Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Professor da UnB mapeia concentração dos meios de comunicação no país

O mercado mundial dos meios de comunicação é dominado hoje por 10 gigantescos conglomerados e 40 grandes empresas de expressão regional. Se Michel Platini calculou direito e 37 bilhões de pessoas terão assistido até 12 de julho aos 64 jogos da Copa do Mundo, um hipotético rateio do público entre essas 50 corporações daria 740 milhões de espectadores para cada uma ao longo dos 32 dias de competição. Segundo o Bureau do Censo americano, a população mundial era de 5.926.889.618 às 20 horas (Brasília) de 2 de julho de 1998. Logo, a média hipotética de audiência obtida acima perfaz toda uma população planetária em 8 dias e 13 minutos.

O professor da Universidade de Brasília Venício A. de Lima acaba de produzir um estudo fundamentado e claro que examina as características próprias do fenômeno no Brasil: o fortalecimento e consolidação das Organizações Globo, mediante expansão horizontal, vertical e cruzada da propriedade e a conservação do histórico domínio do setor por reduzidos grupos familiares e elites políticas locais ou regionais.

O estudo – “Globalização das comunicações: o novo e o velho no sistema brasileiro” – é reproduzido adiante. Detalha os negócios múltiplos dos maiores grupos: Globo/RBS, Folha/Abril, Estadão, Jornal do Brasil/SBT/Bandeirantes. Muita coisa entrelaçada. “João amava Teresa que amava Raimundo”… Quem nesta história será Maria, que ficou para tia?; quem será Joaquim, que se suicidou?

O que se desenha com nitidez no horizonte é a disputa cada vez mais renhida entre dois grandes conglomerados, um liderado pela Globo, outro pela associação Abril/Folha.

 

Entrevista de Venício A. de Lima a Mauro Malin

 

Em entrevista ao OBSERVATÓRIO, o professor Venício chama a atenção para uma data: a venda da Telebrás, em 29 de julho, em sua opinião “será decisiva para a configuração final da economia política do setor”. Critica também a falta de meios para a realização de estudos na universidade sobre os meios de comunicação no país.

O.I. – Ao tomar posse, em 1994, Sérgio Motta, na interpretação da Folha de S. Paulo, lançou um desafio ao predomínio das Organizações Globo e criticou o período de ACM à frente do ministério. O senhor diria que o ministro Motta foi derrotado politicamente, ou recuou? Até que ponto a manifestação de Motta, entendida na época como tradução do pensamento de FHC, de fato o era? Em caso positivo, a derrota ou o recuo – se houve – teria sido de FHC?

Venício A. de Lima – Não creio que Sergio Motta tenha recuado ou tenha sido derrotado. Não houve o veto previsto na época pela Folha de S. Paulo à exigência de consulta ao Conselho de Comunicaçãoo Social na Lei do Cabo (conferir o Art. 44 da lei) – o que houve é que o Congresso jamais instalou o Conselho – e, de fato, os critérios de concessão de canais de radiodifusão mudaram no periodo de FHC, nos termos previstos pela Constituição de 88. (O trabalho de Sylvio Costa e Jayme Brener [trata-se de reportagem, publicada no Correio Braziliense e republicada no O.I., sobre concessões políticas feitas no período em que Motta esteve à frente do Ministério; ver remissão abaixo] refere-se a RTVs, que não são canais, mas retransmissoras.)

Ademais, não acredito que tenha havido desafio do governo FHC à Globo, até porque ele se elegeu com o apoio de Roberto Marinho e porque o grupo que está no poder sabe muito bem da importância crucial que o apoio de RM tem para sua sobrevivência política. Creio que não houve nem há conflito de interesses porque tanto FHC como RM e ACM constituem um mesmo bloco de poder (no sentido gramsciano).

Mais grave é a inércia do governo FHC na criação de mecanismos que impeçam a propriedade cruzada no setor de comunicações, que tem favorecido a consolidacao dos grupos de RM e ACM. Aliás, respondendo a pergunta do deputado Fernando Gabeira em audiência pública realizada na Comissão de Comunicações da Câmara dos Deputados em 24/6/98, o Ministro das Comunicações declarou-se preocupado com o assunto e disse que o modelo do governo para tal controle é a Lei do Cabo. Nenhum dos presentes disse nada, mas o fato é que na Lei do Cabo não existe nenhuma provisão para controle direto da propriedade cruzada.

O.I. – O senhor tem uma explicação para a “redução de metas” da Anatel a que se refere em seu trabalho?

Venício A. de Lima – Tudo indica que essa redução decorre da pressão dos principais compradores potenciais da Telebras. Não querem nenhuma ameaça à grandeza dos lucros.

O.I. – Que processos o senhor observa no momento para chegar a novas conclusões? Há episódios decisivos em curso?

Venício A. de Lima – Creio que a venda da Telebrás – cujo leilão está previsto para o dia 29 de julho – será decisiva para a configuração final da economia política do setor. Apesar das anunciadas medidas preventivas do governo para garantir igualdade de tratamento aos grandes usuários da Embratel, por exemplo, a balança de poder mudará de acordo com quais grupos comprarem o quê.

O.I. – Seus estudos lhe permitem deduzir das recentes declarações de Boni ao Estadão (reproduzidas no OBSERVATÓRIO, ver remissão) uma avaliação da estratégia que ele pretende adotar para se reinserir no mercado televisivo, depois da pausa atual negociada com a Globo?

Venício A. de Lima – O que ele declara é que pretende tornar-se concessionário num futuro mercado segmentado de TV digital. Vamos ver.

O.I. – O senhor acha que a relevância do assunto requereria a realização de estudos monográficos sobre os diversos aspectos dos problemas mencionados, como concentração da oferta de TV por assinatura, verticalização da produção televisiva, etc.? Seria possível propor a alguns departamentos universitários uma divisão de tarefas de modo a obter um mapeamento mais detalhado desse panorama?

Venício A. de Lima – Essa é uma questão fundamental. Esse tema não tem recebido a importância que merece. Posso exemplificar com a recusa de financiamento pelo CNPq de projeto apresentado em julho passado pelo Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da UnB alegando que, apesar da reconhecida qualidade do projeto, o tema não era prioritário para a área de Comunicação. Qualquer pessoa que consultar o cadastro dos projetos que estão sendo atualmente financiados nessa área – disponível na Internet – verá que as prioridades passam longe de questões da economia política ou da relação entre mídia e política e/ou democracia.

Creio que se poderiam fazer estudos que integrassem áreas até agora consideradas de telecomunicações – por exemplo, telefonia com TV a Cabo, serviço de provedores de Internet. O problema no Brasil é que nem mesmo um levantamento dos verdadeiros concessionários de radiodifusão está disponível. O sistema RADI (Sistema de Radiodifusão) do Prodasen (serviço de processamento de dados do Senado), por exemplo, não é acessível para as universidades públicas. Essa é uma área crítica. Não há financiamento para pesquisa nem por parte do Estado e muito menos por parte do setor privado.

 

Globalização das comunicações: o novo e o velho no sistema brasileiro, Venício A. de Lima

 

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