Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Provão: aos fatos novos, para variar

Carolina Nogueira (*)

 

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Provão do MEC que avalia o ensino superior está na pauta do dia. Desde que o resultado da edição 98 do exame foi divulgado, a imprensa toda não se cansa de noticiar as médias baixas, os piores cursos, o fato de que apenas um curso obteve mais de 50% de aproveitamento nas provas. Como mostra a edição do OBSERVATÓRIO do último dia 5, estes aspectos povoaram as manchetes de quase todos os jornais na semana passada. A mesma edição do OBSERVATÓRIO critica o jornal O Globo por ter sido o único a dar um outro enfoque ao assunto. Ao contrário dos outros meios, O Globo noticiava em sua manchete: “Provão mostra melhoria no nível das universidades”.

Na semana passada, eu também fiz uma matéria sobre os resultados do Provão, para a qual precisei conversar com Tancredo Maia Filho, o diretor de avaliação de ensino superior do Inep. Longe de querer defender a postura empregada pelo O Globo em sua matéria, gostaria de dizer que não concordo com a pequena crítica feita pelo jornalista Mauro Malin.

Na verdade, o que acontece é que a mídia gosta muito de mostrar o lado ruim da coisa. É claro que a educação no Brasil vai mal, é lógico que a situação no ensino superior está “dramática”, como diz o presidente em uma das manchetes anunciadas na mesma crítica. Acontece que noticiar isso, apenas, é mostrar a situação isolada de seu contexto. O Provão existe há três anos e as outras edições mostraram resultados muito semelhantes ao quadro que os jornais pintaram na semana passada. Será que no ano que vem, e no outro, e no outro, vão continuar escrevendo as mesmas matérias? As mesmas manchetes?

Meu ponto de vista é: como já existem outros resultados, de anos anteriores, os jornalistas têm a obrigação de noticiar a evolução do processo. Pelo menos o que eu aprendi na escola (modéstia à parte, avaliada como a melhor escola de Jornalismo do país pelo tal Provão) é que a ênfase da matéria tem de estar no fato novo. E, no meu entendimento, o fato novo é a melhoria (ou a piora, se for o caso) conseguida pelos cursos com os subsídios fornecidos pela aplicação dos exames. Ou seja, exatamente o que diz a manchete de O Globo.

Não se trata de uma visão otimista, nem muito menos de querer defender alguém. Pelo que eu entendi da matéria, O Globo não ignora o fato de as médias terem sido baixas, apenas situa esse resultado dentro de um contexto mais amplo, que mostra uma evolução do quadro. Trata-se de ver o assunto por outras óticas, de tentar dar um outro enfoque, mais completo, mais situado, diferente de simplesmente ficar repetindo que a situação está ruim, que os cursos são fracos etc. etc. etc. Não há nada de errado em dizer que algo melhorou, se realmente melhorou. Só para variar um pouco.

(*) Estudante de Jornalismo na Universidade de Brasília, 22 anos

 

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Sônia Virgínia Moreira (1)

 

P

rocura-se: “Profissional com cultura ampla, curiosidade intelectual, criatividade, domínio do idioma e das estruturas narrativas e expositivas aplicadas às mensagens jornalísticas”, capaz de atender às demandas básicas da profissão. O perfil dos jornalistas formados pelas universidades brasileiras mantém-se distante daquele elaborado pela comissão de especialistas convocados pelo Ministério da Educação para pensar a avaliação deste primeiro exame nacional dos cursos de Jornalismo. A julgar pelos resultados, o Provão-98 confirmou o desconhecimento mútuo entre universidade e mercado de trabalho e apresentou detalhes da inadequação do currículo encarregado de formar futuros profissionais. O retrato sem retoques do ensino de jornalismo no Brasil mostra, em dados gerais, que:

  • Os graduandos estudam principalmente em cópias de capítulos e trechos de livros (livros inteiros, lêem em média três por ano);
  • Menos de um terço dedicou além de cinco horas semanais a estudos extra-classe; – a maioria não teve atividade alguma fora da sala de aula;
  • Durante o curso, predominaram as aulas expositivas e os trabalhos em grupo;
  • Número restrito de formandos utilizou o microcomputador em sala de aula;
  • Acima de dois terços dos estudantes gostariam de ter sido mais exigidos pelo curso.

Esse quadro é coerente com a média geral (3,6) das notas obtidas pelos graduandos que participaram do Provão de Jornalismo. O ensino deficiente está apresentando ao mercado uma grande maioria de profissionais carentes dos requisitos básicos listados no documento da comissão reunida pelo MEC. Estudantes que durante quatro anos utilizaram como peças da sua formação intelectual cópias de trechos de livros enfrentarão, no mínimo, dificuldades para se transformar em profissionais “com cultura ampla”. Ao ter acesso apenas a fragmentos de pensamentos, relatos, estudos e pesquisas, o futuro jornalista ignora o contexto e as relações do conhecimento supostamente adquirido. Os fragmentos resultam em colagens que traduzem um mundo multifacetado, sem elos ou pontes que ajudem o futuro jornalista a perceber a realidade e, com habilidade e autocrítica, exercer sua profissão. A ignorância histórico-cultural faz do jovem jornalista mero repetidor de declarações.

Argumentando falta de incentivo para estudar mais, os graduandos em jornalismo sentem que não estão preparados para enfrentar e superar com criatividade os desafios rotineiros da profissão – éticos, políticos, sociais. Além disso, a pouca ênfase no estudo crítico dos meios e políticas de comunicação colabora para a “formação” de um profissional descontextualizado. Haverá deficiência mais perniciosa à profissão do que a falta de informação daquele que tem como tarefa justamente informar? Existe. A desinformação, decorrente da falta de leitura, resulta na incapacidade de escrever um texto correto – na gramática e no estilo. Cursos que privilegiam aulas expositivas e trabalhos em grupo não podem esperar avaliações positivas dos seus alunos. A produção de textos jornalísticos por exemplo, uma das tarefas mais comuns do curso, apóia-se em três elementos: apuração, redação e edição. O exercício contínuo de cada uma dessas etapas de produção jornalística será eficiente somente com o acompanhamento individual e contínuo por um ou mais professores, em disciplinas diferentes.

Supõe-se, então, que os professores melhor capacitados para transmitir conhecimentos básicos da profissão sejam aqueles que exerceram alguma atividade jornalística, cujo interesse profissional ultrapasse a rotina da produção de notícias e sintam-se instigados a gerar análises e estudos das formas e dos meios de comunicação em vários contextos – histórico, político, social, tecnológico, etc. Ao professor de jornalismo cabe exercer um duplo papel: de jornalista atento a acontecimentos que demandam debates em sala de aula e de pesquisador habilitado para produzir análises e estudos sobre o conteúdo das mensagens, a forma da notícia, o poder dos meios. O conhecimento aprofundado do tema desenvolvido em sala de aula – incluindo antecedentes, situação atual e projeções para o futuro – é requisito elementar do professor e dado singular para a formação acadêmica do aluno.

Os cursos de jornalismo precisam estar atrelados à realidade que os cerca, servindo de espaço privilegiado para o estudo e a crítica dos meios de comunicação como canais de informação para comunidades locais, regionais, globais. A meta do estudante de jornalismo é se integrar a uma equipe de redação, mas um curso de jornalismo só estará formando profissionais quando eles estiverem capacitados para a prática efetiva daquilo que tiveram a oportunidade de estudar, aprender, exercitar, criar e testar na academia. Para que isso aconteça, a universidade e o mercado de trabalho devem se dar a conhecer: a primeira mostrando as pesquisas que produz para aprimorar a formação e a atividade profissional; o segundo atuando como parceiro na composição de um perfil básico para o jornalista, com qualidades suficientes para iniciar carreira em qualquer redação – de jornal, revista, rádio, TV ou media online.

Os resultados deste primeiro Provão devem servir para desencadear uma ampla reflexão sobre a reestruturação dos currículos e a adequação do corpo docente. Em vigor desde 1984, a estrutura curricular mínima dos cursos de jornalismo data de uma época em que, no Brasil, jornais eram impressos em preto & branco, transmissões de TV aconteciam em VHF ou UHF, rádio em freqüência modulada engatinhava, aparelho de fax era artigo de luxo e a Internet uma palavra a ser inventada.

Hoje não se trata de contrapor concepções de cursos (humanista versus técnica), mas procurar formas de convergência dos dois campos, partindo da evolução na forma de pensar e fazer jornalismo dentro dessa área quase sem fronteiras que é a comunicação. Neste momento em que qualquer pessoa ou grupo equipado com recursos apenas razoáveis pode gerenciar uma plataforma que permita produzir e editar seus próprios meios (jornais e revistas online, emissoras virtuais de rádio e televisão), torna-se inevitável redesenhar a base de formação dos nossos futuros profissionais. Entre outras coisas, para mostrar que é indispensável pensar, pensar e pensar o jornalismo: como fonte de informação, suporte da cidadania e indicador dos valores que sustentam uma sociedade.

(1) Convidada pelo OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA, a professora Sônia Virgínia Moreira, da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), comenta o Exame Nacional de Cursos de Jornalismo, onde o curso que ministra recebeu triplo A. Seus alunos obtiveram conceito A no exame, a qualificação dos professores e sua dedicação também obtiveram conceito A na UERJ. V.G.

 

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Márcia Franz Amaral (*)

 

Q

uando soube do triplo A obtido pelo curso de Comunicação Social/Jornalismo da Universidade Federal de Santa Maria, lembrei da sensação que tinha quando criança, ao receber um presente sem ter feito toda a lição: misto de alegria e espanto.

Talvez o curso tenha recebido esse conceito como prêmio ao esforço dos alunos e professores que superam as deficiências de pessoal e laboratórios. A habilitação Jornalismo conta com apenas cinco docentes (um afastado para doutorado). Também faltam funcionários, pois o único operador de câmera optou pelo Plano de Demissões Voluntárias e não há perspectiva de concurso para essa área. Nossa sala de redação é insuficiente, montada com o remanejamento de computadores destinados a outros fins. O ensino do fotojornalismo é precário: faltam máquinas e professores habilitados. O estúdio de TV só dispõe de ilha de edição porque há um convênio com a Emater, empresa de extensão rural do RS. É evidente que esses tipos de problemas não são privilégios nossos. Refletem a “cara” das universidades federais.

Mesmo assim, o curso tem produzido bastante. Na área do jornalismo impresso, são editados dois jornais laboratórios (um semanal e outro mensal). A experiência prática de telejornalismo está garantida, com a produção semanal de televisão em parceria com a Coordenadoria de Comunicação da UFSM. Em breve, outro programa voltará a ser veiculado – ambos no canal universitário da TV a cabo. O Projeto Rádio-Escola, desenvolvido em conjunto com a Rádio Universidade, é reconhecido nacionalmente por possibilitar aos alunos prática de produção, apresentação e edição de quatro programas, envolvendo noticiários, debates, entrevistas e variedades. Recentemente, a Agência Facos de Comunicação, coordenada pelo curso, passou a integrar estudantes de jornalismo, possibilitando a experiência de atender clientes reais (a maioria da própria universidade) em equipes formadas por estudantes de Relações Públicas e Publicidade /Propaganda. A iniciativa, ainda incipiente, viabiliza experiências de consultoria e assessoria de imprensa.

O Curso de Comunicação tem se destacado pela promoção de eventos como a Semana da Comunicação, realizada pelo Diretório Acadêmico com apoio da coordenação e do Departamento de Ciências da Informação. O evento “Utopias e Distopias: 30 anos de maio de 68” também teve ampla repercussão e foi premiado nacionalmente. Além disso, alguns trabalhos realizados nas três habilitações (Publicidade Propaganda, Relações Públicas e Jornalismo) têm sido consagrados em eventos como a Expocom.

Entretanto, temos muitos limites a romper. Um curso de jornalismo conceito A deve estar em permanente diálogo com o mercado e com a sociedade. Deve ser a vanguarda e apontar tendências e não andar a reboque dos acontecimentos. Precisamos incorporar disciplinas que discutam a teoria do jornalismo, façam a abordagem crítica à mídia e abordem outras técnicas e linguagens. É urgente repensar o campo do jornalismo e incrementar também ações de pesquisa e extensão. É premente a construção de um projeto acadêmico para o curso. Precisamos aproveitar a reforma curricular e inserir disciplinas que discutam as especificidades do jornalismo, capacitando o aluno para o relacionamento entre a teoria e a técnica e amarrando as atividades de ensino, pesquisa e extensão. Precisamos resgatar o espaço e a identidade do jornalismo no universo comunicacional, como já sugeriram os professores integrantes do Fórum Nacional de Professores da área.

A Universidade Federal de Santa Maria é a 10a no ranking nacional do Provão, o que a consolida como instituição séria de ensino num país minado de cursos que vendem diplomas a prestação. Mas o Exame Nacional de Cursos precisa ser aperfeiçoado. O triplo A do Curso de Jornalismo mostra que temos feito o mínimo. No entanto, também revela que os mais qualificados não são cursos excepcionais. O conceito A abriga também muitas dificuldades e deficiências.

Vastas emoções e pensamentos imperfeitos.

(*) Professora assistente de Jornalismo do Curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Santa Maria.