Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Populismo e "comunicadores" populares

RORIZ vs. CORREIO BRAZILIENSE

Nélia R. Del Bianco (*)

O populismo sempre foi uma forma de fazer política no Brasil. Muitas vezes mais latente do que explicitada, a ideologia populista norteou o governo autoritário de Getúlio Vargas (1937-45) e de líderes carismáticos da democracia pós-guerra (1945-1964). A fonte principal de inspiração e referência do populismo é o povo. Não o povo como classe social, organizado em movimentos sociais, sindicatos e organizações não governamentais. Mas o povo representado por uma massa amorfa, passível de manipulação ao bel-prazer de quem governa. Convicto de ser o representante no poder dessa entidade quase mítica, o populista acha que pode fazer qualquer coisa para manter a sua autoridade.

Desde o primeiro mandato como governador nomeado, Joaquim Roriz segue à risca a cartilha do populismo. Assumiu o poder como líder carismático e personalista que encarna o papel de soberano e árbitro sobre o conjunto da sociedade. Fiel à tradição populista, julga-se acima do bem e do mal. Que erros um líder tão obstinado em representar o povo poderia cometer? Nenhum, diria Roriz, acreditando que ações em benefício do povo, legais ou ilícitas, já estariam legitimadas, a priori, livres de qualquer julgamento. Na ótica populista, os meios justificam os fins.

Controle para calar conflitos

Com essa forma de fazer política, Roriz tenta disfarçar os compromissos que assumiu com os interesses de setores ligados à grilagem de terras. Ao mesmo tempo em que doa lotes ao povo, permite grupos dominantes tenham os mesmos privilégios.

Ao exercer o papel de provedor geral de pobres e ricos, Roriz quer ser amado, adorado, bajulado. A crítica é para ele de todo intolerável. Ainda mais se exercida com critério, competência e cautela por uma imprensa livre que não mede esforços para apurar fatos que se quer esconder. É uma pedra no calcanhar que ameaça macular a imagem do protetor dos pobres.

A relação de Roriz com parte dos meios de comunicação de Brasília tem sido marcada historicamente pela exclusão da crítica. No rádio, em particular, construiu, a partir do primeiro mandato, uma estratégia de aproximação das classes populares por meio dos comunicadores populares.

Alguns comunicadores foram incentivados pelo governador a abrir espaço em seus programas para o ouvinte fazer queixas contra a falta de infra-estrutura em cidades-satélite e assentamentos. Ao colocar a queixa no ar, o comunicador assume o papel de intermediário e se propõe a levar o problema ao conhecimento do governo. A resposta é rápida. O governo tem um sistema de escuta de programas de rádio que registra tudo o que se fala. No dia seguinte, no máximo, um secretário, um técnico responsável ou até mesmo o governador liga para a emissora e dá uma longa entrevista informando as providências tomadas para o caso. O comunicador recompensa o entrevistado com fartos elogios à sua iniciativa e ao trabalho do governo.

Essa estratégia de comunicação poderia ser louvável não fosse seu caráter populista e demagógico. Aparentemente o comunicador presta um serviço à comunidade ao dar publicidade às suas queixas. Mas, na verdade, ele reproduz um comportamento político dominante ao intermediar reivindicações individuais em detrimento da ação coletiva organizada, favorecendo o contato direto entre o líder carismático e o povo. Assume o papel de salvador que representa os interesses do povo junto a um governo que é seu amigo, aliado e benfeitor.

A relação com os comunicadores é exemplar. Revela a estratégia de Roriz de querer controlar os meios de comunicação para fazer calar as contradições, os conflitos e excluir a crítica. Nesse jogo, perde o cidadão que ouve programas de rádio que não primam pela informação correta, completa e objetiva. A democracia em governo populista é um faz-de-conta.

(*) Professora da Faculdade de Comunicação da UnB e doutoranda em Comunicação na ECA-USP