Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Policarpo Junior e Malu Gaspar

ACM SOB SUSPEITA

“Bahia de todos os grampos”, copyright Veja, 19/02/03

“A história de escutas telefônicas clandestinas no Brasil é espantosamente farta. Nos tempos da ditadura militar, o grampo tornou-se uma prática recorrente, adotada pela arapongagem oficial para bisbilhotar a vida de adversários políticos do regime. Com a volta da democracia, o governo substituiu o serviço de espionagem por um órgão menos enxerido, mas o vício já estava disseminado pelo país – e a incômoda história dos grampos continuou crescendo. No governo tucano, o primeiro grande escândalo foi produzido por um grampo, no qual altos funcionários se escutavam clandestinamente numa briga por poder. Depois, veio o grampo do BNDES, ainda hoje sem o devido esclarecimento, em que até a voz do presidente da República aparecia nas gravações. Mas, apesar de sua longa história, nunca se viu um caso de escuta ilegal como o que veio a público na semana passada. A grampolândia clandestina, instalada em pleno aparelho estatal da Bahia, atingiu nada menos que 190 linhas telefônicas e operou durante mais de cinco meses, do fim de março ao princípio de setembro do ano passado.

A lista dos grampeados, devido a seu gigantismo, ainda não foi completamente identificada, mas já se sabe que há várias linhas telefônicas de desafetos políticos do senador Antonio Carlos Magalhães – como os deputados Geddel Vieira Lima, do PMDB baiano, e Nelson Pellegrino, do PT, além do ex-deputado Benito Gama, que no passado chegou a ser aliado de ACM. O festival de grampos, cujo conteúdo parcial começou a circular em Brasília alguns meses atrás, captou disputas paroquiais, articulações eleitorais e rivalidades públicas. Mas, ao contrário da esmagadora maioria das escutas incrustadas no aparelho estatal, a grampolândia baiana teve uma peculiaridade: flagrou ameaças pessoais, juras de amor, encontros românticos, e tudo movido, aparentemente, por ancestrais sentimentos humanos – a traição, o ciúme, a vingança. Nas gravações clandestinas estão os telefones de Adriana Barreto, 30 anos, ex-namorada do senador Antonio Carlos Magalhães, o ACM. Estão, ainda, os telefones do atual marido de Adriana, o advogado Plácido Faria, 40 anos, que substituiu ACM no afeto de Adriana. Também aparecem os telefones de pessoas próximas do advogado, como seu pai, César Faria, sua ex-mulher, Márcia Reis, seu ex-sócio, Manoel Cerqueira.

Na semana passada, Plácido e Adriana receberam VEJA para contar sua história e as perseguições que vêm sofrendo desde que se conheceram e se apaixonaram, no fim de 2001. ?Tive um romance de alguns anos com o senador?, diz Adriana. ?Depois do rompimento, eu, meu atual marido e pessoas próximas ao meu marido passamos a sofrer todo tipo de perseguição e intimidação?, conta ela, para acrescentar em seguida: ?Quero esquecer o passado?. Seu marido afirma: ?ACM grampeou nossos telefones, vigiava nossos passos, acionando até a polícia, e tentou acabar com minha carreira. Ele transformou nossa vida num inferno. Confesso que cheguei a pensar em fazer uma besteira?, afirma Plácido. No auge de seu desespero, ele conta que comprou um revólver de calibre 38, do qual não se afasta, e diz que pensou até em adquirir uma metralhadora para disparar contra o senador baiano, tendo sido dissuadido por seus familiares. ?Vivemos uma tortura psicológica que ninguém merece viver.?

Plácido Faria e Adriana Barreto se conheceram num spa, em Salvador. Ele ainda estava casado com Márcia Reis. Ela se recuperava do fim de quase uma década de relacionamento instável com ACM. Exatamente três semanas depois do primeiro encontro no spa, em novembro de 2001, os dois estavam vivendo juntos, apaixonados. Os amigos avisaram que a relação estava fadada ao fracasso. O círculo de amigos mais íntimos de Adriana, filha de um desembargador do Tribunal de Justiça da Bahia, alertava que ?homem com filho é complicado?. Plácido, que rompeu seu casamento logo depois de conhecer Adriana, tem dois filhos. Seus amigos faziam também uma advertência. Alertavam, segundo ele, para o perigo de manter um relacionamento ?com a ex-companheira do velho?, numa referência ao senador baiano. Tanto os amigos de Adriana como os de Plácido erraram no resultado – o casal está junto até hoje -, mas acertaram nas desconfianças. Eles vivem um inferno, povoado por situações constrangedoras, perseguições e ameaças.

?O grampo telefônico, para mim, não é nenhuma novidade. O próprio senador avisou que faria isso?, conta o advogado. Ele diz que, no começo do romance com Adriana, que havia rompido com ACM um ano antes, o senador tornou a procurar a ex-namorada. Queria convencer Adriana a reatar. Prometeu presentes – uma mansão em Brasília, um terreno na Bahia, a abertura de uma conta bancária no exterior – e desqualificou seu novo namorado. ?Ele me disse que ia grampear o telefone do Plácido para provar que ele não me merecia?, relembra Adriana. Ela, que também é advogada, não deu grande importância à ameaça do senador. Afinal, ACM já havia lhe pedido várias vezes que retomasse o relacionamento e, desconfiava ela, poderia estar apenas usando um novo argumento. Depois dessa conversa, ocorrida em janeiro de 2002, ACM e Adriana nunca mais voltaram a se falar. E os problemas do novo casal começaram a aparecer, pouco a pouco, agigantando-se lentamente até preencher toda a rotina dos dois, da manhã à noite.

Sócio de um dos principais escritórios de advocacia de Salvador, Plácido Faria tinha uma carteira sólida de clientes, a maioria formada por empresários, o que lhe rendia uma vida confortável. Seu patrimônio incluía apartamento, automóveis de luxo e fazenda. De repente, seus clientes começaram a cancelar os contratos com o escritório, que dividia com um sócio. Um após o outro. Alguns, mais próximos de Plácido, telefonavam para explicar que estavam sendo pressionados por interlocutores do senador a abandonar o escritório. ?A maioria dos meus clientes era formada por empresas e empresários que têm negócios com o governo da Bahia. Eles receberam recados do senador: ou abandonavam meu escritório, ou perderiam alguns privilégios.? Com receio de levar a sociedade à bancarrota, Plácido resolveu deixar o escritório. Sozinho, sem outra fonte de renda, decidiu abrir uma banca sem sócios. ?Até hoje não consegui ter um único cliente. Meu escritório vive às moscas. Vivo do que ganhei nos últimos anos?, diz ele. ?O objetivo de ACM é me asfixiar, me destruir. Ele não perdoa o fato de Adriana ter rompido com ele.?

O advogado conta que, apesar de Adriana tê-lo avisado da ameaça do senador de grampear seus telefones, só ganhou convicção de que estava sendo espionado durante o Carnaval do ano passado. Ele combinou com a mulher de passar o feriado em sua fazenda, na cidade de Esplanada, no interior da Bahia. Como já suspeitava que estava sendo seguido, não contou seus planos a ninguém, nem aos funcionários da fazenda. Tomou o cuidado de pedir emprestado o automóvel de um amigo. Ao chegar à fazenda, começou a receber telefonemas anônimos perguntando por Adriana. Em seguida, apareceu um carro da Polícia Militar na porteira. O policial pediu para entrar e perguntou: ?Sua mulher está aí??. O advogado estranhou a pergunta. ?É que houve uma fuga no presídio daqui e os bandidos estão escondidos na região?, disse o policial. Durante todo o Carnaval, um carro da polícia ficou parado na porteira. Na casa, os telefones continuaram a tocar e uma voz dizia: ?Cuidado! Vocês podem ser vítimas de seqüestro?.

O presídio da região, chamado Advogado Ruy Penalva, é o único na área de Esplanada e abriga 100 internos. ?Aqui, só houve fuga quando o presídio foi inaugurado. Dois presos fugiram, mas a inauguração foi há oito anos?, disse a VEJA o coordenador administrativo do presídio, Diógenes Benevides Rocha. Ao voltar para Salvador depois do Carnaval, Plácido estava tão assustado que redigiu um ?Ato de Última Vontade?, no qual ele dizia que, caso lhe acontecesse algo, seus bens deveriam ser administrados pelos filhos. ?Depois dessa viagem achei que alguma coisa poderia acontecer comigo.? Mas era só o começo. Com os telefones grampeados, como comprovou uma investigação da Polícia Federal, o casal tinha os passos monitorados. ?Havia sempre alguém nos seguindo, qualquer que fosse o lugar?, diz Plácido. A perseguição era ostensiva. ?Carros com placas frias ficavam o tempo todo parados em frente a nossa casa. Quando saíamos, eles iam atrás.? Plácido e Adriana pararam de ir ao shopping center, tamanho era o constrangimento. ?Do meio da multidão aparecia alguém, de repente, e ficava tirando fotos da gente. Depois vinha outro e filmava. Isso era uma rotina para nos intimidar.?

Certa vez, o casal decidiu jantar no restaurante Baby Beef, em Salvador. Plácido conta que, do lado de fora do estabelecimento, havia homens ?rondando, fotografando e filmando?. Era tão ostensivo que os seguranças do restaurante resolveram abordar os homens. Eles correram e saíram a bordo de um automóvel. As placas eram frias. ?Eu me lembro disso. Eles estavam dentro de um Gol?, disse a VEJA um dos manobristas, Adilson Meira da Rocha, que trabalha há dois anos no local. As coisas pioravam rapidamente. Até os amigos do casal estavam se afastando, devido ao transtorno público quando saíam à rua. Um dia, o dono de uma empresa de segurança telefonou para o advogado e foi explícito: ?Recebi ordem para rescindir o contrato com vocês por determinação do governador?. Explicou que sua empresa vivia de obras do governo e completou: ?Você sabe por que estão fazendo isso com você?. Dias antes, Plácido conversara ao telefone com o empresário, ocasião em que discutiram sobre uma ação na Justiça. Era mais um indício de que estava grampeado.

Mas, para ter certeza, Plácido conta que combinou com um amigo que manteriam, em tom sério, um diálogo comprometedor para ver o que acontecia. Ele então ligou para o amigo Antônio Barreto. Disse que estava se internando num spa para perder alguns quilos, pois recebera convite de uma revista gay para posar nu e, afinal, precisava de dinheiro. Dias depois, o resumo da conversa virou uma maldosa nota, publicada no jornal Correio da Bahia, de propriedade de ACM. ?Tivemos certeza a partir desse dia de que os telefones estavam mesmo grampeados?, conta o amigo Antônio Barreto. ?A nota no jornal do senador prova que ele sabia de tudo?, completa Plácido. Nesse mesmo mês, a perseguição chegou ao ápice. Ele e Adriana saíam do fórum no início da noite quando foram parados por uma blitz da Polícia Militar. Sem perguntarem nada, os policiais colocaram o motorista deitado no chão, com as mãos segurando o pescoço. Plácido quis protestar e um dos policiais lhe encostou um revólver na cabeça. ?Revistaram o carro, queriam que Adriana mostrasse a bolsa. Foi humilhante?, relembra o advogado.

Nessa mesma época, o casal começou a desconfiar que sua empregada doméstica estava passando informações sobre o que acontecia dentro de casa. Ela conhecia ACM dos tempos em que o senador manteve seu romance com Adriana. Um dia, a empregada repassou um recado de ACM. ?Ele mandou dizer que Plácido não é homem para a senhora?, teria dito a empregada. O casal pressionou-a a contar o que estava acontecendo e veio a confissão. A empregada disse que recebera 3.000 reais de interlocutores de ACM, a título de ajudar a construir sua casa. ?Na verdade, ela estava nos espionando?, diz Plácido. A empregada, Ana Santana, acabou demitida pelo casal. Na semana passada, VEJA encontrou-a em seu novo emprego: trabalha como secretária no gabinete que Antonio Carlos Magalhães Junior mantém no Correio da Bahia. Indagada, por telefone, sobre se algum dia trabalhou para o casal Plácido e Adriana, ela se esquivou: ?Não quero falar sobre isso, não vou falar sobre isso?. E desligou o telefone.

Agora em fevereiro o casal pensou em passar férias no mesmo spa onde se conheceu, em novembro de 2001. Não deu. Plácido conta que o dono do estabelecimento disse que, se aceitasse a reserva, sofreria uma devassa fiscal. Na semana passada, VEJA conversou com um dos donos do spa, Luis Carlos Viana Barbosa. Deu-se o seguinte diálogo:

Barbosa – É, houve realmente alguns problemas com a reserva do doutor Plácido.

Veja – Que tipo de problema?

Barbosa – Prefiro não comentar.

Veja – O doutor Plácido disse que vocês foram pressionados por pessoas ligadas ao senador ACM para não hospedá-lo aí com Adriana.

Barbosa – Ele disse isso?

Veja – Disse.

Barbosa – Então…

A central de grampos clandestinos na Bahia foi montada dentro do governo do Estado. Em outubro de 2001, na cidade de Itapetinga, no interior da Bahia, duas crianças, de 8 e 12 anos, foram seqüestradas. O crime chamou a atenção e coube à delegada Ângela Sá Labanca investigá-lo. Nos dois meses em que trabalhou no caso, a delegada praticamente o esclareceu. Fez 86 pedidos de quebra de sigilo telefônico de 42 números de telefone suspeitos, conseguiu prender dez criminosos e afastou-se do caso em dezembro de 2001. Três meses depois, outro delegado, dessa vez o poderoso Valdir Barbosa, conhecido na Bahia por sua perícia em elucidar seqüestros, inesperadamente retomou o caso. Alegou que ?trabalhos realizados por prepostos? haviam identificado ?novos números para onde provavelmente deve estar chamando um dos mentores do delito?. Com base nisso, o delegado solicitou, de início, ?o monitoramento, rastreamento e escuta? de 24 linhas telefônicas. Nessa primeira lista, enviada à Justiça no fim de março de 2002, já apareciam os números de Plácido, seu pai e seu então sócio.

Em cinco meses, o delegado Valdir Barbosa apresentou nada menos que 379 pedidos de quebra de sigilo telefônico, envolvendo 190 números diferentes – e, de todos os números identificados até agora, nenhum tinha ligação alguma com o seqüestro no interior da Bahia. Todos os pedidos foram autorizados pela juíza Tereza Cristina Navarro Ribeiro. No começo, as solicitações do delegado levaram até dez dias para ser aprovadas. Depois, houve pedidos deferidos no dia seguinte. Houve, também, solicitações em que um número de telefone aparece rasurado a mão. Num caso, o despacho da juíza autorizava a escuta telefônica num celular da Bahia que terminava com a seqüência 6080, mas a rasura corrigiu os números para 7080, final do celular do deputado Geddel Vieira Lima, inimigo de ACM. Nessa época, o delegado Valdir Barbosa era assessor especial da então secretária de Segurança Pública da Bahia, Kátia Alves. Seu principal auxiliar era Alan Souza Farias, que, por sua vez, ocupava a função de assessor técnico do gabinete.

A grampolândia baiana ficou ativa por mais de cinco meses. Nesse período, o deputado Geddel Vieira Lima começou a desconfiar que seu telefone estava grampeado. Entre agosto e setembro, pediu três vezes à Polícia Federal que fizesse uma varredura em cinco linhas telefônicas. No final de setembro, Geddel e ACM tiveram uma ríspida troca de acusações por escrito. O senador mandou dizer ao deputado que ele estava autorizado a divulgar o que tivesse, ?carta ou até gravação?, sobre ?a advogada baiana, doutora Adriana Barreto?. Geddel respondeu à carta, e ACM retrucou com uma ameaça velada. ?Aguarde os acontecimentos pós-eleição?, escreveu. A ameaça voltou a levantar as suspeitas de grampo do deputado. ?Eu tenho convicção de que Antonio Carlos me grampeou e está envolvido nesses grampos todos. Tenho mais que indícios para provar o que estou dizendo. Primeiro, a troca de correspondência, em que ele me chantageava. Depois, pelas andanças dele em Brasília tentando distribuir dossiês a jornalistas. Além do mais, tenho informações internas de que a PF já está muito perto de comprovar o envolvimento dele no caso. O grampo na Bahia é um hábito de muito tempo.?

Há duas semanas, Geddel resolveu denunciar o caso. Primeiro, foi à sede da PF em Brasília. Entregou documentos de uma companhia telefônica e da Justiça mostrando que seu número estava entre os telefones grampeados. A essa altura, suspeitava-se que apenas ele, Benito Gama e Nelson Pellegrino estivessem sendo monitorados. Depois, descobriu-se que Adriana Barreto, seu marido e pessoas próximas também haviam sido vítimas de grampo telefônico. Na quarta-feira da semana passada, o jornal baiano A Tarde deu a verdadeira dimensão da notícia: havia uma montanha de grampos telefônicos, todos clandestinos, sendo monitorados pela Secretaria de Segurança Pública da Bahia. Na semana passada, o presidente do Tribunal de Justiça da Bahia, desembargador Carlos Alberto Cintra, desembarcou em Brasília para entregar ao ministro Márcio Thomaz Bastos, da Justiça, a lista das linhas telefônicas grampeadas. E a PF começou a investigar o caso.

No Congresso, começaram a ser ouvidos os primeiros pedidos de CPI, mas o presidente da Câmara, deputado João Paulo Cunha, não viu a idéia com entusiasmo. Afinal, o PT anda de braços dados com ACM e tem feito tudo para elegê-lo à presidência da poderosa Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Quando o caso se avolumou, o governo sutilmente afastou-se do senador e o deputado João Paulo Cunha subiu o tom. Disse que não havia nenhuma ordem do governo para esfriar o caso. Além disso, nomeou o deputado Luiz Antonio Fleury para acompanhar, na Bahia, o andamento das investigações da PF. O presidente do PT, José Genoíno, seguiu na mesma linha. ?Grampearam a cidadania na Bahia. É preciso fazer a Revolução de 30 na Bahia em nome dos direitos republicanos e individuais?, disse o líder petista, referindo-se à revolução que levou Getúlio Vargas ao poder e derrubou a República Velha.

ACM nega qualquer envolvimento no caso. ?Em primeiro lugar, tenho certeza de que a polícia vai explicar por que esse doutor Plácido está na lista dos telefones. O que se fala é que ele não é de bom conceito. É dado ao etilismo. Eu me reservo o direito de não falar nada sobre o grampo. Se houve, não será difícil ver o que existe sobre a vida desse advogado. No que diz respeito à doutora Adriana, essas declarações me causam estranheza. Sempre mantivemos boas relações. Inclusive, há alguns meses, quando ela ficou doente, eu a levei a médicos de São Paulo e da Bahia. Mantemos boas relações de cordialidade, mesmo agora. Fico constrangido ao falar de coisas íntimas. Só falarei quando isso se mostrar necessário. Sou um cavalheiro?, disse o senador.

Veja – O senhor mandou grampear os telefones de Adriana Barreto?

ACM – Não faria isso com ninguém, principalmente com quem me relacionei.

Veja – O senhor disse a ela que grampearia os telefones de seu atual marido?

ACM – Eu nunca falei isso a ela.

No auge da confusão, Adriana Barreto engordou 27 quilos, perdeu cabelos e teve problemas hormonais. Plácido, que é ex-promotor público e pertence ao Tribunal de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil, conta que ficou tão arrasado que precisou recorrer a tratamentos de saúde alternativos, já que os convencionais não surtiam efeito. ?Pensei em fazer uma besteira com esse velho, mas minha família me fez mudar de idéia?, diz ele. Além de adoecer, Adriana perdeu o emprego. Em 1992, foi contratada como ?oficial de gabinete do governador?, época em que o governo baiano era comandado por ACM. Sua contratação foi publicada na edição dos dias 25 e 26 de julho de 1992 do Diário Oficial do Estado da Bahia. Se conseguisse completar dez anos de serviço público, por força de uma lei estadual, Adriana ganharia estabilidade no emprego, mas foi demitida exatamente um mês antes. Sua demissão foi publicada no Diário Oficial na edição dos dias 29 e 30 de junho do ano passado. Desde que ela rompeu com ACM, seu pai, o desembargador Amadiz Barreto, não dirige mais a palavra à filha. Sua mãe também rompeu relações com ela.”

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“A nota suspeita”, copyright Veja, 19/02/03

“O advogado Plácido Faria conta que, no período em que suspeitava estar grampeado por ACM, teve uma conversa com um amigo ao telefone, no fim de julho. No diálogo, disse que estava indo para um spa e, simulando seriedade, comentou que queria emagrecer para posar na revista G Magazine, dirigida ao público homossexual. Dias depois, o advogado leu uma nota, publicada na edição de 1? de agosto do jornal Correio da Bahia, de propriedade de ACM. A nota, redigida com picardia, deu ao advogado a convicção de que seu telefone estava realmente grampeado. Sob o título ?Tempos bicudos?, a nota dizia o seguinte:

?A crise, não se iludam, é grave. Tanto que um advogado baiano, que viu sua clientela fugir e que tenta afogar suas mágoas no álcool, resolveu dar uma guinada de 180 graus em sua vida. Decidiu abandonar a profissão e abraçar uma causa mais lúdica, a luta contra o preconceito. Estuda, inclusive, um convite para posar para uma revista liberal, a G Magazine. Isto, embora as exigências feitas pela revista sejam um tanto humilhantes: primeiro, tem que perder boa parte dos seus cento e tantos quilos, e, segundo, sua face terá que ser remodelada no photoshop ou excluída das fotos. Mas, disposto a dar um salto em sua vida, ter novas experiências, se internou no spa para perder uns quilinhos?.”