Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Pesos, medidas, fatos e versões

CASO SARNEY-MURAD

Chico Bruno (*)

As editorias de Política dos maiores veículos de comunicação brasileiros preferem as versões aos fatos. Agora mesmo, em mais uma suspeita de corrupção, envolvendo a governadora do Maranhão, Roseana Sarney, e seu marido, sócio e secretário de estado, isso fica cristalino aos olhos do leitor, do ouvinte e do telespectador.

Em 1999, o então senador Antônio Carlos Magalhães denunciou da tribuna do Senado que a Sudam era um covil de corruptos, que atuavam com a leniência do presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. Seu alvo não era a Sudam propriamente dita, seu objetivo era atingir o então senador Jader Barbalho, que ensaiava sucedê-lo na presidência do Senado.

Antônio Carlos, autor da celebre frase de que existem jornalistas que querem notícia, outros que querem cargos e finalmente os que querem dinheiro, entregou seu dossiê sobre a Sudam e Jader ? criado a partir de investigações que datavam de 1997, do Ministério Público do Tocantins ? aos jornalistas que querem notícias. Imediatamente Jader Barbalho viu seu patrimônio exposto nos principais jornais e revistas do país.

ACM passou a ser o pai das denúncias ? uma versão, pois o fato já existia. Essa versão foi construída na exposição do patrimônio de Jader ao país. Fazendas, residências, casas de veraneio e seus negócios na área de comunicações foram exibidos aos leitores e telespectadores de todo o Brasil e avaliados em torno de 30 milhões, nunca ficando claro se em reais ou dólares.

Faltou perguntar a Roseana

Pois o fato, que são as investigações do Ministério Público do Tocantins, agora com extensões em todos os estados do Norte do país, que serviu para que a autofagia culminasse nas renúncias de ACM e Jader, prossegue vitimando políticos da região. Os da hora atendem pelo nome Sarney. Abrindo um parêntese, ACM foi alertado pelo partido de que sua atitude alcançaria correligionários da Amazônia, mas não deu ouvidos, tal sua vontade de esmagar Jader. Fecha o parêntese.

Novamente o fato tem menos repercussão do que as versões. O fato é que, cumprindo mandado judicial, a Polícia Federal efetuou operação de busca e apreensão nos escritórios de uma empresa maranhense. Tudo como manda o figurino da lei. Acuados, os proprietários da Lunus criam a primeira versão: o vazamento da operação para a imprensa teria partido do Planalto, com intuito de prejudicar a pré-candidatura de Roseana Sarney. Vale lembrar que jornalistas têm suas fontes, que são preservadas, pelo famoso off, para que tenham direito a informações em primeira mão, caso de Andrei Meirelles, hoje em Época, acusada do privilégio. Criam a segunda versão: na condição de governadora, Roseana deveria ser informada da operação. Criam a terceira: um fax foi transmitido com pompa ao presidente informando sobre o êxito da operação. E vão por aí criando versões na tentativa de esconder a verdade dos fatos.

A imprensa brasileira, ávida por versões, deixa os fatos de lado. Cai na estratégia dos suspeitos e transforma o fato jurídico numa versão política. Dois pesos e uma medida. Quando do episódio Jader, a imprensa tratou de esmiuçar seu patrimônio. No episódio Roseana/Murad, apesar de alertada, a imprensa não se dispôs, pelo menos no primeiro momento, a mergulhar novamente no patrimônio dos Sarney (já objeto de matéria em Veja, comentada aqui), muito parecido com o do Jader, haja vista que os negócios da família são similares aos de Barbalho. Quem sabe indo além, com propriedades no exterior, como uma suposta casa de veraneio de Roseana em Punta del Leste, no Uruguai.

Preferiram os editores de Política, pelo menos na semana passada, com raras exceções, pautar as questões políticas do caso, que foram e continuam sendo muito bem-exploradas pelos envolvidos. Em momento algum a imprensa apertou Roseana para saber a origem da fortuna apreendida em espécie no escritório, a coincidência de os escritórios das empresas investigadas estarem num mesmo domicilio, a inadequação do expediente que Jorge Murad dá na Lunus, os motivos pelos quais se retirou da sociedade com a Agrima/Nova Holanda no ano da primeira eleição de Roseana, a devolução do que foi apreendido, para que não fosse esmiuçado pelos promotores públicos, e outras indagações que a questão requer.

Torcendo pela mudança

Felizmente, a revista Veja que está nas bancas começa a responder a essas indagações: deu prioridade ao fato, colocando as versões de lado.

O que se comprova, mais uma vez, neste triste e lamentável episódio é que a imprensa brasileira despreza o que escreveu em passado recente. Exemplo disso são as declarações dos pré-candidatos de oposição a FHC. Lula, que sempre se esmerou em ver tudo preto no branco, sai pela tangente. Garotinho se solidariza com Roseana e anuncia a existência de um dossiê que lhe teria sido ofertado por um político governista. Vale lembrar que Garotinho já tinha aventado essa hipótese, a partir de um dossiê de propriedade de Ricardo e Teresa Murad, irmão e cunhada de Jorge, seus correligionários no Maranhão. Até Pedro Simon tira uma casquinha ao afirmar: "Se Roseana estivesse na chapa como vice do Serra isso não teria acontecido." Ora a imprensa sabe muito bem o que aconteceu com Guilherme Palmeira, o primeiro candidato a vice de FHC, em 1994, substituído, por suspeitas de conduta, por Marco Maciel. Mas a imprensa, que tem a obrigação de servir como memória do leitor, ignora tudo isso.

O mais grave: a imprensa não questiona ACM, que aplaudiu a prisão de Jader, solicitada pelos mesmos procuradores do Tocantins e agora esperneia por Roseana. Afinal, ele bem sabia que corria o risco de que suas denúncias batessem às portas de amigos ilustres da política. Não questiona a chantagem emocional e política de Roseana, sua máxima de "aos amigos tudo, aos inimigos a lei"; não pauta uma grande matéria sobre os mais de 30 anos de domínio da família Sarney sobre um estado pobre, que durante muitos anos viveu sob a influência da Sudam e da Sudene (que, aliás, tem os mesmos problemas da Sudam, mas foi relegada a segundo plano pela imprensa).

Infelizmente, a imprensa reduz a cobertura a uma apuração: se houve ou não armação política. E relega a segundo plano o principal, que são as investigações de fraude na Sudam. E bem que poderiam colocar na carona a Sudene.

Mais uma vez fica claro, que em alguns casos, os políticos usam a imprensa da maneira que bem entendem. Bater nessa tecla com insistência dá trabalho. Quem sabe, um dia tudo venha a mudar, e o fato será o centro das pautas, em vez das versões, criadas ao sabor das intenções dos políticos para se locupletarem.

A partir de agora, certamente o fato gerado pela Justiça terá prioridade nas pautas, basta ver os jornais e as revistas do fim de semana. Afinal, por mais criativos que sejam os políticos, a colheita nas plantações de versões já foi concluída. E vão que recomeçar tudo de novo, adubar, plantar, esperar amadurecer para depois colher as novas versões que, infelizmente, fazem parte do dia-a-dia da política brasileira, principalmente em ano eleitoral.

(*) Jornalista

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