Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Época

MONITOR DA IMPRENSA



ITÁLIA

"A volta por cima", copyright Época, 21/05/01

"Na primeira aparição na TV depois de vencer as eleições, o megaempresário Silvio Berlusconi estava diferente. Não usava pulôver nem camisa esporte, como na campanha. O cenário não mostrava mais fileiras de livros de encadernação luxuosa num modesto escritório. Terno escuro, gravata sóbria, cercado de obras de arte de sabor renascentista, que davam à sala de sua casa em Milão ar de palácio oficial, o líder da direita italiana era a encarnação do estadista. O discurso acompanhava a mise-en-scène. Depois de uma disputa azeda ao longo da qual direita e esquerda não pouparam insultos e palavras duras, o homem mais rico da nação prometeu governar para todos os 58 milhões de italianos, não apenas para seus correligionários. Por trás da pose está uma votação consagradora. Sete anos depois de ter conduzido o governo por sete meses sob a pecha de magnata aventureiro, Berlusconi volta ao cargo de primeiro-ministro como um peso pesado da política italiana, apesar das acusações de corrupção, fraude e ligação com a Máfia que lhe pairam sobre a cabeça. ?Foi uma vitória clara e legítima?, reconheceu o derrotado Francesco Rutelli, candidato pela centro-esquerda.

A Casa das Liberdades, coalizão de direita liderada pelo milionário milanês, obteve maioria folgada. Elegeu 368 dos 630 deputados da Câmara. A coalizão de centro-esquerda até agora no governo terá 242 deputados. No Senado, serão 177 cadeiras para a direita e 125 para a centro-esquerda. Para Berlusconi, mais importante até que a vitória da coalizão foi a margem alcançada por seu partido, a Forza Italia (FI). Fundada pouco antes de sua primeira eleição como partido de ocasião, a FI obteve, desta vez, 29,4% dos votos. Cresceu muito desde 1996 e é a maior agremiação do país. A neofascista Aliança Nacional, de Gianfranco Fini, e a Liga Norte, de Umberto Bossi, perderam votos. Assim, Berlusconi poderá falar grosso com incômodos parceiros. A presença de Fini é malvista fora da Itália por reviver fantasmas do passado fascista da Segunda Guerra. Bossi, que já defendeu a independência do norte da Itália, é um aliado pouco confiável. A retirada de seu apoio em 1994 derrubou o gabinete Berlusconi. Além disso, ele também não conta com a simpatia dos governos europeus por ser contrário à imigração e, por isso, pouco inclinado à expansão da União Européia. A margem confortável obtida pela Forza Italia faz com que o governo de Berlusconi tenda mais para o centro, aproximando-o de outros líderes conservadores europeus, como o espanhol Jozé María Aznar e o francês Jacques Chirac.

Mesmo assim, Bossi deverá ter um cargo no governo, assim como Fini. Berlusconi não quer repetir o erro de 1994, quando, ao assumir o cargo, virou vidraça sozinho, enquanto os líderes dos partidos radicais seus aliados continuavam nos palanques. Na campanha deste ano, o futuro chefe de governo prometeu ficar no cargo por cinco anos e não quer os sócios encrenqueiros do lado de fora quando a oposição e as críticas começarem.

E as críticas serão muitas. Berlusconi aposta no mesmo ideário liberal que o levou ao governo em 1994 para cumprir as ambiciosas promessas feitas ao longo da campanha eleitoral. Diminuição do Estado, desregulamentação, privatização de empresas deficitárias e menos impostos farão com que a Itália cresça, garante o primeiro-ministro eleito.

O crescimento econômico será o melhor remédio contra o desemprego. Com um Produto Interno Bruto de US$ 1,3 trilhão, a sexta economia do mundo tem uma taxa de 10% de mão-de-obra desocupada. Esses desempregados se concentram entre os jovens e no sul do país, justamente a faixa etária e a região em que a criminalidade é maior. Berlusconi quer menos obrigações trabalhistas. Cada trabalhador italiano recebe menos da metade do que custa para seu empregador. Diminuir esses custos, porém, implica alterar uma legislação construída desde o fim da Segunda Guerra pelos socialistas e democrata-cristãos que dominaram a política por quase 50 anos. Também não será fácil mudar os códigos penais e de processo, essenciais, na visão de Berlusconi, para tornar ágil o combate à violência.

Durante a campanha, o empresário vendeu a imagem de que seu governo reformaria efetivamente a Itália. Assim, o primeiro-ministro imaginou um gabinete formado por estrelas. Seriam chamados os nomes mais representativos de italianos de sucesso – de empresários a acadêmicos.

Fini é o comandante da direita radical no governo italiano

O primeiro notável convidado, no entanto, recusou a honraria. Luca di Montezemolo, presidente da Ferrari, preferiu continuar gerindo o time campeão de Fórmula 1. O comissário da União Européia Mario Monti, assim como o ex-chefe da Organização Mundial de Comércio Renato Ruggiero, também não aceitaram integrar a equipe da centro-direita.

Berlusconi é um parceiro complicado, com muitos pontos obscuros na carreira. Desconfia-se, por exemplo, que o dinheiro com que fez seu primeiro grande negócio – um condomínio de luxo em Milão – tenha vindo da Máfia. Há nove processos contra ele na Justiça. Mesmo como primeiro-ministro, a mais aguardada de suas decisões visa clarear uma situação pessoal especialíssima. Dono de três redes privadas de TV da Itália, Berlusconi controlará também os três canais estatais da RAI. Há dois riscos. Ou o governante terá o virtual monopólio da televisão num país que lê muito pouco para os padrões europeus, ou o principal empresário do setor terá o controle administrativo dos canais estatais, seus principais concorrentes. Teme-se que ele possa piorar deliberadamente a qualidade da programação, beneficiando, assim, suas próprias redes. Berlusconi prometeu explicar o que faria com a Mediaset, empresa que controla seus investimentos em TV, antes da eleição. Não explicou. Agora, diz que tudo será resolvido com uma lei sobre conflito de interesses – a ser proposta por ele mesmo a um Parlamento em que dispõe de folgada maioria."

"Italia, che vergogna!", copyright Jornal do Brasil, 16/05/01

"A democracia italiana está ameaçada. E não digam que isso não pode acontecer na Europa. Já aconteceu, há não muito tempo, e hoje temos dois países, ditos civilizados, com partidos fascistas no poder: a Áustria e a Itália. Acham que exagero? Vamos imaginar um poder equivalente ao da Rede Globo e multiplicá-lo por seis, atribuindo-lhe o monopólio da TV, pública e privada e, de quebra, como se não bastasse, um time rubro-negro de grande poder e torcida.

Vamos acrescentar alguns predicados a essa receita. Imaginemos que o dono desse poderoso império fosse simpatizante do fascismo, xenófobo e racista. Além disso, suponhamos que fosse um velho freguês da Justiça, condenado por lavagem de dinheiro e com inúmeros outros processos, dos quais tem escapado sistematicamente porque a Justiça italiana se parece muito com a de… Pízzia.

Esse personagem existe, chama-se Silvio Berlusconi, e é um dos homens mais ricos do mundo. Tornou-se primeiro-ministro através do voto dos italianos, com as suposições (burras) de que sendo bilionário não roubará e que, por ser bom administrador, vai governar a Itália como administra as suas empresas.

Aí é que mora o perigo. Berlusconi ficou rico de modo não muito bem explicado, já governou a Itália há sete anos e caiu em meio a uma crise provocada por acusações de corrupção contra o seu governo. Além disso, para ser primeiro-ministro é preciso, antes de tudo, ser político e não administrador de empresas, mesmo bem-sucedido. Um Estado não é uma empresa, e essa confusão tem sido cada vez mais comum em nossos dias de neoliberalismo. Empresas contratam e demitem. O que Berlusconi vai fazer da Itália Ltda.? Demitir quem não se ajustar? Uma coisa ele promete: acabar com os ?faxineiros?, geralmente imigrantes pobres que chegaram à Itália em busca de uma nova vida, longe da miséria em suas pátrias.

Vende-se, hoje, a idéia de que o Estado deve ser rentável como uma empresa. Deve ser mínimo, cuidando não se sabe muito bem de quê, e abandonando os cidadãos à própria sorte, entregando tarefas de Estado à iniciativa privada, entre as quais sobressaem a educação, a saúde, o transporte público, o saneamento, a segurança etc. Essa fórmula, criada em Chicago e vendida pelo FMI não deu certo em lugar algum. É só olhar para a Argentina, aqui ao lado, em trote batido (não é ministro Cavallo?) para a falência, fazendo direitinho tudo o que o chefe mandou.

Voltando à Itália, o voto em Berlusconi é o voto do ódio, do egoísmo e da xenofobia. Hoje os peninsulares estão ricos e esqueceram que, durante um século, levas imensas de italianos escaparam da fome e miséria em seu país e encontraram acolhida em outras terras, inclusive no Brasil, onde viveram e prosperaram. O voto em Berlusconi é o voto contra os italianos do Sul, equivalentes aos nordestinos, dominados por uma política corrupta, pela máfia e desprezados pelos nortistas ricos, alguns dos quais querem dividir o país, desfazendo o sonho garibaldino e republicano e criando a Padânia, republiqueta de opereta; com nome de queijo de ralar. Uma Saló endinheirada com um Duce ridículo: Humberto Bossi.

O voto em Berlusconi é o voto do emburrecimento da Itália, transformada pela TV num grande programa do Ratinho patrocinado pela mídia berlusconiana e seguida pela RAI. Ele é tão nefasto que publicações como o The Economist, o Financial Times e o New York Times chamaram a atenção dos italianos para os perigos de eleger tal indivíduo. Nenhum desses jornais tem simpatia pela esquerda que, diga-se de passagem, fez um bom governo e não tungou, o que torna a escolha dos peninsulares ainda mais insólita.

O fato de Berlusconi ser de direita não é importante. A direita governou a França recentemente mas não se aliou ao fascismo de Le Pen e sua Frente Nacional. O que repugna é o fascismo, doutrina criminosa, inimiga do gênero humano. Pelo visto, os italianos esqueceram a sua própria história e agora vão repeti-la como uma grande farsa.

Bate Papo

O leitor Oziel oz@zipmail.com.br observa, após pedir o final da história da Pízzia: ?Mas o pior é que até a Grande Loba do Mediterrâneo, que em má hora amamentou dois garotinhos merecidamente abandonados na floresta, e que um dia dominará não só Pízzia mas toda nossa querida Hélade, parece querer imitar nosso erro, elegendo para rei, notável sacerdote do deus Corruptus e supremo adorador da deusa Mídia, um tal Berlusconius que o grande escriba Humbertus Ekkus já desmascarou?.

O final da história ainda não dá pra saber. Utzerius Adeps escreve no calor dos acontecimentos e será preciso recorrer aos arúspices, que lerão a sorte de Pízzia nas entranhas das antas sacrificadas (nós) para saber o futuro. Nestes dias, há um grande movimento em Pízzia. Os deuses silvícolas são convocados, em antigas línguas africanas, para salvar Acemus do ostracismo. Muita gente acha que vai dar certo, e a opinião geral é a de que o areópago se limitará a adverti-lo. Corruptus está feliz, cheirando pó de pemba ao som de atabaques e agogôs.

Ê-hê…

O leitor Waldir Faria gostou de Historia antiqua, mas observa: ?Só faltou um detalhe: se foi AC ou DC?.

Tenho certeza que foi AC, caro Waldir. Antes de Cristo os historiadores não tinham por que usar a referência, já que não podiam saber que ela existiria. Mesmo depois de Cristo foi preciso muito tempo para que fosse adotada. Após a queda de Roma, seu calendário continuou em vigor. Foi em 532 DC (correspondente ao ano 1.296 da fundação de Roma), e graças a uma proposta do monge cita, Denis o Pequeno, que surgiu a noção de antes e depois de Cristo. A Igreja aceitou a proposta e estabeleceu que o ano I da era Cristã teria sido o que começara no dia 1? de janeiro de 754 da Fundação de Roma, logo depois do 753ø aniversário do nascimento de Cristo, no dia 25 de dezembro. A esse calendário dá-se o nome de Juliano, pois foi adotado por Júlio César. Somente em 1582 o papa reformou o calendário Juliano e adotou o calendário Gregoriano que usamos hoje. Portanto, meu caro, não haveria qualquer condição de Utzerius Adeps usar AC ou DC.

O leitor Thor Derzi consulta a livraria Flor do Lavradio: ?Tento achar um livro que li em 1963, infelizmente só tenho o título: O inesquecível Mr.Blue. É um livro muito interessante, fala sobre o cinema, inventado na época da narração da história, e que seria o maior instrumento de educação moderna. Quando li, a TV ainda não era o que é hoje e o sonho, infelizmente, não se realizou?. Quem vai nos dar uma luz?

E FH confessa surpresa com o tamanho do déficit de energia. Não seria a hora de botar na rua o ministro e dirigentes da Anel, que são pagos para evitar semelhante vexame e incompetência? E por falar nisso, cometi um erro, pura desatenção, na coluna Fiat Lux. Onde escrevi KWH (quilowatt hora) leia-se MWH (megawatt hora). Perdão. Voltarei ao assunto eletricidade domingo, com a carta do leitor Alberto Alvorada. Prometi para hoje, mas não deu por falta de espaço. Um abraço a todos."

"TV estatal na mira do novo governo italiano", copyright O Estado de S. Paulo / The Times, 18/05/01

"Na quarta-feira, um importante membro do futuro governo de Silvio Berlusconi exigiu a renúncia de todo o conselho diretor da RAI, a empresa de difusão estatal italiana.

Os funcionários da televisão e estação de rádio RAI temem que a medida resulte em uma ?limpeza? entre os jornalistas. Em uma entrevista ao Il Giornale, Gianfranco Fini, líder da Aliança Nacional, ?pós-fascista?, disse:

?Estamos querendo a renúncia de todo o conselho por causa do que aconteceu durante a campanha eleitoral, quando a cobertura foi escandalosa?.

A centro-direita tem se queixado de uma constante tendência contra ela por parte das emissoras de serviço público. Berlusconi foi além, acusando repetidamente a RAI de estar infiltrada por comunistas.

O jornal La Repubblica considerou preocupante o fato de Berlusconi, que já possui os três canais privados de televisão mais importantes do país, passe a ter também influência direta sobre o conselho diretor da RAI na qualidade de primeiro-ministro. Seria o equivalente, em termos de Grã-Bretanha, a controlar a BBC e também ser dono da ITV e dos Canais 4 e 5, ao mesmo tempo em que ocupa o número 10 da Downing Street, residência oficial dos primeiros-ministros britânicos. A família de Berlusconi também controla o diário Il Giornale, a revista semanal noticiosa Panorama, a editora Mondadori, a principal da Itália, e a Pubblitalia, uma das maiores agências de publicidade do país.

Somando-se ao controle da RAI, Berlusconi teria o ?monopólio dos canais distribuidores de informação? na Itália, publicou La Repubblica.

Por outro lado, os italianos sabiam disso quando votaram e, evidentemente, a maioria deles está disposta a conceder-lhe o benefício da dúvida.

Roberto Zaccaria, o diretor da RAI, afirma que a emissora foi absolutamente imparcial durante a campanha. A direção da RAI disse que uma análise do tempo no ar dedicado aos vários partidos políticos mostrou que Berlusconi teve mais exposição na RAI do que Francesco Rutelli, seu oponente de centro- esquerda e ex-prefeito de Roma.

Mas a centro-direita ficou irritada no início da campanha por causa de um programa de entrevistas satírico transmitido pela RAI no horário nobre. O programa levou ao ar as opiniões de dois jornalistas de esquerda que afirmaram em um livro intitulado O Cheiro do Dinheiro que a origem da fortuna de Berlusconi se deve a suas ligações com a Máfia e que ele foi auxiliado na aquisição de suas estações de TV privadas por leis introduzidas por Bettino Craxi, o ex-primeiro-ministro que fugiu da Itália para o exílio no ano passado. O livro se tornou um best seller.

Berlusconi prometeu resolver o ?conflito de interesses? entre seu império de mídia e seu papel político já nos primeiros cem dias de mandato. Ele ainda não informou, porém, como pretende fazer isso.

Na quarta-feira, o jornal La Stampa publicou que, obviamente, o magnata está relutando em renunciar ao controle de uma rede de empresas que construiu a partir do nada e da qual ?se orgulha imensamente?."


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