Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Projeto Trauma, contra a violência

 

Maria Angélica Dias Moreira

Assistindo à reportagem sobre cirurgia a laser para correção de miopia no Fantástico de domingo, fiquei muito indignada, a ponto de chorar, por ter sido mostrado apenas o lado bom da cirurgia. Talvez por desinformação o repórter tenha comprado a idéia de uma cirurgia totalmente sem riscos, o que eu acreditava que fosse verdade até o momento em que me operei. O Fantástico, como um programa de abrangência nacional e formador de opinião, tem a obrigação de informar às pessoas do risco que estarão correndo se não souberem escolher adequadamente o local onde se operar.

Poucos imaginam o que é uma infecção hospitalar nos olhos. Procurem saber o que aconteceu com os pacientes que se operaram no período de 19 de julho a 16 de agosto na Laser Ocular Brasil-Canadá (Casa de Saúde São José, 3º andar, Humaitá, Rio, RJ). São aproximadamente 50 pacientes com infecção adquirida, e pelo menos uns cento e poucos sob controle (detalhe: o número correto nunca nos foi fornecido). Nós, que adquirimos a infecção, infelizmente não tivemos a chance de partilhar da mesma alegria das pessoas mostradas na reportagem.

Ao adquirir a infeção, passamos por períodos de muita dor e angústia; além da dor física que beirava o insuportável vivemos a angustia de não saber como vai ser o futuro. A expectativa de cura, que um dia depositamos nas mãos dos médicos, hoje se respalda única e exclusivamente na nossa fé em Deus. A Laser Ocular foi fechada no dia 17 de agosto, e até hoje aguardamos o laudo do Institito Noel Nutels/Vigilância Sanitária, para saber em que momento da cirurgia fomos infectados. Foram realizadas cirurgias no dia 16, às vésperas do fechamento.

Cirurgia no shopping

Será que eles não sabiam, até aquele momento, o que estava ocorrendo? O tratamento está sendo conduzido pela própria Laser Ocular, e pelas Dras. Denise Freitas (SP) e Patricia Cantarine (RJ), que segundo eles são as maiores especialistas do Brasil no assunto. Sugiro que consultem estas médicas para checar o que estou informando.

Agora me expliquem, por favor, como uma cirurgia destas é realizada nos Estados Unidos num shopping, sem riscos para os pacientes, e aqui no Rio, numa das casas de saúde mais renomadas e caras do estado, acontece este tipo de coisa? Como o presidente da Sociedade Brasileira de Oftalmologia, entrevistado pelo Fantástico, não menciona este assunto? Estamos nos sentindo lesados no nosso direito de ter informações precisas sobre o nosso presente, e principalmente sobre o que acontecerá com a nossa visão após o tratamento. Queremos o laudo da Vigilância Sanitária sobre a causa da infecção! Estamos nos sentindo impotentes diante do lobby que está sendo feito para que a cirurgia pareça tão banal quanto uma visitinha ao dentista.

Todos os médicos que operaram seus pacientes na São José/Laser neste período argumentam que este tipo de risco (infecção) era completamente desconhecido até então, embora existam algumas poucas descrições na Internet sobre o assunto. Mas, a partir do nosso caso, já houve inclusive debates no último Congresso de Oftalmologia realizado em Recife, no mês passado. Qualquer oftalmologista de renome sabe o que está acontecendo, e a gravidade da situação. Por isto insisto em que este não é um fato isolado, muito menos uma "fatalidade", como argumentou um dos médicos, dono da Laser Ocular.

Hoje estou completando 50 dias de tratamento. Ler jornal é inviável, dirigir idem, até mesmo para ler um simples extrato bancário dependo da ajuda de outras pessoas, devido ao forte embaçamento de visão (estou com a infecção nos dois olhos). Voltei a trabalhar, para não ter meu salário reduzido caindo no INSS, mas o faço com muita dificuldade, pois sou estatística e dependo integralmente do computador para o meu trabalho.

Entretanto, parece que não é do interesse dos cirurgiões que este fato seja divulgado. A única matéria que saiu ate hoje sobre o assunto foi no jornal O Globo de 4 de setembro (pág. 21). De lá para cá, nada mais foi mencionado.

 

Em relatório divulgado em 20/10/99, o Greenpeace denuncia a presença do aditivo tóxico ftalato, em materiais feitos com PVC (cloreto polivinil ou vinil) de uso médico e hospitalar, em 12 países, incluindo o Brasil. Bolsas, frascos de soro, tubos intravenosos, seringas e catéteres foram examinados em testes de laboratório e evidenciaram, no caso brasileiro, a presença de 36% de ftalato DEHP, na composição de bolsas para soro de 1.000ml, produzida pela indústria Baxter.

A Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos considera o ftalato DEHP um produto potencialmente cancerígeno. Pode também causar outros possíveis danos à saúde humana, como irritação dos olhos, do sistema respiratório e da pele, e ainda prejudicar o desenvolvimento de fetos. O aditivo é aplicado ao PVC para tornar o plástico macio e maleável. Como não é ligado quimicamente ao material, pode se desprender e contaminar seu conteúdo: sangue, soro fisiológico ou demais medicamentos.

O coordenador de campanhas do Greenpeace Décio Rodrigues afirma que o uso de PVC em produtos de uso médico pode ser facilmente substituído, pois já existem alternativas no mercado. "Dos três produtos brasileiros examinados, dois frascos de soro não eram fabricados com PVC, o que evita o contato desnecessário com substâncias tóxicas", diz Rodrigues.

A indústria Baxter, cujo produto fabricado no Brasil apresentou taxas elevadas de ftalato, já anunciou o abandono do PVC na elaboração de produtos médicos fabricados nos Estados Unidos, prometendo estender a decisão às subsidiárias no mundo todo. "É importante exigir uma decisão clara das indústrias nesse sentido. Bolsas fabricadas com PVC foram encontradas no mercado brasileiro pelas análises realizadas pelo Greenpeace", diz Rodrigues, que alerta ainda para o risco decorrente da incineração do lixo hospitalar. "Não podemos esquecer que grandes quantidades de dioxinas, resultantes da queima de produtos hospitalares feitos com PVC, são jogados no meio ambiente, aumentando os riscos para a população."

A Associação Brasileira da Indústria de Brinquedos (Abrinq) já eliminou voluntariamente o uso do ftalato nos brinquedos, a exemplo de países europeus como a Áustria, Dinamarca e Finlândia. Crianças com menos de 3 anos podem levá-los à boca e, conseqüentemente, ingerir substâncias tóxicas.

Para mais informações: Marcelo Furtado – Campanha Internacional de Substâncias Tóxicas – Tel: (11) 3066-1165 ou 9169 7954; Décio Rodrigues – Coordenador de Campanhas do Greenpeace – Tel: (11) 3066-1182 ou 9241-5623; Renato Guimarães – Gerente de Comunicação –Tel: (11) 3066 1178 ou 9900 7796. O relatório em português pode ser obtido em www.greenpeace.org/br/biblioteca/relatonio/pvcbags.doc

 

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