Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

PM, nosso "repórter informal"

EDITORIAS DE POLÍCIA

Antônio Lemos Augusto (*)

O policial militar é ? na maioria dos jornais brasileiros ? o principal repórter da página de assuntos policiais. Afinal, grande parte da imprensa simplesmente reproduz boletins de ocorrência, apenas corrigindo os erros de ortografia dos policiais. Culpa de quem? Principalmente dos empresários do setor de comunicação, que ignoram a importância de investir em editorias de Polícia, com jornalistas qualificados. Na verdade, o repórter policial mal sabe que "homem não sofre estupro".

O caso a seguir, ocorrido em uma cidade de Mato Grosso neste ano, ilustra bem o tema: um garoto de 15 anos foi assassinado com dois tiros pela PM de madrugada. Uma equipe de TV filmou a cena. A PM tentou armar um esquema para justificar o homicídio, alegando reação à prisão e coisas do gênero e "plantando" arma nas mãos do garoto. Mas as imagens da TV desmentem a versão. O garoto não tinha passagem pela Polícia, não havia cometido qualquer delito e, ao levar o tiro fatal na cabeça, já estava baleado no abdômen. Os PMs que o mataram eram de um grupo de elite da Polícia Militar mato-grossense.

Se não houvesse a imagem da TV desmentindo a PM, qual seria o boletim de ocorrência? Provavelmente algo incriminando o adolescente que ? com certeza ? seria publicado pelos jornais como se fosse verdade, em algum canto de página. Em resumo, seria uma ordem de "dane-se" à família da vítima.

A cobertura policial dos jornais neste país dá muito crédito à versão da Polícia, contida nos BOs. É uma prática que nega os princípios do jornalismo, sendo imposta indiretamente pelas próprias empresas de comunicação. Em Cuiabá, por exemplo, não existem nos três maiores jornais editorias montadas de Polícia, com editor próprio e equipe de reportagem ampla. São ? no máximo ? dois repórteres, sob a responsabilidade de um editor de Cidades. Às vezes, a empresa finge colocar um editor próprio, mas é ele também quem faz as matérias, "assobiando e chupando cana". Está errado.

Carimbo de credibilidade

Os jornais brasileiros deveriam sim investir em uma Editoria de Polícia, mas com outro nome, algo mais próximo da imparcialidade. As empresas gostam de colocar notícias policiais na primeira página, mas não dão a mínima quando se fala em estrutura. Os jornais em Cuiabá sequer possuem equipes noturnas para acompanhar a ação nas ruas, evitando o BO do dia seguinte. Não pensam em qualidade em um setor que está diretamente ligado ao sentido democrático amplamente contido na Constituição Federal: direito à vida, ao contraditório, à liberdade etc. Divulga-se o que a Polícia quer.

O esvaziamento das redações provocado pela usura dos donos de jornais prejudica principalmente os setores que lidam diretamente com a população carente. E as páginas policiais estão neste rol. O investimento neste setor precisa ser acompanhado pela formação do repórter em teorias sociais, em ética, em direitos humanos, em legislação. Qual empresário de comunicação se preocupa em patrocinar um curso de Código Penal aos repórteres mais próximos ao setor policial? Por outro lado, trata-se de um dos setores na imprensa diária mais cobrados pela empresa, ligados diretamente ao factual e às vendas em banca. O noticiário policial participa diretamente da briga pelo "furo", tanto exigido pelos empresários.

Nos jornais de Cuiabá, há apenas uma estrutura mínima para cobertura policial, que mal é suficiente para as notícias do dia-a-dia. Se acontece algum fato mais grandioso – uma rebelião em penitenciária, uma chacina ou algo do gênero – o editor é obrigado a desviar repórteres de outras áreas, que nem sempre têm afinidade com o tema. A despreocupação dos donos dos jornais é tanta que, no plantão de sábado e domingo, dias fundamentais para a cobertura policial, há rodízio de jornalistas, muitas vezes não habituados com o noticiário das delegacias. Quem perde é o leitor. Na verdade, quem perde é a sociedade.

Agora, imagine você em seu carro, à noite, numa rua deserta. Após uma curva, você se depara com uma blitz da PM. Os policiais mandam que você pare. Não há testemunhas. A partir daí, meu amigo, os jornais somente vão saber o que ocorreu com você no BO do dia seguinte. E este BO provavelmente será veiculado pela imprensa com um carimbo hipócrita de credibilidade.

(*) Jornalista em Cuiabá, coordenador do boletim semanal Imprensa Ética; email: <arlaarla@terra.com.br>

    
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