Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Primeiras palavras

CASO TIM LOPES

Affonso Romano de Sant?anna

"A história de um povo é também a história de seus assassinos", escrevia eu em torno de 1980. Dizia isto quase ironicamente comentando que assim como existe uma história da arte, da ciência, da religião, uma história dos assassinos e dos crimes forneceria elementos terríveis, mas necessários, para se entender uma cultura. Não sabia que como cronista estaria redigindo parte dessa história.

Por causa da repercussão do texto "Nós, os que matamos Tim Lopes", o editor Ferdinando Bastos de Souza pediu-me que reunisse as crônicas sobre a tragédia histórica e social que estamos vivendo. E, ao relê-las e selecioná-las, fiquei perplexo ao constatar que esses 22 anos de crônica registram a história da violência de nossos dias. Por mais que me esforçasse para não atormentar o leitor com temas depressivos e dramáticos; mas toda vez que a realidade sobrepesava eu acabava por registrá-la. Sem dúvida, ser cronista hoje é bem diverso do que era ser cronista nos anos 40, 50 e 60, quando os mestres do gênero se dedicavam a retratar uma vida simples, pacata, onde o humor e certa ternura predominavam.

De repente, de Lúcio Flávio a Elias Maluco, de Escadinha a Fernando Beira-Mar, dos garotos tipo Pixote a Carla e Zaca houve um agravamento do drama. Fiz questão de preservar a ordem cronológica das crônicas, pois revelam o agravamento da situação. Os textos vão registrando crescentemente os tiroteios na madrugada ao lado de nossas casas. Já não somos espectadores, mas atores e vítimas. Meninas de classe média namoram marginais, rapazes de classe média também assaltam, a violência se espraia pelas pequenas cidades outrora tão pacatas; e vamos erguendo cercas em torno dos prédios, postando seguranças em todas as portas, enquanto surgem seqüestros sob várias modalidades e eclodem arrastões nas praias. Impotentes, as autoridades autorizam motoristas a ultrapassarem sinais vermelhos à noite, os "bondes" de assaltantes fecham túneis, outros atacam delegacias, derrubam paredes da Polinter, e das penitenciárias os chefões do crime comandam rebeliões simultâneas em dezenas de presídios. Enfim, um descalabro crescente, que levou a imprensa a cunhar a sintom&aacuaacute;tica expressão "poder paralelo".

É nesse contexto que estes textos ganham infelizmente um outro sentido. Triste sentido. E na hora em que entrego esses originais ao editor leio nos jornais que daqui a dez anos a situação será incrivelmente pior.

Quem sobreviver, verá. Ou não.

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