Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Política, espetáculo e apatia

DEVER DE CASA

Wilson C. Ramos (*)

Pode passar despercebido do grande público o comportamento ? cada vez mais explicito ? dos políticos diante dos meios de comunicação. Assim como a espetacularização da notícia (José Arbex Jr., Showrnalismo ? A notícia como espetáculo, 2001), o campo político é tomado pelo show da vida, o envolvimento do real com o imaginário, das verdades e mentiras. O que realmente poderá ser realizado confronta-se com as promessas. A propaganda pessoal e partidária perde espaço para a contra-propaganda, quase sempre a difamação do adversário.

A importância dos meios de comunicação em nosso cotidiano ? principalmente a TV ? empurra o discurso programático para segundo plano, cedendo espaço à performance, ao estético, ao enquadramento na tela da imagem do político (aqui, já travestido de ator).

Do monólogo dos anos 1960 para a conversa dos dias atuais, "a mediação da vida política introduziu alterações inclusive no discurso político", escreve a pesquisadora do Centro de Pesquisa de Documentação do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FGV), Alzira Alves de Abreu (A modernização da imprensa no Brasil, pág. 52, 2002), observando a mudança no comportamento dos políticos em relação à mídia.

Exemplos vivos não faltam. O eterno candidato Paulo Maluf sempre soube usar as imagens de suas grandes obras do passado (grandes no tamanho) como alegorias de um suposto desenvolvimento; as caminhadas matutinas do então candidato à presidência da República Fernando Collor de Mello renderam boas imagens àquele que acabaria com os marajás; o Lulinha-Paz-e-Amor da última campanha presidencial é outro exemplo de uso dos meios de comunicação. Mais midiático do que nunca, soube explorar o imaginário popular com seus discursos eloqüentes e coloquiais, orientado pelo marqueteiro Duda Mendonça.

Para o pensador francês Jean Baudrillard (À sombra da maioria silenciosa, págs. 21 a 29, 1978), a maioria silenciosa (massa) é, nas últimas décadas, a perplexidade do político. Cada vez mais apolítica e só se manifestando em sondagens e pesquisas de opinião, essa maioria permite a criação de um dispositivo de simulação da realidade, em que o social é analisado em gráficos e números.

O que todos têm em comum é a utilização dos meios de comunicação (em forma de propaganda oficial ou noticiário) na produção de fatos e, principalmente, de imagens.

Da década de 1960, 70 no Brasil aos dias atuais, o método utilizado para medir o desempenho em debates é uma variável entre a apresentação diante da câmera de TV ? gestos, palavras, roupas, sorrisos, descontração etc. e a aceitação da opinião pública, grosso modo, a interpretação de sondagens feitas com amostra da população sobre um dado assunto (receptor).

Na visão de Muniz Sodré (O monopólio da fala, 7? edição, páginas 28 e 29, 1977), "a televisão é decididamente despolitizante. Considere-se, por exemplo, a função do medium nos debates entre Nixon e Kennedy (…). O que ali estava em jogo não eram realmente os conteúdos políticos dos diferentes discursos dos candidatos (…), mas o desempenho de cada um deles face o código televisivo". Em nota sobre o assunto, o autor diz: "No famoso debate entre os dois candidatos à presidência dos EUA a própria televisão era uma grande vedete, já que fazia naquela ocasião a sua estréia, como medium na comunicação eleitoral. O valor de ?novidade? do veículo muito contribuiu para o brilho e a repercussão do debate".

Para o centro

Sobre as eleições parlamentares brasileiras de 1974, comenta: "Em todos os casos, estava em jogo o desempenho televisivo, favorecido por idade, descontração, estilo ?universitário? e também, é claro, por um tom insolitamente crítico, que funciona como uma ?novidade? em face a conjetura da época".

O conteúdo programático, a idoneidade, as qualidades profissionais ficam em segundo plano, e o que prevalece é o performático, as instruções dos marqueteiros ? conselheiros de primeira hora ?, munidos de pesquisas e informações sobre os virtuais "desejos" dos eleitores.

Com a autoridade para falar de imagens e espetáculos e mostrar que o fenômeno é mundial, o cineasta Walter Salles (Folha de S.Paulo, 16/8/03, Ilustrada), em recente artigo, tratou do assunto. Sobre o astro de cinema Arnold Schwarzenegger escreveu que, depois de "anunciada sua candidatura para um cargo (governo do estado da Califórnia) dessa importância em programa de trivialidades televisivas, saiu-se com uma pérola logo na largada: ?Candidatar-me foi a decisão mais difícil que tomei depois que resolvi fazer depilação?". Fernando Rodrigues (Folha, 20/8/03) comenta outro fato político dos dias atuais. "Parecia o anúncio de um craque de futebol, e não a filiação de um político a cerimônia oficial de entrada de Antony Garotinho ontem no PMDB".

É de notar que após a queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética as ideologias ficaram sem chão firme. Diante de um quadro institucional cada vez mais complexo, o discurso direita/esquerda caminha cada vez mais para o centro ? aqui, uma social-democracia em estilo brasileiro ?, colaborando para um ambiente despolitizante. Vem sendo trilhado assim o caminho para sistemas políticos mais apáticos.

(*) Aluno do 2? ano de Jornalismo da Fac-Fito, Osasco, SP