Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Precarização do trabalho adulto X glamourização do trabalho infanto-juvenil

Betch Cleinman

 

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estes tempos de “modernização” forçada, a parada de sucessos vem sendo encabeçada pelas demissões em massa de trabalhadores. Racionalização de recursos, corte de supérfluos, reengenharia dos recursos humanos são algumas das justificativas apresentadas para o processo de reorganização do mundo do trabalho. Todos os esforços não devem ser poupados para agradar o novo rei dos tempos modernos: o consumidor. Mesmo que esse ser abstrato também esteja sendo posto no olho da rua.

E como a imprensa nacional está tratando os processos de desindustrialização do país e de concentração de renda, responsáveis por tanto desemprego? Se todos os pretextos são válidos para jogar, ou deixar, na rua milhões de desempregados, jovens ou idosos, homens ou mulheres, qual a explicação que vem sendo dada? Que estratégia os meios de comunicação estão nos propondo para enfrentar essa tempestade criada nos laboratórios da plutocracia planetária?

No suplemento de classificados de empregos da Folha de S. Paulo (25/10/98), podemos ler os conselhos dados por consultores de recursos humanos a executivos em vias de perder suas posições: “Tem de se movimentar e se atualizar para estar preparado para conseguir outro emprego.” Segundo eles, é preciso investir na formação profissional para “manter a empregabilidade”.

No suplemento Educação do jornal O Dia (10/11/98), o ex-secretário de Política Econômica Roberto Macedo empenha-se em transformar seus conhecimentos e experiências em receitas para jovens que devem optar por uma carreira profissional: “O fundamental é que a pessoa aprenda a aprender e seja flexível. Se um engenheiro não consegue emprego, ele tem que buscar outras alternativas, como fazer concurso ou conseguir um emprego no mercado financeiro. […] O estudante não deve casar com a sua profissão, mas apenas “ter um rolo”, ficar com ela. […] Quem não tiver jogo de cintura terá dificuldades.”

O processo de desindustrialização está acabando com postos de trabalho que exigem maior qualificação e mais anos de estudo. O processo planetário de concentração de renda vem tendo como efeitos a intensificação do trabalho familiar, com as pessoas gastando mais horas trabalhando e apenas um dos seus membros recebendo pagamento, bem como a diminuição de direitos trabalhistas e previdenciários, duramente conquistados ao longo da história.

Esses processos, no entanto, vêm sendo apresentados como meros efeitos da automatização e da última crise econômico-financeira. Matérias e entrevistas desse tipo, sem o menor sentido crítico, podem acabar por incutir nos leitores noções de que a perda de um emprego ou a dificuldade em encontrar uma nova situação são da responsabilidade do indivíduo. A culpa é pessoal: quem mandou não ser competente e manter a empregabilidade?

Diante dessas análises, é mais do que perfeitamente compreensível o sentimento de vergonha, de fracasso pessoal, que se apodera dos demitidos.

Carvoarias, canaviais, passarelas – Uma estratégia de sobrevivência para adultos desempregados é fazer com que os filhos menores ajudem no sustento da casa. No Brasil atual, cerca de três milhões de crianças dão duro em lavouras, carvoarias, ruas das grandes cidades para suprir as necessidades materiais de suas famílias. Muitas empresas, até mesmo multinacionais, dão preferência à mão-de-obra infantil, para economizar dinheiro que, em princípio, redundaria em preços menores para o consumidor. Na Europa e nos Estados Unidos, começa a tornar-se comum campanhas de boicotes a produtos feitos por crianças, como os tênis da Nike: ética no consumo.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069, de 13/7/90) considera criança, para efeitos legais, a pessoa até 12 anos incompletos, e adolescente, dos 12 aos 18. O artigo 6 dispõe que na interpretação desta lei devem ser levados em conta os fins sociais a que ela se dirige, bem como a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.

A Delegacia Regional do Trabalho no estado do Rio lançou recentemente uma cartilha do trabalhador adolescente buscando divulgar as circunstâncias e as condições legais para o trabalho do menor.

No Brasil, a idade mínima para o trabalho do adolescente foi fixada em 14 anos. O trabalho prematuro, além de expor a criança a riscos constantes como os de acidentes de trabalho, esforços desmedidos e perigosos, e vulnerabilidade a agentes nocivos, ainda prejudica a sua formação escolar e compromete seu desenvolvimento físico e psíquico, por forçá-la a um amadurecimento psicológico prematuro, como demonstram estudos da Organização Mundial da Saúde. Nos países em desenvolvimento, como o nosso, o limite mínimo para admissão ao trabalho do menor é ainda inferior ao dos países desenvolvidos.”

Segundo a cartilha, o que deve ser preservado é o direito de não trabalhar, devendo esse período de vida ser preenchido com o exercício do direito de ser criança.

E como a nossa imprensa apresenta o trabalho infanto-juvenil? O suplemento Educação de O Dia (17/11/98) faz um perfil de um jovem ator de 14 anos, Sérgio Hodjakoff, em que podemos ler que ele começou a carreira aos 4 anos de idade, fazendo campanhas publicitárias para marcas de refrigerantes e lanchonetes. No total são mais de 60 trabalhos. Antes da atual novela das sete, participou de programas infantis. Já fez quatro peças teatrais e, atualmente, “espera uma oportunidade para estrear na telona”. Segundo esse trabalhador-mirim, ele “não é nenhum CD-Rom de bolso, mas vai bem na escola: vai dar para passar de ano”. Não se informa se ele recebe direitos previdenciários e trabalhistas. Tampouco ficamos sabendo qual o horário de trabalho que cumpre na TV.

Já a revista Veja, com o padre-fenômeno na capa (4/11/98), na matéria “Operárias da beleza”, mostra meninas, cada vez mais jovens, disputando um espaço no mundo da moda e das passarelas.

“Junto com a Rússia e os países do Leste Europeu, o Brasil é um dos três grandes exportadores de beldades. O sucesso de Shirley Mallmann reforçou o cacife do produto nacional. […] Outro diferencial das brasileiras é que começam extremamente cedo. Pisar a passarela aos 13 anos já está deixando de ser exceção para virar regra. Nos Estados Unidos e na Europa, a idade média das iniciantes é de 16 ou 17 anos. A faixa etária encolheu tanto que pode ser enquadrada na categoria trabalho infantil. ?Quanto mais nova melhor?, afirma a representante no país da agência Ford.”

Enquanto as babies nacionais vão rebolando para complementar a renda familiar, Mick Jagger é apresentado no jornal O Dia (coluna Vip Vupt de 12/11/98) como um pai autoritário e careta. Ele ganhou essa definição da colunista, pois segundo a notícia teria proibido a filha de 14 anos de desfilar nas passarelas, por preferir vê-la somente na escola, concentrada em seus trabalhos escolares. “Sua carreira é uma bobagem, pois não precisa do dinheiro”.

O trabalho de carvoeiro, descascador de aipim, vendedor de balas em sinal de trânsito não tem o menor glamour e, talvez, mereça por isso dos nossos meios de comunicação esparsa cobertura tipo denúncia em preto e branco. Se de miséria ninguém gosta, bebês travestidos de bichinhos de pelúcia ou de lolitas inocentes úteis ganham páginas coloridas. Afinal, a imposição comercial não é faturar? Tudo pelo consumidor!

Será que o pessoal da Veja ao escrever sua matéria conhecia o livro O cabaré das crianças (Editora Espaço e Tempo), de Gilberto Felisberto Vasconcellos? Pois os termos ali empregados parecem ter-se inspirado em algumas das teses do livro.

Que se observe a pedagogia em torno da prostituição feliz como sendo a única estratégia da menina pobre, ou de classe média, de se dar bem na vida. A xoxota das meninas prostituídas não deixa de ser matéria-prima colonial de exportação, o que mostra como o espelho do corpo reflete nossa inserção precária no mercado mundial. Dentro do pacote neocolonial, também vai a entrega do subsolo do território brasileiro. Quem sabe não seremos o maior país exportador de pobres putinhas púberes do planeta?”

Não esquecer que o capitalismo financeiro não torce o nariz para meninos…

 

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