Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Prazeres e desgraças das novas mídias

ERA DIGITAL


Lucas Fernandes (*)


"Na virada do século, percebemo-nos "cidadãos do mundo" ? não no sentido de pessoas viajadas, mas sim das que compartilham um mesmo cotidiano. Marlboro, Disney, fast-food, lojas, chocolates, televisão, computadores invadem nossas vidas, nos constrangem ou nos libertam, fazem parte do dia-a-dia. Esta é uma reflexão sobre a mundialização da cultura e a inevitável reorientação das sociedades atuais." (Ortiz, 1994)


Hoje, estamos diante de uma nova ruptura cultural: a substituição da cultura da escrita pela cultura multimídia. Os textos "Ontologia e antropologia virtuais" e "Ética da informação", de Anton Kolb e Wolf Rauch, respectivamente ? retirados do livro Ciberética (responsabilidade em um mundo interligado pela rede digital), organizado por Anton Kolb ?, revelam muitos dos sinais das transformações tecnológicas, desde o aparecimento da cultura oral, por volta de 500 a.C., na Grécia Antiga, passando pela Grécia Clássica dos séculos 4 e 5, momento no qual acontece a ampla difusão da cultura escrita.

Já na década de 1990, a revolução digital concentrou-se em torno da internet. Com mais de 100 milhões de usuários que, segundo se calcula, chegarão a mais de um bilhão em algum momento desta nova década, a rede está se transformando em algo que nenhum empresário, político ou simples curioso de nosso século poderá ignorar. A primeira década do século 21 trará mudanças de longo alcance e grandes transformações na economia, na política, na educação, no entretenimento e em todos os setores da nossa sociedade. O advento da internet marcou o surgimento de um novo e poderoso meio de comunicação humana, que poderá superar todas as revoluções anteriores ? a imprensa, o telefone, a televisão, o computador ? no que se refere a seu impacto em nossa vida econômica e social.


"Novos meios de comunicação, tais como redes de computadores, linguagens de consulta a bancos de dados, comunicação móvel etc. tornam possível saltar de um pensamento a outro, estabelecer conexões por associação e, com isso, mover-se em um texto tal como em uma rede multidimensional". (Kolb, pp. 61, 2001)


A esses novos instrumentos de junção de informações vem somar-se uma mobilidade de comunicação jamais vista, possibilitada pela telefonia celular e pela comunicação via satélite. Estamos na era dos novos meios de comunicação, dos computadores e da internet.

Novas batalhas

A era digital pode trazer um momento com chances e riscos para a sociedade. Os otimistas anunciam um mundo melhor, novo, que concretizará, finalmente, noções de humanidade, individualidade, liberdade e comunicação, sendo a internet "a rede de todas as redes". Já os pessimistas temem pelo fim das noções de humanidade, possibilidade de contato físico, identidade, o fim da realidade real. Primeiro os otimistas com sua sede pelo novo, em seguida os pessimistas com seus medos. No abismo que hoje parece insuperável entre pessimistas e otimistas em relação aos benefícios e malefícios trazidos pelo advento do computador, da internet e da realidade virtual estão duas certezas ? para os otimistas a internet é o reino dos céus: passado, presente e futuro, tudo está interligado e disponível na rede digital. Para os pessimistas o computador é o começo do fim, e a internet fará o ser humano mais mesquinho, individualista e menos coletivo.

No texto encontrei a seguinte passagem:


"As novas tecnologias da informação, interligadas mundialmente, estão relacionadas à globalização da economia, à manipulação da informação genética e, com isso, potencializam tanto o poder como a impotência do ser humano. É possível prever o aprofundamento da divisão social em classes: de um lado, os ricos em informação; de outro, os pobres desprovidos de informação". (Kolb, pp. 7, 2001)


Momento de reflexão. Quer dizer, com a chegada da internet os ricos ficarão mais ricos e os pobres mais pobres? Numa era com tanta evolução e transformação sabemos perfeitamente que as informações disponibilizadas pela rede digital não são para todos. Só os "bem-nascidos" podem usufruir deste vasto bem tecnológico. Os flagelados da sociedade, ou melhor os "mal nascidos", no momento ainda não podem participar desta empreitada computadorizada. Para concluir o raciocínio, podemos destacar a afirmação de Anton Kolb: "Informação ainda não é comunicação". Um dos principais problemas do futuro consiste em relacionar viabilidade econômica e solidariedade, informação com humanidade. Informação e conhecimento têm preço, e no momento só os "bem nascidos" têm dinheiro para navegar pelo ciberespaço.

Nas últimas décadas passamos por vários terremotos tecnológicos, culturais e sociais, e percebemos as dimensões dessas transformações de traços angustiantes. Em particular, o crescimento das metrópoles e suas conseqüências sociais e culturais por volta da Primeira Guerra Mundial (1914-1918); os fenômenos de massificação urbana e as batalhas sociais pelo controle da sociedade, batalhas essas que continuam sendo travadas atualmente, como entre liberais e conservadores na disputa pelo poder político, entre bandidos e policiais pelo poder nas ruas, as dos flagelados e catadores de papelão na luta diária pelos restos orgânicos e recicláveis dos depósitos de lixo das cidades; vimos o surgimento de movimentos organizados de massas, a exemplo do feminista; vimos o advento do marxismo e da Escola de Frankfurt, que inaugurou o estudo crítico da comunicação nos anos 30, ou a criação dos grandes poderes burocráticos ? peças de um mosaico histórico violentamente dinâmico, em que os indícios e as esperanças de progresso, de racionalidade ou democracia sociais se conjugam confusamente com visões coletivas de decadência, destrutividade e violência totalitária.

Reestruturação poderosa

De um modo particular, todavia, os movimentos artísticos das primeiras décadas do século 20 tornaram manifestos os novos valores socializadores da cultura industrial: a fascinação futurista pelas grandes empresas industriais e pela mobilização das massas em escala industrial, na produção ou na guerra; a exaltação de uma visão da realidade e da existência caracterizada por sua fragmentação e seu automatismo, pelos contrastes abruptos e pelas formas agressivas, pelo culto das vivências extremas de violência, do torvelinho urbano e psicológico, da vertigem e da morte, no expressionismo ou no dadaísmo; as visões de uma vida desumanizada, socialmente humilhada pelos signos do poder e espiritualmente destroçada até os extremos da perversão, enfatizada pelas correntes realistas e dadaístas ? tudo ilustra com cores vivas a mesma perspectiva negativa da sociedade moderna colocada pela sociologia crítica do século 19.

A chegada da idade do maquinismo foi celebrada como a era da emancipação humana. Não obstante, a fundamental intervenção de novas tecnologias em benefício do terror e de formas autoritárias de dominação, desde as câmaras de gás do campo de concentração de Auschwitz e a bomba atômica de Hiroxima na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) até as novas formas de controle genético, informático ou midial da existência humana, e os fenômenos de degradação das culturas históricas colocaram sérios limites àquele sonho utópico de uma cultura integralmente racionalizada.

Daí as novas tecnologias surgiram e logo mudaram também os padrões da vida cotidiana e reestruturaram poderosamente o trabalho e o lazer. As novas tecnologias do computador substituíram muitos empregos e criaram outros novos, oferecendo novas formas de acesso à informação e à comunicação com outras pessoas e propiciando as alegrias de uma nova esfera pública informatizada.

Duas classes

Agora, a rede digital está se convertendo na base de criação de riqueza nas economias do mundo inteiro. Da mesma forma que as redes de energia elétrica, as estradas, as pontes e outros serviços constituíam a infra-estrutura de nossas velhas economias baseadas na indústria e na exploração dos recursos, a internet está se convertendo na infra-estrutura de uma nova sociedade do conhecimento e do entretenimento. Mas isso é no mínimo perigoso, estou convencido de que nenhuma sociedade pode ter êxito na economia global se não contar com uma infra-estrutura sofisticada da rede e com usuários ativos e bem-informados. No caso, é claro, não podemos esquecer que esses tais internautas são "bem-nascidos" com seus computadores Pentium e conexões turbo.

A verdade é que a internet está a cada dia consumindo mais espaço nas diversas áreas da economia e da sociedade. Com isso, é preciso alertar empresários, governantes e toda a sociedade de que para se efetuar a transição entre modelos de criação de riqueza é necessário triunfar no novo e dinâmico mercado global. E isso se deve ao fato de o mundo desenvolvido estar deixando de ser uma economia industrial, baseada no aço, nos automóveis e nas estradas, para converter-se numa economia digital, construída à base de silício, computadores e redes.

Mesmo com todo esse lado, digamos, bom da Era Digital, não podemos esquecer da questão: com o computador produzimos o homem de vidro? (Um homem frio, em seu quarto, que mais parece uma jaula, isolado e solitário). Afirma o texto: "Segundo comprovam pedagogos ? o indivíduo após intensa atividade ao computador diminui a percepção do mundo circundante, a referência à realidade, a integração social". (Kolb, pp. 38, 2001). Ou seja, cresce também a sociedade dividida em duas classes, a ruptura social e cultural, entre "ricos em informação" e "desprovidos de informação".

Um aviso: cuidado!

O que esperar então da rede? O que esperar deste rápido e avassalador meio de comunicação? A era digital e tão promissora, e ao mesmo tempo perigosa, e os indivíduos, as organizações e as sociedades que estão ficando para trás precisam com urgência saber que os novos meios estão mudando a forma de fazer negócio, de trabalhar, de aprender, de brincar e até mesmo de pensar. As pessoas precisam, sim, saber usar adequadamente o computador, mas sempre procurando não aceitar cegamente suas vantagens virtuais. O indivíduo precisa tentar compreender e interpretar o mundo do ciberespaço. Pois não podemos esquecer que esta mesma internet que veio para ajudar pode prejudicar. O conjunto de linguagens, conhecimentos e costumes que com o passar do tempo são adquiridos por um povo são postos no ar por meio desta nova tecnologia, mas de maneira um tanto banalizada. Na internet podemos encontrar desde pesquisas literárias, livros, jornais até porções maciças de pornografia e incitações ao terror, à criminalidade, ao uso de violência, ao tráfico de drogas etc.


"As novas tecnologias da informação, que aceleram a mudança em nossas vidas, forçam a humanidade a adaptar-se às novas relações no espaço e no tempo. Essa mudança radical exige um uso inteligente dos novos meios assim como dos instrumentos da informação. A transparência e o acesso global à informação serão necessários nos próximos anos para a atividade interativa e a solidariedade mundial. As perspectivas humanísticas e científicas devem reconciliar-se para que tais condições sejam alcançadas". (Cebrián, pp. 8, 1999)


Então, constatamos que a fronteira digital é um lugar de temeridade, confusão, incerteza, desastres e ameaças. Os efeitos positivos dos novos meios e das tecnologias da informação, entretanto, podem ser ampliados e suas conseqüências negativas diminuídas graças a uma democracia participativa, a um sentido de responsabilidade e consciência, ao exercício de direitos e deveres e à capacitação de todas as pessoas.

Líderes políticos e empresariais devem convencer-se da importância e das conseqüências da sociedade da informação. Os internautas precisam ser mais prudentes, sábios e perspicazes ao analisar as informações na internet. Já para aquelas pessoas que ainda não estão habituadas ao mundo online, um aviso: cuidado! Os prazeres e as desgraças da dança virtual já começaram. Preparem-se.

(*) Jornalista, pós-graduando em Comunicação Audiovisual pela PUC-PR

Referências

Cebrián, Juan Luis, A rede ? Como nossas vidas serão transformadas pelos novos meios de comunicação, São Paulo, Summus, 1999.

Kolb, Anton (org.), Ciberética ? responsabilidade em um mundo interligado pela rede digital, São Paulo, Loyola, 2001.

Ortiz, Renato, Mundialização e Cultura, São Paulo, Brasiliense, 1994.