Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Proposta de currículo consagra a não-profissão


Eduardo Meditsch

 

A principal proposta defendida pelos representantes da área de Jornalismo, na reunião da Comissão de Especialistas do MEC que debateu as diretrizes curriculares de Comunicação, foi solenemente ignorada pelos relatores do encontro: o respeito pela identidade das profissões. O que se defendia é que jornalistas, publicitários, relações públicas, cineastas, radialistas, editores e produtores culturais – o leque de profissionais atualmente compreendidos na área – definissem, cada um de seu ponto de vista, conteúdos, competências e habilidades requeridos para a formação profissional. A soma destas perspectivas geraria diretrizes comuns para o campo e específicas para cada uma das carreiras, trazendo vitalidade, competência e maior ligação da universidade com a realidade da sociedade e do mercado que demandam os seus profissionais.

Mas o que se viu no relatório foi o inverso: um palavrório vago que dissolve todas as identidades na figura do comunicólogo ou comunicador: “Graduação em Comunicação”, “graduandos em comunicação”, “campo geral da comunicação”, “futuros profissionais da comunicação”, “trabalhadores da comunicação”, “campo comunicacional” são termos repetidos à exaustão. Coerentes com eles, são definidos conteúdos, competências e habilidades tão amplos que poderiam identificar até mesmo um médico, um advogado e um historiador…

Nenhum antropólogo estava presente mas, se estivesse, poderia fazer uma analogia com a teoria dos não-lugares: a comissão do MEC ameaça oficializar a não-profissão, a profissão abstrata do “comunicador social”, que pode ser qualquer uma mas não tem identidade alguma.

A identidade profissional dos jornalistas – e dos demais profissionais da área – está sendo progressivamente destroçada nas universidades, substituída pela falsa identidade do “comunicador” – idéia introduzida no Brasil pelo Ciespal, nos anos 60, e alimentada ainda hoje por acadêmicos ingênuos e por interesses perversos de fabricantes de diplomas sem escrúpulos e de adversários históricos da categoria profissional.

Um estudo recente, promovido pelo Freedom Forum, nos Estados Unidos, propõe a volta dos cursos de jornalismo originais, pois lá como aqui a carreira universitária se descaracterizou de tal forma que já não se sabe mais o que forma. Não resta dúvida de que a comunicação social representa uma área de conhecimento e que, a partir dela, constituiu-se um campo acadêmico legítimo. Mas esta dinâmica, interna à vida universitária, jamais teve correspondência na vida profissional. A sociedade continua demandando jornalistas, publicitários, relações públicas etc. Não há um único anúncio classificado nos jornais oferecendo ou pedindo o trabalho de um “comunicador social”.

Para que não se destrua a possibilidade de formação profissional nos nossos cursos de graduação, é necessário encontrar para a comunicologia o seu devido lugar: em vez de se ocupar das profissões alheias, que assuma a sua, como uma nova habilitação. Que proponha os conteúdos, as habilidades e competências que considera indicadas, mas não para os outros. Aí sim, em igualdade de condições, poderemos dialogar sobre o que há de comum e o que deve ser preservado de específico em cada uma das profissões do campo.

Do contrário, vai ser difícil chegar a um consenso sobre as diretrizes curriculares. Em conseqüência, algumas universidades já estudam a possibilidade de utilizar a sua autonomia, garantida na LDB, para propor cursos de Jornalismo alheios a essas prováveis diretrizes. Simplesmente cortariam a palavra “comunicação” dos diplomas. Esta proposta tem a simpatia da Federação Nacional dos Jornalistas, que também vê com bons olhos a criação de uma Comissão de Especialistas em Jornalismo no MEC, como foi sugerido pela equipe que elaborou as linhas gerais do Provão.

Como ensinamos a nossos alunos, a ciência precisa ser humilde diante da realidade. É possível e desejável construir um campo de reflexão acadêmica a partir de um conjunto de práticas sociais estabelecidas, mas é duvidoso que esse campo progrida se insistir em negar justamente as práticas a que deve a sua existência. E três décadas de insistência infrutífera e desastrosa nos confirmam: não existe este “outro” profissional.

 

Em 24 e 25 de abril de 1999 será realizado na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP) o Seminário Nacional das Diretrizes Curriculares do Ensino de Jornalismo. O evento é uma iniciativa do Departamento de Jornalismo da PUCCAMP, com organização da Federação Nacional dos Jornalistas, Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares em Comunicação, Fórum Nacional dos Professores de Jornalismo e Observatório da Imprensa.

As fichas de inscrição estão disponíveis na Internet [veja endereço abaixo]. Não serão cobradas taxas de inscrição.

Seminário Nacional das Diretrizes Curriculares do Ensino de Jornalismo