Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Programa de educação pede socorro

ESCOLA BRASIL

Paulo José Cunha (*)

Na televisão, cada programa, se for visto por um ou por um milhão de telespectadores será sempre o mesmo único e exclusivo programa para um ou para um milhão de telespectadores. No rádio, cada programa é um programa diferente para cada ouvinte: 20 ouvintes, 20 programas, 1 milhão de ouvintes, 1 milhão de programas.

E sabe por quê? Porque, na tevê, todas as possibilidades de preenchimento dos "claros" são resolvidas pela presença da imagem. A tevê não abre espaço para a imaginação. Tudo vem pronto, fechado, empacotado, refeição pra viagem. No rádio, cabe à imaginação preencher os "claros" abertos pela informação auditiva. Cada ouvinte bota o "tempero" que deseja para tornar a receita mais apetitosa. Na tevê, não há escolha: Sônia Braga é e sempre será a cara da cabocla Gabriela, criação imortal de Jorge Amado. Mas, se fosse feita uma dramatização de Gabriela para o rádio com a voz de outra atriz, a cabocla de Jorge Amado teria tantos rostos & pernas & seios & cabelos & cor de olhos & dengue & sensualidade quanto fosse capaz a imaginação de cada ouvinte. Na televisão, resta exclusivamente a Gabriela-Sônia Braga; no rádio, posso ter diferentes, várias, infinitas gabrielas, tantas quantas for possível à imaginação dos ouvintes. E tanto é assim que, no período áureo da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, astros famosos evitavam ser fotografados para não quebrar o "encanto" da audiência.

Pois esta é e sempre será a grande força do rádio: a de permitir que o ouvinte participe, interaja, imagine, viaje na própria fantasia. Esta característica é que faz do rádio um dos mais formidáveis veículos de comunicação de todos os tempos. Chega a ser risível, portanto, o menosprezo com que de vez em quando se trata o rádio, sobretudo nas regiões mais remotas aonde a televisão não chega (ou chega apenas via satélite, exigindo parabólicas de preço proibitivo para a maioria dos moradores).

Pois bem. Há mais de quatro anos estreava toda manhã pelas rádios Nacional de Brasília e Nacional da Amazônia o programa Escola Brasil. Formato ágil, descontraído. Opção preferencial pelo bom humor. E a presença de tipos inesquecíveis como o matuto Luiz Alberto com seu jegue Helicóptero, a locução "conversada" dos apresentadores Carlos Eduardo, o Kadu, e Sandra Bacelar, e a participação de repórteres que sempre parecem estar "ao vivo" (embora o programa seja inteiramente pré-gravado a partir de um minucioso roteiro que prevê até os cacos da locução). Tudo isso fez com que o programa rapidamente caísse no gosto popular. Alicerçado em promoções que incentivam o contato do ouvinte com o programa, a média de 500 a 1.000 cartas mensais dos mais recônditos lugares do Brasil atesta o acerto do formato. Enfim, surgia e se consolidava um programa de rádio voltado para a mobilização em torno do Ensino Fundamental. E já chegava tarde, preenchendo uma lacuna aberta desde que saiu do ar na década de 70 o velho e enfadonho Projeto Minerva.

O programa é dirigido especialmente às populações da área rural e de pequenos municípios das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. E as cartas que recebe contêm queixas, denúncias e pedidos de orientação. A equipe de reportagem entrevista especialistas em educação, secretários, prefeitos, sempre buscando soluções ou orientando a comunidade a atuar de maneira participativa e consciente, uma obsessão dos editores. Hoje, a popularidade dos locutores nas vastas regiões atingidas pelo programa equivale à de ídolos da tevê nos grandes centros. O carinho dos ouvintes, comprovado nas cartas caprichosamente desenhadas ou até mesmo bordadas a mão, remete imediatamente ao período áureo do rádio brasileiro nas décadas de 40 e 50. O Escola Brasil conseguiu, a seu modo, reviver um pouco desta época.

O sucesso do programa é a prova mais evidente de que nenhum veículo de comunicação envelhece. O que envelhece é a linguagem utilizada. Ninguém ousaria fazer cinema atualmente na linguagem de Humberto Mauro. Ninguém ousaria fazer televisão nos moldes da antiga TV Tupi de São Paulo, herdeira do rádio empostado e empolado daquele tempo. Assim como ninguém teria coragem de fazer rádio como se fazia há cinco décadas. Exatamente aí reside o maior mérito do Escola Brasil: o programa encontrou o ritmo certo, a linguagem adequada, o timing exato para o público a ser atingido. Daí o indiscutível sucesso do programa, finalista dos prêmios Líbero Badaró de Radiodifusão, Ibero-Americano pelos Direitos da Infância e da Adolescência, Ayrton Senna de Jornalismo e Criança 99, da Fundação Abrinq, além do título de Jornalista Amigo da Criança concedido ao radialista Ayrton Medeiros, que coordena o projeto.

Com o encerramento do contrato com o Fundescola, se não aparecer outro patrocinador o Escola Brasil deve sair do ar no mês que vem. Só para comparar, cada vez que um anunciante paga à Rede Globo para rodar uma única vez um comercial de 30 segundos no Jornal Nacional este valor daria para custear mais de dois meses de veiculação diária do Escola Brasil, um projeto eficiente e, como se vê, muito barato.

O Escola Brasil, portanto, está pedindo socorro para não acabar.

Agora, dê um desconto de 90% em tudo o que acabou de ler, pois sou editor-chefe e um dos criadores do projeto Escola Brasil, com Ayrton Medeiros e Heloísa d?Arcanchy. E ainda não me conformei em deixar órfãos os milhões de fiéis e carinhosos estudantes, professores e diretores de escola que formam sua principal audiência e a cada manhã viajam pelo mundo da educação desde o dia 31 de dezembro de 1997, quando ele entrou no ar pela primeira vez.

(*) Jornalista, pesquisador, professor de Telejornalismo, diretor do Centro de Produção de Cinema e Televisão da Universidade de Brasília. Este artigo é parte do projeto acadêmico "Telejornalismo em Close", coluna semanal de análise de mídia distribuída por e-mail. Pedidos para <pjcunha@unb.br>