Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Pequenos jornais de grande importância

INTERESSE P?BLICO

IMPRENSA REGIONAL

Deonísio da Silva (*)

Neste julho de 2001 comemoramos 177 anos da imigração alemã para o Brasil meridional. Desde o começo os alemães formavam suas pequenas comunidades à sombra da fé ? no caso deles, a fé cristã, com predomínio da vertente luterana sobre a católica ? fundando três instituições essenciais à democracia, tal como a conhecemos no mundo moderno: a igreja, a escola e a imprensa. Com a primeira, pastores e padres lembravam a seus rebanhos a transcendência do ser humano. Com a segunda preparavam os fiéis para o convívio com o livro, dando lugar de relevo à Bíblia. E com a terceira faziam com que o rebanho fosse apenas metáfora, vez que a comunidade deveria ser de cidadãos, e a figura não existiria se os fiéis não fossem também habitantes da Galáxia Gutenberg.

Com isso, o professor, o jornalista e o padre ou o pastor passaram a cumprir importantes funções sociais, ao lado do delegado de polícia e de autoridades do Judiciário. Dias Gomes sabia disso e em todas as telenovelas fazia com que suas tramas percorressem essas instâncias.

Os pequenos jornais têm uma história para contar e parte essencial deste percurso ocorreu no Rio Grande do Sul, o estado mais alfabetizado do país. A imigração alemã, com presença marcante no Brasil, especialmente nos três estados do Sul, foi tema do um documentário feito pela TV Gaúcha na série Mundo Grande do Sul, com direção de Werner Schünemann, talentoso diretor daquela região.

Pequenos jornais deram contribuição decisiva à documentação de nossos avanços, hesitações e recuos em todas as áreas. Ainda hoje são fonte preciosa de pesquisa. Alguns, de vida efêmera, só podem ser consultados na Biblioteca do Congresso dos EUA, o que revela também certos descuidos atávicos que temos com a nossa memória.

E hoje?

Como estão hoje os nossos pequenos jornais? Diários, alguns; semanários, tri ou bissemanários, outros. E "devezemquandários" outros mais. Eles vão bem? À primeira vista, todos melhoraram. Ou a maioria. Os avanços tecnológicos chegaram. Suas redações estão ligadas ao mundo pela internet. Ostentam diagramações modernas, com fotos coloridas.

Mas, seus empresários que me dêem licença, que licença eu peço para discrepar do rumo geral. Não querendo cometer a irresponsabilidade de, num artigo sumário, dizer o que se passa, partilho com os leitores do Observatório da Imprensa uma constatação que tende à melancolia: os proprietários desses jornais investiram na modernização tecnológica e isso é louvável, mas raros deles fizeram o mesmo com os recursos humanos e são poucos os que oferecem condições de trabalho e salários compatíveis com a qualificação humana que deveria acompanhar, senão anteceder, a reforma gráfica.

É freqüente que faça falta a muitos desses pequenos jornais um bom diretor de redação, com independência total diante do poder local. Sim, queridos leitores, o poder local, de velhas e lamentáveis jornadas na República Velha, continua em muitos lugares do Brasil ? nos grotões aos quais tantos se referem os políticos ? metendo o nariz onde não foi chamado. Mas não apenas naqueles grotões. E os coronéis podem estar, por exemplo, não rodeados de jagunços, mas de assessores numa Prefeitura ou Câmara Municipal. O braço armado, que em tempos de paz era braço na lavoura ou na pecuária, agora pode agir com notas fiscais, computadores, canetas, decretos, leis etc.

Estudo de caso

Nos tormentosos anos pós-64, um pequeno jornal do interior do Rio Grande do Sul, o Informação, de Ijuí, dirigido em certa época pelo jornalista Jefferson Barros (já falecido, com passagem como editor do Jornal Nacional da Rede Globo), rompeu as mordaças da censura e publicou como matéria de capa as despesas mensais da casa do ministro do Trabalho numa época de arrocho salarial. A quantidade de carne, vassouras, quilos de outros alimentos e quesitos adicionais eram suficientes para manter uma fábrica inteira. Médios e grandes jornais citaram aquela e outras matérias, em estratagema que driblava a censura. Nas redações os editores podiam alegar diante dos censores que a matéria já tinha sido publicada e que estavam apenas repercutindo. Evidentemente, aos trancos e barrancos vinha o troco, e os censores também se aperfeiçoavam.

Hoje, médios e pequenos jornais estão merecendo revisões, principalmente porque eles continuam muito importantes, ao partilharem e darem o foco regional e local que os noticiosos nacionais e internacionais têm no varejo dos municípios, sem contar que são absolutamente indispensáveis na democratização de informações que só podem ser dadas ali porque são de interesse mais restrito, o que em nada diminui a necessidade e a importância de fazer circular a informação, o texto produzido nas cercanias.

Deixo como sugestão que os pequenos jornais venham ao Observatório da Imprensa contar o que se passa com eles no limiar do terceiro milênio. E lembro, para finalizar, que o maior evento literário do Brasil em termos de público, a Jornada de Literatura de Passo Fundo, teve suas oito edições nesses vinte anos documentada quase que exclusivamente por pequenos jornais, sobretudo do município que as sedia. Há verdadeiras pérolas, em O Nacional, da família de Tarso de Castro, aguardando o trabalho de garimpo dos pesquisadores.

(*) Escritor e professor da Universidade Federal de São Carlos, doutor em Letras pela USP. Escreve regularmente nas revistas Época e Caras, e em <www.eptv.com.br>. Seus livros mais recentes são o romance Os Guerreiros do Campo e De Onde Vêm as Palavras.

    
    
              

Mande-nos seu comentário