Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Pesquisa de opinião, a falsa vilã do jornalismo

Rachel Balsalobre (*)

 

T

em sido bastante incômoda e preocupante a forma confusa e passional com que grande parte das vozes com poder de fogo na mídia, tem condenado à morte inapelável, uma (dentre as milhares de outras) forma de obtenção de informações, que são as pesquisas de opinião em geral.

Como se elas não fossem apenas mais uma fonte, competindo no livre mercado da informação, fundamental ou indicativo da existência da verdadeira democracia! E como se as imperfeições ou distorções de leitura (os jornalistas não sabem interpretar resultados de pesquisas!) de que são vítimas justificassem seu banimento e não fossem apenas imperfeições equivalentes as de tantas outras fontes de informações, que tem que ser aperfeiçoadas e não suprimidas!

Mas compreende-se: nossa jovem democracia ainda não foi capaz de erradicar todos os esgares do período autoritário e a compulsão tuteladora. Basta lembrar que em 1989, na primeira eleição presidencial pós-ditadura, o Congresso aprovou uma lei proibindo a publicação de pesquisas eleitorais durante os 30 dias que antecediam as eleições, lei que não foi cumprida porque o próprio Supremo Tribunal Eleitoral se recusou a convalidá-la, alegando sua inconstitucionalidade.

Ato contínuo, os mesmos partidos políticos que quiseram interditar as pesquisas não hesitaram em brandir seus resultados, quando estes lhes eram favoráveis, enquanto que outros partidos políticos, cujos resultados deixavam a desejar, se esforçaram de todos os modos para desacreditar as pesquisas.

Quem riu por último, riu melhor: abertas as urnas, os resultados oficiais mostraram que pelo menos os três principais institutos de pesquisas acertaram em cheio.

E tem sido assim, isto é, tem havido acerto, na imensa maioria das veiculações de pesquisas de intenção de voto feitas pelas boas casas do ramo (e temos várias), que são justamente aqueles órgãos de pesquisa que têm todo o interesse em acertar e divulgar resultados honestos, antes de mais nada por razões puramente mercadológicas: como empresas que são, sabem que sua sobrevivência depende de sua competência e capacidade de antecipar resultados de urnas, mais do que obter a fórceps um resultado que agrade ao cliente.

Quanto à questão da excelência técnica, é possível travar discussões metodológicas complexas e às vezes impenetráveis, tanto sobre procedimentos quantitativos como qualitativos, que respondem satisfatoriamente à demanda de cientificidade e precisão. O que tem consagrado as pesquisas eleitorais é a constatação de que os resultados oficiais têm ficado bem próximos dos resultados por elas antecipados. Portanto, a questão estritamente técnica das pesquisas eleitorais parece ter sido razoavelmente pacificada: investiu-se e evolui-se muito metodológica e tecnicamente nos últimos tempos, o que chancela a confiança na sua eficiência.

Se é assim, a que título se pode, numa democracia, impedir que o cidadão saiba antecipadamente qual é a tendência majoritária numa eleição? A título de protegê-lo de uma influência “indevida”? E o que é uma influência indevida, num ambiente de alta saturação informacional? E quem foi que disse que saber para onde pende a opinião de seus compatriotas não é uma informação relevante, legítima e adequada para, ao juntar-se a outras, servir de referência para uma decisão de voto?

Os analistas políticos gostam de dizer que o efeito político das pesquisas consiste em fortalecer os candidatos que parecem ser os mais fortes (o que os metodólogos chamam de “efeito bandwagon”; a contrapartida, isto é, a tendência em apoiar o mais fraco é chamado “efeito underdog”) e enfraquecer os mais fracos, mas estão se referindo principalmente aos chamados “grandes eleitores”, que são os financiadores de campanhas, dirigentes dos partidos, marqueteiros políticos e poderosos dos meios de comunicação. Estes fazem as vezes de correias de retransmissão que a partir da evolução das preferências, reorientam não apenas o enfoque do noticiário como também o espaço destinado aos principais candidatos a cada dia. Só depois é que tudo isto iria bater lá no eleitor individual. Ocorre que todo o ambiente de informação que envolve eleições livres é muito complexo para permitir um controle adequado das fontes de influência que agem simultaneamente, sendo necessário isolá-las para avaliar o “puro efeito bruto das pesquisas”.

Ainda assim, mesmo que se considere verdadeira a idéia de que “a pesquisa eleitoral é um termômetro que afeta a temperatura do paciente”, não há, numa democracia, justificativa para negar ao eleitor esta informação.

Porém, todas as considerações feitas até agora dizem respeito apenas a um dos setores da pesquisa de opinião, que são as pesquisas de intenção de voto. Avaliar a posteriori a correção deste tipo de pesquisa é uma operação bastante simples: basta esperar o “veredito final” das urnas e cotejá-lo com o que as pesquisas disseram antes.

Muito mais difícil é avaliar a correção de procedimentos de pesquisas e sondagens de vários tipos que têm aparecido com freqüência nos meios de comunicação: o grau de cientificidade destas pesquisas é variável e muitas vezes a nomenclatura confunde, chamando-se de pesquisa uma sondagem modesta que não tem pretensões de representatividade estatística. Ocorre que muitas vezes nem mesmo a obrigatoriedade de um box explicando a metodologia empregada garantiria uma clareza maior sobre as características do “produto”. Por exemplo: explicar que uma amostra foi composta por sorteio aleatório pode induzir o leitor comum a um entendimento errado, já que, estatisticamente falando, o conceito de aleatoriedade não tem nada a ver com casual ou ao acaso. Pelo contrário: se a escolha foi aleatória, significa que todos os elementos de um universo tiveram a mesma chance de comparecer na amostra, o que a torna uma amostra probabilística, correta, representativa de seu universo, observados, lógico, outros critérios como o de estratificação etc..

E é por isto, e só por isto, que se pode ouvir cerca de 2 mil pessoas num universo de 19 milhões e generalizar o resultado para este universo. Como se vê, há uma certa complexidade na questão de se definir a adotar regras e procedimentos adequados para se fornecer ao cidadão, junto com a pesquisa, as características metodológicas desta. Há muitas ponderações, inclusive de ordem técnica (como por exemplo a utilização de amostras para estudos qualitativos – o que é muito comum nos meios – as quais podem prescindir totalmente da representatividade estatística tal como descrita acima) como se ia dizendo, há muitas ponderações pertinentes e necessárias, a serem feitas, mas que não caberia fazer neste espaço.

De tudo, o que é mais grave, (em que pese todas as questões apontadas acima), é que a leitura, interpretação e utilização que os jornalistas têm feito das pesquisas que lhes chegam às mãos é de uma indigência extraordinária, quando não francamente delirantes, descuidadas, levianas. Freqüentemente, a pouca informação inédita e interessante de uma pesquisa vai para a lata de lixo ao chegar nas mãos do jornalista, simplesmente porque este não conseguiu enxergar, não sabe ler tabela, não cruzou os dados.

O jornalista Rodrigo Chia, em carta a última edição deste OBSERVATÓRIO, no Caderno do Leitor, relata que um órgão de imprensa gaúcho saiu com a seguinte manchete: “Gaúchos vêem a democracia em elogio a Hitler”, sem explicar que a consulta tinha sido feita a uns poucos gatos pingados, a propósito de um determinado episódio, ouvintes de uma certa rádio, por telefone. Quem pode levar isto a sério? É tão estapafúrdio que, mesmo sem explicar a “metodologia”, não deve ter merecido qualquer tipo de registro do leitor gaúcho, a não ser, talvez, pela irritação que deve ter causado nos gaúchos mais bravos… É uma manchete fraudulenta, impostora. Ilustra um grande número de casos em que a utilização jornalística da pesquisa consegue ser pior que a própria pesquisa.

O leitor Rodrigo Chia brinca dizendo que um dia ainda vamos deparar com a seguinte manchete: “Todos os brasileiros são honestos”, que seria extraída de uma pesquisa que fez a seguinte pergunta: “Você é honesto?” O Rodrigo bateu na trave. Se esta pesquisa fosse feita e desse 100% de sim, a manchete correta seria: “Todos os brasileiros se consideram honestos”. O que, convenhamos, seria um resultado extremamente interessante!

(*) Jornalista e Psicóloga. Professora do curso de Jornalismo da Puc/SP. Prepara tese de Doutourado sobre Raduan Nassar. Associada ao IEDC. e-mail: rbal@uol.com.br