Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Época

TERROR & HORROR

"Além da imaginação", copyright Época, 17/09/01

"Hollywood é obcecada por ataques e invasões aos Estados Unidos. Adotou esse hábito a partir da agressão japonesa à base naval de Pearl Harbor, em 1941, recriada em uma superprodução lançada recentemente. Inspirados pela paranóia coletiva em relação aos perigos externos, produtores investiram um oceano de dólares para encenar destruições grandiloqüentes. Era mera fantasia pirotécnica, sempre se disse. Os estúdios de cinema não se incomodavam. Mesmo depois do fim da Guerra Fria, período propício ao cultivo de temores, as tragédias monumentais prosseguiram nas telas. Tiveram apenas o cuidado de deslocar a desconfiança dos comunistas para outros inimigos. Em uma aventura em cartaz no Brasil, A Senha (2001), John Travolta é um bandido que, sintomaticamente, planeja matar todos os terroristas do Oriente Médio.

Nova York Sitiada (1998) antecipou-se à realidade ao exibir as conseqüências de uma onda de atentados cometidos por extremistas islâmicos. A comunidade árabe-americana protestou contra o filme.

Em outros títulos interessam, acima de tudo, imagens de catástrofes. Elas podem ser causadas por meteoros e cometas como em Armageddon (1998) e Impacto Profundo (1998), pelos alienígenas, como em Independence Day (1996) e Marte Ataca! (1996), ou por um gorila gigante capaz de destruir o edifício da Chrysler, em Nova York, como em Godzilla (1998). Sem causar danos ao World Trade Center, o Homem-Aranha, no filme homônimo, ainda a ser lançado, será visto escalando o conjunto que acaba de ser reduzido a cinzas. A realidade venceu o cinema."

 

"Mídia americana evita imagens chocantes", copyright O Globo, 17/09/01

"Diz um velho adágio que a primeira vítima numa guerra é a verdade. Os EUA, que definiram os atentados terroristas de terça-feira como o início de uma nova guerra, já vêm registrando algumas baixas no campo de batalha da informação.

Nem tudo o que está acontecendo no episódio dos recentes ataques terroristas vem sendo mostrado ao público. Por um lado, alguns editores de jornais e redes de TV crêem que não é de bom tom exibir determinadas imagens. Por outro, o governo está fazendo de tudo para evitar vazamento de informação sobre sua estratégia de retaliação.

– Não vamos falar nada sobre assuntos de inteligência. Vocês nada saberão a respeito de nossos objetivos militares. Quando o governo agir, aí sim serão informados – disse o próprio presidente George W. Bush, ontem de manhã, em entrevista a um grupo de repórteres, na Casa Branca.

TVs de outros países exibem imagens mais chocantes

Os americanos não têm visto em muitos de seus jornais, revistas, emissora de TV e sites da internet imagens que a mídia de outros países vêm exibindo com naturalidade. Elas mostram o resgate de corpos soterrados sob os escombros das torres do World Trade Center (WTC). Outras exibem o desesperado vôo para a morte de pessoas que ali trabalhavam, instantes após o ataque.

A MSNBC, rede de TV a cabo que também tem um site de notícias na internet, optou por manter imagens como essas em seus arquivos:

– Tem surgido fotografias horripilantes. Muito sangue, pedaços de corpos. Achamos melhor não mostrá-las. Para que chocar mais? Quanto horror você pode suportar quando tem um edifício de 110 andares explodindo e desintegrando-se diante de seus olhos? – perguntou o presidente da MSNBC, Erik Sorenson, justificando sua decisão editorial.

Quando pessoas começaram a saltar do WTC, as TVs que transmitiam imagens ao vivo se viram diante de um desafio: continuar mostrando aquilo ou não? A ABC e a MSNBC optaram por outros aspectos da tragédia naquele momento:

– A questão era: estávamos informando ou causando um sofrimento desnecessário? Nossa responsabilidade é informar o que está acontecendo. Será necessário mostrar pessoas mergulhando para a morte? – perguntou David Westin, presidente da ABC News.

A NBC exibiu a imagem de uma pessoa saltando, mas apenas uma vez – e não ao vivo – na noite de terça-feira. O vice-presidente de jornalismo da estação, Bill Wheatley, disse que isso foi um erro:

– Estava chegando tanto material que posso entender como uma imagem dessas chegou a ser exibida uma vez. Mas quando a vimos no ar, decidimos não usá-la de novo. Entendo que isso é fotograficamente impressionante, mas achamos que a imagem é muito perturbadora – disse ele.

?Queremos mostrar o que os terroristas fizeram?

Um leitor do ?Denver Post? – que, como o ?New York Times?, o ?Detroit News? e o ?Newsday?, publicou uma foto da agência de notícias Associated Press mostrando um homem saltando de uma das torres – enviou um e-mail irritado a Glenn Guzzo, editor do diário. ?Isso é repugnante. Hoje é um dia de luto, e não um dia para rir da miséria das pessoas. Vocês não têm sentimentos, nenhum senso de respeito pelas famílias que perderam entes amados??

Marcy McGinnis, vice-presidente da rede CBS, que mostrou imagens fortes – assim como a Fox e a CNN – disse que a divulgação de tais cenas era obrigatória na cobertura dos atentados:

– Trata-se de terrorismo e o terrorismo tem resultados terríveis, violentos. De um lado queremos ser sensíveis em relação ao telespectador. Mas do outro, queremos mostrar o que os terroristas fizeram – disse ela.

John Moody, vice-presidente de jornalismo da Fox, disse que seus editores preferiram não utilizar muitas imagens de carnificina, mas alertou que o público deve se preparar para o que vem por aí.

– Quando os resgates começarem a avançar mais, já sabemos o que veremos sob os escombros. Os corpos não estarão lá embaixo com os braços perfeitamente cruzados e segurando margaridas – disse ele.

ABC comete erro: anuncia prisão de Bin Laden

Ontem, além de prevenir a imprensa de que o governo está fazendo de tudo para que a mídia nada saiba sobre seus planos de revide aos terroristas, o presidente Bush disse a seus assessores e a parlamentares – com acesso a informações privilegiadas – que não vai tolerar vazamentos sobre sua estratégia militar. Ari Fleischer, porta-voz da Casa Branca, afirmou:

– Qualquer pessoa no governo que disponha de tais informações deve obedecer à lei que as torna sigilosas por uma boa razão, pois o objetivo é proteger a segurança do país e de pessoas em todo o mundo

Outro aspecto a ser considerado na cobertura da imprensa são as mancadas. Na madrugada de ontem, a rede de TV ABC noticiou que o terrorista saudita Osama bin Laden – principal suspeito dos atentados – fora capturado no Afeganistão e seria entregue aos EUA. A informação acabou sendo desmentida uma hora depois.

Quarta-feira, a polícia de Rhode Island prendeu um homem de aparência árabe, Sher Singh, porque ele estava com uma faca. Nenhuma informação sobre ele foi liberada, mas agências de notícias divulgaram sua foto, identificando-o como suspeito de envolvimento nos atentados, o que se provou ser um erro. Singh é membro da seita Sikh e foi liberado pela polícia mais tarde."

 

"Tema do terrorismo vira tabu em Hollywood", copyright O Globo, 17/09/01

"A capa da ?Variety? do dia 11 de setembro tinha, em sua posição de destaque, uma foto de Natalie Portman com uma arma na mão, sob uma manchete que dizia: ?Ameaça fantasma ganha nova cara no DVD.? Outras reportagens de destaque incluíam a compra do filme ?Buffalo soldiers? pela Miramax e o lançamento de uma nova série de TV entitulada ?Terror?. No curto espaço de uma hora, todas essas notícias tornaram-se absolutamente irrelevantes.

Para Hollywood, a tragédia tem mais que implicações profundas e, muitas vezes, pessoais – quase todos, em Los Angeles, estão a seis graus de separação de algum passageiro dos quatro vôos que rumavam para a Califórnia ou de algum ocupante de um escritório de Downtown , onde se concentra, além do mercado financeiro, a produção de cinema de Nova York. O horror da terça-feira rompeu a matriz sobre a qual a indústria americana urdia alguns de seus mais bem sucedidos produtos.

Impossível, agora, imaginar que explosões monumentais, espetaculares acidentes aéreos, seqüestros e caçadas a terroristas possam servir de entretenimento – mesmo com igualmente espetaculares finais felizes e musculosos heróis resolvendo tudo no último minuto. De imediato, sumiram do ar as novíssimas séries de TV ?Alias?, ?The Agency? e ?24? – as duas primeiras lidavam com heróicos espiões da CIA, a última era sobre a caçada a um grupo terrorista.

Nos cinemas, a primeira vítima foi o ?Homem-Aranha?: o trailer do esperado filme de Sam Raimi mostrava o herói prendendo os vilões numa teia armada entre as torres do World Trade Center. O WTC também seria a paisagem da cena final da nova aventura dos Homens de Preto.

Ao mesmo tempo, três filmes que lidavam com temas de terrorismo e espionagem -?Big trouble?, ?Collateral damage? (este com Schwarzenegger, no qual há tanto uma espetacular explosão aérea quanto uma ameaça de bomba a um grande prédio de escritórios) e ?Spy game? (com Brad Pitt e Robert Redford) tiveram suas estréias adiadas – é possível que o de Schwarzenegger jamais veja a luz das telas.

E aí está a guinada mais radical: todo um gênero de cinema americano, o mega-thriller de ação, filho geneticamente alterado do seriado de aventura com o filme catástrofe, morreu sob os escombros em Washington e Nova York.

No mesmo dia 11 uma pesquisa sumária na internet revelava que existem 270 filmes em pré-produção e desenvolvimento com o tema ?terrorismo?. As chances de eles tornarem-se realidade são muito remotas. Mesmo um projeto de altíssima visibilidade, como ?The sum of all fears? – livro de Tom Clancy, direção de Phil Alden Robinson, estrelado por Ben Affleck – tem seu destino questionado neste momento.

O ânimo para festas também se arrefeceu. Estréias, badalações, prêmios parecem não apenas altamente descabidos, mas potencialmente perigosos – na ausência de um World Trade Center ou um Pentágono, um conglomerado de estrelas sobre um tapete vermelho, diante das câmeras do mundo, é a oportunidade mais visível para um ataque terrorista em larga escala.

Ou como diria a ?Variety?, no dia 12: ?Depois, o luto.? E também: ?Em Hollywood, o fim da inocência?."

    
    
                     
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