Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Plantas transgênicas, aventura adolescente

The New York Times

“WASHINGTON – O diretor dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH, National Institutes of Health) desencadeou debate acalorado ao propor que os cientistas revelem e divulguem pela Internet os resultados da pesquisa biomédica, para que o texto total de seus artigos fiquem disponíveis a custo zero para qualquer pessoa com um computador, em qualquer lugar do mundo.

O diretor, Dr. Harold E. Varmus, disse que sua proposta para uma operação de publicações eletrônicas, denominada E-biomed, apressaria o progresso da ciência por acelerar a troca de informações entre os pesquisadores e por aumentar tremendamente o acesso a elas.

Além disto, disse ele, o novo web site proposto poderia ser ?uma força democratizante? porque todos os pesquisadores legítimos, ?por menos conhecidos que sejam ou por mais remoto que seja seu local de origem?, poderiam incluir artigos no site.

Funcionários federais dizem que esperam coordenar seu web site com as revistas científicas de prestígio, com algumas delas já tendo iniciado a publicação de edições eletrônicas de uma forma limitada. Como seria de esperar, as editoras de revistas eruditas, entre elas muitas sociedades científicas, não mostram entusiasmo pela idéia.

Elas dizem que o novo sistema permitiria que os pesquisadores se esquivassem das revistas em papel e contornassem o processo da revisão interpares, através do qual os cientistas avaliam um novo trabalho antes de sua publicação. Também há o temor de que o NIH se transforme num rival que poderia tirá-las do setor de publicações ou que poderia reduzir drasticamente as receitas que obtêm de suas revistas.

Dr. Jerome P. Kassirer, editor-chefe da The New England Journal of Medicine, que tem 240.000 assinantes pagos, disse: ?A E-biomed poderá ter um efeito desastroso sobre as revistas clínicas?. Sua preocupação é que os ?assinantes não teriam nenhum motivo para fazer a assinatura? se pudessem receber gratuitamente o conteúdo das revistas através da Internet.

A The New England Journal pertence e é publicada pela Sociedade Médica de Massachusetts. Ela tem há anos uma política rígida contra a publicação de manuscritos cuja ?substância essencial? já tenha sido publicada em outros lugares.

A Sociedade Americana de Microbiologia, que publica 10 revistas especializadas, e a Sociedade Americana de Fisiologia, que tem 14, expressam preocupações semelhantes. (…)

Para que seu trabalho fosse divulgado desta maneira, disse Varmus, os pesquisadores precisariam obter a aprovação de ?dois indivíduos com credenciais apropriadas?. Tais credenciais, disse ele, ?deveriam ser amplas o bastante para incluir vários milhares de cientistas, mas rigorosas o bastante para oferecer ao banco de dados uma proteção contra material irrelevante ou ultrajante?.

Varmus descreveu este compartimento da E-biomed como um ?armazém geral?. E disse que ?virtualmente qualquer trabalho legítimo? poderia ser aí colocado ?sem a revisão editorial tradicional?. Alguns cientistas dizem, porém, que a E-biomed poderia confundir ou assustar os consumidores ao disseminar informações não averiguadas e ?junk science? não revisada por especialistas no campo. (…)

O professor Michael M. Cox, um bioquímico da Universidade de Wisconsin, de Madison, disse: ?A publicação de uma revista eletrônica, financiada pelo NIH, conforme descrito na proposta de Varmus, é uma das piores idéias que já ouvi?. Se não estiver sujeita a uma cuidadosa revisão interpares, ?irá inevitavelmente se transformar em um armazém de lixo financiado pelos contribuintes?, disse Cox. ?Já que será financiado ou patrocinado de alguma maneira pelo NIH, a percepção será de legitimidade?.

Mas a proposta tem o forte apoio do deputado John Edward Porter, republicano de Illinois, que é presidente do subcomitê de Distribuição de Verbas da Câmara, responsável pelo orçamento dos institutos de saúde. ?O NIH está oferecendo uma maravilhosa iniciativa à comunidade científica ao estimular o uso da Internet para compartilhar informações?, disse Porter.

Os preços das assinaturas, especialmente das revistas altamente técnicas vendidas por grandes editoras comerciais, subiram muito nos últimos anos. As bibliotecas pagam US$ 10.000 a US$ 15.000 por ano por títulos referentes a alguns assuntos, como pesquisa cerebral. (…)

Martin Frank, diretor executivo da Sociedade Americana de Fisiologia, que edita mais de 35.000 páginas por ano em suas revistas, disse que um paciente poderia sofrer danos ou morrer se um médico prescrevesse um dado curso de tratamento com base em informações não averiguadas colocadas no site E-biomed proposto.

Dr. Richard M. Glass, co-editor interino da The Journal of the American Medical Association, disse que os artigos ?muitas vezes sofrem alterações extensas? ao passarem pelo processo de revisão. Por sentirem entusiasmo pelo próprio trabalho, disse ele, os autores muitas vezes tiram conclusões que vão além dos dados e podem considerar que os novos tratamentos são mais eficientes do que realmente são.

(…) Na exposição eletrônica de seus relatos, os cientistas poderiam incluir seqüências de filmes, imagens tridimensionais e grandes conjuntos de dados para os quais não existe espaço nos jornais impressos. ?A E-biomed poderá ser a mais importante mudança nas comunicações científicas desde o advento da revista formal?, disse numa entrevista o Dr. David J. Lipman, co- autor da proposta da revista eletrônica.

Referindo-se ao novo orçamento de US$ 15,6 bilhões do NIH, ele acrescentou: ?Queremos obter o máximo proveito público em troca desse investimento de US$ 15 bilhões. Queremos que o maior número possível de olhos vejam os resultados?. Lipman é o diretor do Centro Nacional de Informações de Biotecnologia, uma unidade da Biblioteca Nacional de Medicina do NIH.

Um pesquisador que enviou um comentário por e-mail ao NIH, o Dr. Bruce Swanson de Adelaide, Austrália, traçou uma analogia com a disseminação da alfabetização e da tecnologia de impressão na Europa medieval. ?Será que todos os livros eram precisos e tinham a devida autoridade??, perguntou ele. ?Seriam alguns perigosos para a sociedade? Podemos imaginar os padres dizendo: ?Não vemos nenhum problema com a impressão em massa e a disseminação generalizada dos livros, desde que tenhamos a certeza de que todo livro será aprovado por um processo de revisão dos padres’?.

(…) Os defensores e os críticos da E-biomed concordam que é inevitável algo parecido. ?As comunicações científicas vão se tornar eletrônicas?, disse Anthony J. Mazzaschi da Associação das Faculdades de Medicina Americanas. ?É só uma questão de quando e como?. Tradução: Vera de Paula Assis.”

“Divulgação de pesquisas na Internet causa polêmica”, copyright Folha de S. Paulo, 14/6/99

 

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