, Laura Capriglione cuidará pessoalmente do fechamento com a editora executiva Cláudia Boechat. Laura diz que já tem pelo menos um dos nomes definidos, mas ainda não pode anunciá-lo, pois restam ainda alguns detalhes a serem definidos.

Quanto a Fraga e Félix, ambos têm propostas já em estudo e o retorno ao mercado, salvo imprevistos, é questão de dias. Fraga cogita inclusive a abertura de uma empresa para atuar na área de marketing e assessoria artística, o que lhe proporcionaria a independência profissional, mas os convites da área impressa e da tevê o estão balançando. Félix, por seu lado, aproveita esses dias de folga para dar uma atenção toda especial à viabilização do monólogo Uma mulher de Vestido Preto, de sua autoria, a ser encenado ainda este ano por Silvia Bandeira, com direção de Ary Coslov.

Quanto às demais mudanças na Editora Globo, é esperar para ver quais decisões serão tomadas com vistas a colocar a empresa no azul. Que virão, isso ninguém duvida."