Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Profecias e álibis impressos

PAUTA DE CRISE

Gilmar Antonio Crestani (*)

Nestes tempos tucanos, de muita plumagem e pouca massa cinzenta, as penas da escrita fazem eco à encenação. Como aquela ópera em que se ouve que "la donna è mobile come la piuma al vento" (a mulher é volúvel como a pena ao vento), também as penas que escrevem nos jornais oscilam às ondas de marketing do Andrea Matarazzo.

Com plumagem distintas, mas de matiz inconfundível, lêem-se colunistas como vaticínios de profetas. O vate da profecia, uma vez concretizada, se transforma no apóstolo do apocalipse. As notas curtas servem para serem interpretadas no futuro. Se vier a calhar uma aproximação ao antevisto, o colunista se dá ares de Nostradamus. Senão, esquece, inclusive todas as outras 99 profecias. E nessa insensatez marcham cronistas como Luís Nassif, para quem a incompetência sempre tem desculpa, posto que a intenção era boa. Mais que a agência, o colunista é o vivo. Vivo do verbo viver, como "vivo de informações privilegiadas", com o pomposo nome de "inside information"!

Nessa mesma linha, os jornais desenterram matérias pretéritas que lhes servem de álibis quanto aos fatos atuais. Justificam um silêncio eloqüente com um única nota perdida em algum canto de página num jornal de um ano atrás. Verdadeira batalha de "Resgate da Matéria Ryan"! A par dessa produção antecipada de provas, também viceja a venda de manchetes para a futura campanha eleitoral.

São aquelas manchetes bombásticas, com notas, quadros, fotos e gráficos vestidos de domingueira, mas que não merecem uma notinha sequer na segunda-feira.

As conquistas proporcionadas pelo Napoleão Bonaparte da sociologia instrumentalizaram-no a destituir o Diretório, hoje mais conhecido por Parlamento, por meio das permanentes medidas provisórias. Enquanto somava vitórias, não apareceu nesta pátria um Cromwell para pedir a cabeça do rei e defender o Parlamento. Bastou a Waterloo da privatização da energia elétrica para os jornais ressuscitarem seus jacobinos. Os mesmos que escreviam com antolhos, para não enxergar o que estava acontecendo na vizinha Argentina, e que não buscam debater outro tema candente: a privatização da água.

Bonaparte nasceu para a história com a expulsão dos austríacos do norte da Itália. Enriqueceu Paris na proporção do butim que extorquiu aos italianos. Para a história restou o famoso dito italiano: "Non, tutti i francesi sono ladri, ma buona parti". Daqueles tempos a esta parte, poder-se-ia dizer que nem todos no governo do professor Cardoso são ladrões, mas boa parte. Nem todos na imprensa se fizeram de moucos, mas boa parte, posto que esta também era parte interessada na repartição do bolo. Palavra esta apropriada para a comemoração dessa vitória de Pirro, haja vista que nele se acendem velas…

Janio de Freitas, na Folha de 3/6/01, escreveu que já nos anos 70 existia crise de energia. A dar crédito, os áulicos que a cortejaram enquanto jovem hoje apontam o dedo à crise balzaquiana: eu acuso! Profetas do passado, com a mão que afagavam agora apedrejam.

Tudo indica, pelos menos há quem comente na ONU que a água, num futuro não muito distante, será um bem mais escasso que o ouro. O governo do professor Cardoso, mesmo depois da Waterloo da energia, treina seu granadeiro da Advocacia-Geral para privatizá-la. Nesse ritmo, em breve teremos de pagar o ar que respiramos à White Martins. O Projeto de Lei 4.147, em discussão no Parlamento, passa batido na imprensa. Desconhecimento ou má-fé, parecem todos olhos e ouvidos do rei. Nada vêem, nada escrevem sem seu consentimento. É claro, uma notinha, uma matéria perdida em algum caderno sempre sai. É o álibi.

Se o governo do professor Cardoso não se sente em condições de garantir a água aos brasileiros, que pelo menos nos poupe de tanta incompetência, peça sua beca e retorne à Sorbonne. Mas, o que é pior, está mais fácil chamar a Corte do que a imprensa à realidade.

(*) Funcionário público federal, e-mail <crestani@ieg.com.br>

    
    
                     

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