Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Pelos direitos humanos do povo timorense

Sílvio Luiz Sant?Anna (*)

 

“A causa do Timor não pertence às esquerdas, aos liberais ou aos católicos, pertence aos que tem coração”. A. Dines – Folha, 20/09/97.

Nesse momento a estratégia do Movimento pró Timor vem assumindo como palavra de ordem Liberdade para Xanana Gusmão. Neste sentido, em São Paulo assumimos uma dupla tarefa: realização de ato pela libertação do poeta Xanana Gusmão e em repúdio aos vinte e três anos da violação dos direitos humanos do povo timorense (já confirmado para 07/12/98 na Câmara Municipal) e concessão de título de cidadão paulistano a Xanana (para o qual precisaremos da assinatura de 2/3 dos vereadores).

O texto que segue, foi apresentado à Comissão dos Direitos Humanos da Câmara Municipal em 08/9/98, na pessoa de seu presidente, o vereador Ítalo Cardoso.

Com a criação da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – Timor Leste poderia ser o oitavo país lusófono a compor esta entidade e o único no continente asiático a representar os interesses dos povos de língua portuguesa.

A possibilidade de Timor Leste ser um país soberano no entanto, fora abortada pela invasão da parte oriental da ilha de Timor (1), por tropas do exército do regime autoritário indonésio, em 7 de dezembro de 1975 e de sua ilícita anexação em 17 de julho de 1976. A esse respeito, a ONU mantém a posição de que Portugal é legalmente a potência administrante da região e propõe um referendo, para que os próprios timorenses possam decidir se no futuro desejam continuar anexados à Indonésia, com certa autonomia administrativa; voltar a uma administração efetiva de Portugal; ou ser uma nação soberana, como indicam as evidências.

O saldo desses quase vinte e três anos de invasão e anexação do território não poderia ter sido pior! O genocídio dos timorenses, em termos proporcionais, pasmem, foi maior que o cometido contra o povo judeu, pois atingiu 44% da população (2). A violência com que os órgãos de repressão do regime Suharto vem atuando nesse tempo todo ? em particular no episódio conhecido como Massacre de Santa Cruz (3) em 1991- contra a população civil, não ficou devendo nada para os regimes congêneres implantados na América Latina no período da Guerra Fria.

Apesar disso, os meio de comunicação, salvo no episódio de Santa Cruz, isolaram o drama timorense do resto do mundo, pois as principais superpotências ocidentais e as locais eram as patrocinadoras do regime Suharto. Numa guerra prolongada e desigual, o povo timorense jamais se rendeu, resistiu heroicamente sem abrir mão do direito de ser sujeito de sua própria História.

O reconhecimento internacional da resistência só chegou em 1996, quando o Prêmio Nobel da Paz foi dividido entre dois timorenses: o bispo católico D. Carlos Ximenes Belo e o diplomata Dr. José Ramos-Horta. Fato inusitado na tradição de Oslo, que quando concede esta láurea para mais de uma pessoa, costuma contemplar os dois lados em litígio.

A recente crise asiática atingiu principalmente a economia da Indonésia. O ditador Suharto, sob forte pressão social interna e já sem respaldo internacional à sua política, teve que renunciar à presidência, transferindo-a para o seu vice Habibie, que deverá fazer uma política de distensão, que viabilize a abertura democrática no país. Neste contexto, Kofi Annan, Secretário-Geral da ONU, tomou a iniciativa de patrocinar negociações entre Portugal e Indonésia, com a possibilidade da participação de timorenses, para discutir o futuro de Timor Leste.

A administração Habibie precisa dar demonstrações de que de fato está aberta ao diálogo, dando seqüência à retirada de seus efetivos militares da ilha, e conceder uma anistia ampla aos presos políticos, principalmente a Xanana Gusmão, o líder máximo da resistência timorense.

Liberdade para Xanana Gusmão

O poeta timorense José Alexandre Gusmão, cujo o nome em sua língua natal, o tetum, é Kay Rala Xanana Gusmão, encontra-se sob cárcere privado em Cipinang (Indonésia), desde 20 de novembro de 1992. Após um julgamento (4) que foi considerado por observadores internacionais uma farsa, foi condenado à prisão perpétua, pena comutada pelo ditador Suharto a vinte anos de prisão (5).

Seu “crime” foi pegar em armas, constituir frentes armadas para resistir à maior máquina beligerante do sudeste asiático, tendo em vista a defesa de seu povo e a soberania de sua pátria. Por esse mesmo “crime”, Tiradentes foi condenado à morte, Mandela perdeu toda sua juventude na prisão e tantos outros heróis de nossa História pereceram sob o jugo de regimes discricionários como o indonésio, que arranca as lideranças do convívio de seu povo, mas não de suas memórias.

O poeta Xanana Gusmão nasceu a 20 de junho de 1946, em Manatuto, passou toda a infância no campo, com sua família. Após ter concluído os estudos primários, foi para Dili, capital de Timor Leste, onde estudou no Liceu e trabalhou com horários alternados, no Hospital de Dili como escriturário, e como professor na escola chinesa. O gosto pela educação e pelos livros, que comprava com dificuldade, vinha do berço pois seu pai era professor em sua comunidade.

Os jovens de sua geração, devido à falta de oportunidades, já que os melhores empregos se encontravam na área do serviço público ? geralmente ocupados por filhos de portugueses – desenvolveram um sentimento anticolonialista, reforçado pelas notícias que vinham através de poucos estudantes – que tiveram a chance de estudar em Portugal – sobre os movimentos de libertação na África portuguesa, tal como vinha ocorrendo na própria Ásia. Em abril de 1974, quando ocorreu a Revolução dos Cravos em Portugal, Xanana aderiu à Fretilin – Frente Revolucionária de Timor Leste Independente. Nessa mesma época, fazia parte do jornal Voz de Timor. A direção da Fretilin, após a invasão indonésia, foi dizimada; coube a Xanana, como um dos sobreviventes, organizar a resistência.

Durante a primeira Conferência Nacional da Fretilin – em março de 1981 – foi eleito como líder da resistência e Comandante das Falintil – Forças Armadas para a Libertação de Timor Leste – em substituição a Nicolau Lobato, tido como o Pai do Nacionalismo timorense, que tombou em batalha em dezembro de 1978.

Com a direção de Xanana, a Fretilin iniciou as primeiras conversações com as forças ocupantes em 1983. Implementou uma iniciativa conhecida como Política de Unidade Nacional abrindo diálogo com a Igreja Católica ? a instituição mais influente de Timor; criou uma rede clandestina em regiões urbanas que integrou a resistência armada ao seu povo. Para isso, as próprias Falintil deixaram de ser o braço armado de um único partido, para serem as forças armadas de defesa nacional, como existe em qualquer país.

Tais medidas políticas resultaram na criação do CNRM – Conselho Nacional da Resistência Maubere; recentemente reformulado e ampliado com a adesão de outros grupos políticos que até então estavam isolados, passou a ser chamado Conselho Nacional da Resistência Timorense. Embora preso, Xanana é reconhecido por unanimidade como o líder máximo do Conselho, o que equivale, apesar das circunstâncias, ao status de chefe de Estado.

Paradoxalmente, o cárcere não tem representado para Xanana Gusmão o ostracismo que desejava o regime Suharto. A resistência armada não se rendeu. Timor era tido como o “conflito esquecido”; após o Prêmio Nobel da Paz, a bandeira da autodeterminação do povo timorense passou a ser assumida pela opinião pública internacional. No ano passado, o presidente da África do Sul, Nelson Mandela, em visita a Jacarta, fez questão de conhecer Xanana pessoalmente. O todo poderoso ditador Suharto, que acreditava que seu poder seria vitalício, viu seu castelo desmoronar sobre sua cabeça com a crise asiática. Embora ainda tenha influências nos bastidores da administração Habibie, sua carreira política está em franca decadência. Xanana Gusmão, ao contrário, enquanto espera não apenas a sua liberdade, que está umbilicalmente ligada ao processo de autodeterminação de Timor Leste, tem se preparado para as nobres tarefas que o aguardam, de forma criativa: já pintou vários quadros que foram vendidos para geração de recursos à resistência, escreve ensaios e poesia – em 1975, ganhou o Prêmio de Poesia de Timor- estuda Direito, inglês e o bahasa indonésio.

Dentro desta nova conjuntura favorável a uma resolução pacífica à questão de Timor Leste, é imperativo que todos os que são solidários a esta luta compreendam que até o governo indonésio se apresentará como preocupado em resolver a questão. Portanto, a palavra de ordem dos sinceros defensores da causa, deverá ser: liberdade para Xanana Gusmão.

A libertação do poeta transformou-se num trunfo muito precioso, de que o governo indonésio dispõe, para negociar o futuro de Timor Leste. Desconsiderar isso será fortalecer a tese de uma autonomia especial para Timor, integrado à grande Indonésia. Como esta tese atende tanto aos interesses econômicos da Indonésia, como daqueles países que foram coniventes com o regime Suharto – interessados nas reservas petrolíferas de Timor – este seria um bom momento para a administração Habibie se legitimar perante os organismos internacionais. Se o movimento internacional que apóia a luta dos timorenses conseguir criar na opinião pública até dezembro esta consciência dos fatos, Xanana poderá ser libertado incondicionalmente e será o representante com maior legitimidade para negociar o futuro de sua pátria de acordo com os legítimos interesses de seu povo.

Pelos Direitos Humanos do Povo Timorense no 50? Aniversário da declaração dos Direitos Humanos.

(*) Membro da Comissão do CEAP, colaborador do Grupo Clamor por Timor e organizador do livro: Timor Leste – Este País quer ser Livre. São Paulo. Martin Claret. 1997.

 

1. Portugal foi a primeira potência européia a chegar no extremo Oriente levado pela ondas do expansionismo marítimo comercial ocorrido no final do século XV. Estabeleceu vários pontos de intercâmbio comercial e algumas possessões territoriais. Naquela região, a língua portuguesa ainda é falada em Macau (na China, que até 1999 permanece sob administração portuguesa), em Malaca (na Malásia), em Goa (na Índia), que, com o processo de libertação, passou para a administração indiana, mas que durante muito tempo foi o epicentro comercial de Portugal com o Oriente e em Timor Leste. A ilha de Timor, onde os portugueses chegaram em 1515 é objeto de disputa desde a chegada dos Holandeses na região no final do século XVI, que vinham atrás do sândalo, madeira muito valorizada na Europa. A Holanda acabou dominando política e comercialmente toda aquela região do Sudeste Asiático, menos a ilha de Timor, que só foi oficialmente dividida em 1913, ficando a porção oeste para os holandeses e a porção leste para os portugueses. Em 1949, após o reconhecimento da independência da Indonésia pelos holandeses, a porção oeste, passou automaticamente para a Indonésia, enquanto que Timor Leste permanece até hoje, conforme as convenções internacionais como território português, apesar de invadido em 1975 e anexado em 1976 pela Indonésia.

2. Anexo A: gráfico comparativo com dados de diversos países, onde são demonstradas as perdas humanas em conseqüência de guerras (esse gráfico é parte integrante de: “Timor Leste, um povo esmagado pela mentira e pelo silêncio”, um estudo elaborado pelo Prof. António Barbedo de Magalhães, coordenador das Jornadas de Timor da Universidade do Porto, em Portugal).

3. Massacre de Santa Cruz (Anexo B): texto de Matthew Jardine (in: Sant?Anna, Sílvio. Timor Leste – Este País quer ser Livre. pp. 17 – 20).

4. Anexo C: Depoimento de Defesa de Xanana Gusmão (in: Gusmão Xanana. Timor Leste – Um Povo Uma Pátria. pp. 297 – 312).

5. Anexo D: Carta a Suharto ( ibidem nota 4: pp. 323 – 325).

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