Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Por novas técnicas de jornalismo

QUALIDADE DE ENSINO

Pedro Celso Campos

Professores e alunos do Departamento de Comunicação Social e do Departamento de Ciências Humanas da UNESP/Bauru (SP) estão discutindo a reformulação do projeto pedagógico e da grade curricular das habilitações em Jornalismo, Relações Públicas e Rádio e TV, para entrar em vigor no próximo ano.

Para cada habilitação foi nomeado um coordenador, que dirige os trabalhos de reformulação com os professores da área e a participação dos alunos. No caso de Jornalismo, o coordenador é o professor Murilo César Soares. Sugestões e contribuições serão apresentadas por escrito, conforme decidido na primeira reunião com o coordenador.

Respondendo há oito anos pela disciplina de Técnicas de Reportagem, Entrevista e Pesquisa Jornalística (TREPJ), no Departamento de Comunicação, alinho, abaixo, algumas observações para contribuir com o debate.

TREPJ é uma disciplina obrigatória, de quatro créditos, oferecida no primeiro semestre aos alunos do 3? Termo de Jornalismo. É a primeira disciplina prática com que se deparam os alunos após o primeiro ano de formação geral. Entre seus objetivos, avulta o de "produzir matérias jornalísticas em seus quatro gêneros: Informativo, Opinativo, Interpretativo e Recreativo".

Ao final de cada semestre letivo tenho colhido avaliações, por escrito, dos alunos, com sugestões para melhorias da qualidade do ensino desta disciplina, numa iniciativa que visa dar voz ao aluno, sem constrangimentos ? já que as manifestações não precisam ser assinadas.

De um modo geral, os alunos se mostram entusiasmados pela oportunidade de, finalmente, poderem escrever matérias de cunho jornalístico. Sentem-se ainda mais realizados quando se consegue fazer um jornal ? ou mais ? durante o semestre, aliando teoria e prática. No contato com os entrevistados, relatam que muitos reclamam da falta de continuidade dos produtos da UNESP. As publicações são eventuais, esporádicas, não têm seqüência. No primeiro semestre de 2001, por exemplo, quando conseguimos produzir, pela primeira vez, o jornal À Vista em cores, uma reportagem dos alunos denunciou o esquema de propinas cobrado pelo Sindicato da Economia Informal dos camelôs do Calçadão da Avenida Baptista de Carvalho, assunto que se tornou denúncia e escândalo na Câmara Municipal de Bauru no início do segundo semestre. Foi um "furo" dos estudantes do terceiro termo, conforme reconheceu a rádio 94,5 FM quando o assunto finalmente chegou à mídia convencional da cidade. Entretanto, os alunos reclamaram da falta de recursos para dar continuidade ao jornal, para dar seqüência à investigação. Na verdade, estavam programadas quatro edições do jornal para aquele semestre, duas para o diurno e duas para o noturno, mas os alunos do diurno se frustraram porque o dinheiro não foi suficiente para imprimir o jornal deles.

Em seus relatos sobre a disciplina, os alunos avaliam positivamente a experiência de fazer jornalismo de verdade nas áreas externas ao campus, de modo a travarem contato profissional com a comunidade e a perderem a timidez de fazer entrevistas para repercutir informações, checar fontes, planejar pautas… afinal, fazer jornalismo.

Além da necessidade imperiosa de o Departamento de Comunicação ter um jornal-laboratório regular, que veicule matérias de interesse para o leitor, e não apenas manifestações artísticas e culturais que, apesar de serem de grande valia, nem sempre ajudam o aluno a experienciar o timing de feitura do jornal, já que são matérias "frias", é preciso atentar para o principal objetivo da disciplina que é o trabalho com os gêneros do Jornalismo.

Jornalismo digital

Ora, é totalmente impossível trabalhar com o Informativo, o Interpretativo, o Opinativo e o Recreativo em apenas 15 aulas, pois cada um desses gêneros exige ampla produção textual com intenso referencial prático (do "fazer") e teórico (do "como fazer"), tendo em vista o avanço da especialização das mídias para atender a um público cada vez mais segmentado em seus interesses. Em nossos dias, a informação excessiva passou a necessitar de alguma reelaboração do próprio receptor para ser absorvida e compreendida. Daí a importância, por exemplo, do Jornalismo Interpretativo, que surgiu na década de 60 (no Brasil) com o Novo Jornalismo para dar conta de explicar, em detalhes, o que está acontecendo.

Daí a necessidade de visão crítica do profissional para não apenas passar a informação num pacote pronto, como delivery, sem maiores comprometimentos, quando se trata, pelo contrário, de assumir o compromisso e o dever ético de emitir opinião assinada e assumida sobre o assunto em questão. Por isso exige-se que os futuros jornalistas leiam exaustivamente e escrevam mais ainda. E que leiam boas obras, inclusive clássicos, para despertarem a própria sensibilidade no trato com a notícia e com as pessoas. Nesta disciplina tenho tido oportunidade de realizar excelente experiência com a exposição de grupos de alunos aos textos de Balzac, Flaubert, Machado de Assis, Fernando Morais etc., e ficaria ainda mais realizado se tivéssemos oportunidade de aprender alguma coisa sobre música clássica e teatro, porque o jornalista precisa aprender a se concentrar, a ter percepção para olhar em torno, a desconfiar da primeira versão que a fonte lhe passa, a sensibilizar-se com o drama do ser humano em vez de ser uma máquina fria que trabalha automaticamente e repete tudo o que ouve sem questionar. No mundo maquinal e alienado da indústria de bens simbólicos, cumpre ter sensibilidade para romper a alienação e despertar a sociedade.

Este discurso é para defender uma idéia imperiosa. Um semestre é insuficiente para TREPJ. É preciso desdobrar a disciplina em dois semestres ? ou torná-la anual ? de modo que no primeiro semestre se aplique algum tipo de Introdução ao Jornalismo e, no segundo, então sim, Técnicas de Jornalismo.

Por outro lado, o termo "pesquisa" não parece bem-aplicado à epígrafe da disciplina, uma vez que os alunos já têm, no primeiro ano, aula específica sobre o tema, quando fazem Metodologia. A palavra adequada seria "apuração": Técnicas de Reportagem, Entrevista e Apuração Jornalística.

Quanto ao conteúdo, esta é uma disciplina que precisa contemplar, urgentemente, as técnicas do Jornalismo Digital produzido em HTML. Segundo Alberto Dines, "jornalismo digital é, antes de tudo, jornalismo", isto é, tal qual o texto impresso, o texto eletrônico que rola na tela do computador pressupõe todas as regras de boa apuração, de clareza, de conduta ética etc. universalmente previstas para o jornal de papel. É uma manifestação de desinformação afirmar que o jornalismo digital não se aprofunda tanto quanto o de papel. Quem navega pelo hipertexto de um site jornalístico logo perceberá quantas camadas de informações estão sobrepostas, à sua disposição, bastando um leve toque no mouse para se aprofundar sobre o assunto, recorrendo a bancos de dados, matérias de arquivo, edições anteriores, links de interesse e tantas outras facilidades. Por trás de tudo isso está o jornalista, aquela pessoa que sabe apurar com rigor e transmitir com clareza, com preocupação ética, com empenho estético.

Empresa e sociedade

As pesquisas apontam para um futuro grandioso no jornalismo digital à medida que os anunciantes da TV aberta vão emigrando para a rede mundial de computadores permitindo, num futuro próximo, que tenhamos conexão gratuita 24 horas por dia, enquanto os fabricantes de equipamentos vão livrando o computador da tomada na parede ? tal qual aconteceu quando o rádio foi transistorizado ?, permitindo acessar notícias através de celulares, pagers, visores diversos etc., em qualquer lugar: na fila do ônibus, no carro, na sala de espera. Os sete milhões de usuários de internet que temos hoje no Brasil logo serão 70 milhões como nos EUA. O mercado está mudando, está se expandindo, e a escola não pode esperar acontecer, da mesma maneira que não pode esperar a TV e o rádio se digitalizarem para começar a discutir os efeitos desse processo na profissão.

Outra questão de grande importância para a melhoria da qualidade do ensino de TREPJ seria a possibilidade de, pelo menos uma vez por mês, os alunos terem contato com um profissional do mercado, para obterem uma visão mais prática e real do que está acontecendo de novo na área, para saberem os detalhes sobre a cobertura de uma reportagem específica. Esses convites poderiam ter um caráter interdisciplinar na medida em que conciliassem não somente os interesses de TREPJ, mas também as necessidades de Especializado, Comunitário, Impresso, Planejamento Gráfico etc., de modo a se convidar um profissional de cada área, todo mês, para um debate com todas as turmas de Jornalismo.

Essa providência ajudaria a reduzir o que o professor José Marques de Mello chama de "o maior desafio das faculdades de Comunicação" que é, segundo ele, "superar o divórcio com a indústria da comunicação". E aduz: "Sem abandonar sua vocação crítica, a universidade deve buscar formas de interação e de cooperação com as empresas públicas e privadas."

É paradigmático afirmar que a escola não deve formar apenas para o mercado, e sim para a sociedade. Isto é, não deve produzir "apertadores de botões", mas pessoas com massa crítica suficiente para reelaborar a visão dada do mundo real. A grande pergunta é se os jornalistas estão a serviço das empresas de comunicação ou a serviço da sociedade. De qualquer forma, "a escola não pode ser uma simples ponte para o mercado", como concluíram os estudantes de Comunicação reunidos em Vitória, em abril de 2001, para discutir a avaliação feita pelo Provão do MEC, em encontro organizado pela Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação (Enecos).

Pela participação do aluno

No mesmo encontro, os estudantes defenderam o debate democrático para a melhoria da qualidade do ensino: "O projeto só ganhará legitimidade se for construído a partir de uma perspectiva democrática em que todos os setores envolvidos são vistos e tratados como fundamentais." Também advogaram a causa da interdisciplinaridade:

"Os cursos não estão soltos no tempo e no espaço. Sua produção, os formandos e outras formas de integração com a comunidade influenciam e são influenciados pela sociedade que os cerca". Sobre a oportunidade de debates como o presente, em que se propõe a renovação do curso, os estudantes opinaram, em Vitória, que "para formar com qualidade a escola precisa sempre reavaliar seu conjunto". O documento aqui citado foi publicado em 18/4/2001 em <www.teste.observatoriodaimprensa.com.br> sob o título Avaliação pra valer!.

Por que incluir nestas sugestões de melhoria do ensino de jornalismo ministrado pela UNESP de Bauru as esperanças e reivindicações dos alunos? Naturalmente porque eles são o nosso público-alvo, são os sujeitos do trabalho desenvolvido no Departamento e, como sujeitos, devem ser ouvidos. Eles querem discutir, por exemplo, a relação "professor-aluno", querem quebrar a verticalidade do "quem ensina a quem", querem repensar essa coisa medieval de que "o professor sabe tudo/o aluno não sabe nada, portanto o professor manda e o aluno obedece".

A visão dos alunos está inserida na moderna visão do papel social da universidade que, a partir do século 19, deixa de ser centro de ensino para se tornar centro de investigação e pesquisa. A missão do mestre é muito mais fazer progredir a pesquisa do que ensinar ou guiar o discípulo pelos caminhos da ciência e do saber. Segundo Carl Rogers, "a facilitação da aprendizagem significativa baseia-se em certas qualidades de comportamento que ocorrem no relacionamento pessoal entre o facilitador e o aprendiz". Para Aristóteles, "o ensino é o ato comum do professor e do aluno". Segundo Diaz Bordenave, o professor universitário deve estar ciente de que sua maior responsabilidade "não é produzir profissionais competentes, embora rotineiros, senão contribuir no desabrochar de personalidades autônomas e originais, capazes de repensar a realidade presente e forjar uma nova realidade". Na visão de Maria Célia de Abreu e Marcos Tarciso Masetto (O professor universitário em aula, São Paulo, MG Ed. Associados, 1990), "o papel do professor universitário é facilitar a aprendizagem de seus alunos: Não é ensinar, é ajudar o aluno a aprender; não é transmitir informações, mas criar condições para que o aluno adquira informações; não é fazer brilhantes preleções para divulgar a cultura, mas organizar estratégias para que o aluno conheça a cultura existente e crie cultura".

Para Habermas não tem sentido discutir um processo no qual os sujeitos não estejam incluídos. Sem aluno não existe escola, daí a necessidade de construir o novo projeto do curso com ampla participação dos alunos.

Ética não é apêndice

Um mês antes de assumir a disciplina de TREPJ na Unesp/Bauru, em agosto de 1995, fui a Brasília participar, como aluno de Mestrado, do I Seminário sobre Qualidade de Ensino de Comunicação, na Universidade de Brasília (onde me formei em 1976), pela Enecos, de 15 a 22 de julho daquele ano. Desse encontro nasceu o Movimento Nacional pela Qualidade de Ensino em Comunicação, cujo manifesto foi assinado por representantes da Enecos, da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Compôs); da Sociedade Brasileira para Estudos Interdisciplinares em Comunicação (Intercom), da Associação Brasileira das Escolas de Comunicação (Abecom), da União Cristã Brasileira de Comunicação (UCBC), da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e da Federação Interestadual dos Trabalhadores em Empresas de Rádio e Televisão (Fitert). As conclusões do encontro foram encaminhadas ao MEC e só anos mais tarde é que surgiu o Provão. A nova LDB também inclui sugestões tiradas daquele encontro. Pela atualidade do documento de 1995, por seu caráter fundante no debate sobre a qualidade do ensino em comunicação, convém reproduzir as conclusões principais da Carta de Lançamento do Movimento Nacional pela Qualidade de Ensino em Comunicação:


** As escolas não podem ser meras qualificadoras de mão-de-obra;

** Os cursos devem promover uma reflexão ética sobre a sociedade contemporânea e sobre o papel estratégico que a comunicação exerce nela;

** O projeto pedagógico deve contemplar uma formação ética e teórica, interdisciplinar, e capacitação técnica suficiente para o ingresso no mercado;

** Tal projeto deve compreender pesquisa e extensão de modo indissociável e dinâmico;

** A escola deve estar pronta para introduzir o estudo de novas tecnologias não somente sob o ponto de vista técnico, mas ético e estético;

** A escola deve interagir com o mercado e com a sociedade na qual está inserida;

** A relação da escola com o mercado não deve ser de subordinação: é preciso interferir nele investigando e trabalhando com as novas perspectivas que se apresentam;

** A escola deve exercer autonomia curricular, elaborando seus currículos em função da realidade em que estão inseridos e do perfil traçado para o curso;

** Quando possível, as Comissões de Qualidade de Ensino devem incluir profissionais do mercado para evitar o isolamento da universidade;

** É importante que o professor pós-graduado não perca seu vínculo com a graduação;

** Deve-se viabilizar formas de garantir a presença de profissionais do mercado em sala de aula oferecendo visões diferentes para a formação do aluno, além de se criarem outras formas de contato com o mercado;

** Sugerem-se debates interdisciplinares com a presença de profissionais e entidades sindicais;

** Além de laboratórios, as universidades devem contar com veículos próprios, como jornais-laboratório, rádios e TVs universitárias, permitindo ao aluno ir além da simulação de mercado e experimentar novas linguagens e formatos;

** É chegada a hora de rever a proibição do estágio em jornalismo.


Como se pode notar, há grande insistência na palavra "ética". Isto parece recomendar que a disciplina de Ética seja mais valorizada e que possa situar-se no primeiro ano do curso, e não no último porque, da mesma maneira que "jornalistas não podem ser éticos sozinhos", como reconhece o professor Nilson Lage (A reportagem ? teoria e técnica de entrevista e pesquisa jornalística, Rio, Record, 2001), uma vez que também as empresas jornalísticas devem agir eticamente evitando "usar" o profissional em lugar de colocá-lo a serviço da comunidade, também o professor não pode ser ético sozinho. Afinal, se cada um criar sua própria ética, ao fim e ao cabo não teremos ética nenhuma. O estudo do ético e do moral é necessário exatamente porque, conforme Durkheim, citado por Lage, "cada consciência vê as regras morais sob uma luz particular". Ele toma Karl Marx para explicar que a ética é a superestrutura de relações essencialmente econômicas, concluindo, então, que "a ética dominante atual é a do capitalismo extremado, o que também significa, eventualmente, nenhuma ética".

Essa visão crítica que leva o aluno e o professor a se portarem
eticamente do começo ao fim do curso não pode ser
passada depois que o curso acabou, ou quando o aluno está
para entrar no mercado, como se ética fosse um mero apêndice,
um acréscimo, uma matéria de apenas dois créditos,
algo desimportante. Pelo contrário, seria bom que em toda
disciplina fosse introduzida pelo menos uma aula com abordagem ética
sobre o tema tratado. Assim, seria conveniente que se falasse de
ética ao longo de todo o curso, e não apenas no primeiro
ano. Espero ter contribuído com a abertura desse debate sobre
Qualidade de Ensino de Comunicação na Unesp de Bauru.

(*) Professor MS de Jornalismo Comunitário
na Unesp/Bauru; diretor por 18 anos do Jornal Interior, de Penápolis-SP.
Site: <planeta.terra.com.br/educacao/pedrocampos>