Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Publicar ajuda ou prejudica? Eis a nova questão

A DECISÃO DO Chicago Sun-Times de tirar da primeira página a cobertura da tragédia escolar do Oregon – para não estimular o surto de violência escolar – traz um dado novo ao jornalismo frenético deste final de século.

Mesmo sabendo que o principal concorrente, o Chicago Tribune, deveria escancarar o caso com textos e fotos dramáticas, o jornal optou por jogar o material sobre a nova tragédia escolar nas páginas internas. E explicou numa discreta nota na primeira página porque o fazia.

“Não desejamos estimular nenhum jovem instável a pensar que ações armadas como essa são uma maneira de escapar dos tormentos da adolescência”, disse o jornal.

Os principais telejornais nacionais americanos registraram a inédita atitude de contenção. O prestígio do jornal – que está em segundo lugar na região -subiu enormemente. Perdeu poucos leitores no dia e os recuperou com vantagem nos dias seguintes.

Nos últimos 100 anos o jornalismo mundial funcionou na base do instinto — publicar tudo o que acontecia. Sem importar-se com as conseqüências. O frenesi do jornalismo-espetáculo começa a estabelecer novos parâmetros na base da reflexão e da moderação.

Na verdade ainda está en vigor o slogan do veterano New York Times: “All the news that fit to print”. Isto é: todas as notícias que servem (ou valem ou são apropriadas) para publicar. A questão resume-se ao significado do verbo to fit.

A Folha foi o único dos grandes jornais brasileiros a registrar o gesto do Chicago Sun-Times (23/5/98, p.1-11, seção Multimídia).

 

NÃO ESTÁ NO ESCOPO deste OBSERVATÓRIO tratar dos aspectos técnicos e profissionais dos veículos jornalísticos. Cuidamos apenas dos aspectos institucionais, sociais e éticos. Por esta razão não podemos atender às inúmeras convocações para comentar qualidades e defeitos do novo semanário das Organizações Globo.

O que cabe comentar é o recurso de lançar um novo veículo com um grande desconto no preço de capa. É tão pernicioso quanto a onda de brindes que avacalham e desqualificam a informação jornalística, tornando-a descartável, secundária e irrelevante.

A credibilidade de um veículo tem um preço que o leitor deve pagar integralmente. Para valorizá-lo e respeitá-lo.

Rupert Murdoch quase acabou com a imprensa inglesa há poucos anos quando iniciou uma guerra de preços. Recuou meses depois sem que tivesse obtido ganhos substanciais em matéria de circulação. Mas fez estragos importantes nos jornais de qualidade londrinos.

O mesmo grupo que agora apresenta Época lançou em abril um excelente jornal popular no Rio, Extra, para concorrer com o poderoso O Dia com um preço 50% mais barato.

Em matéria de concorrência não é o mais recomendável. Em matéria institucional, menos ainda.

 

A RETRANCA É INOFENSIVA: “Sociedade”. Título, light, “Convide e Apareça”. No entanto, é uma das mais contundentes denúncias sobre os bastidores do colunismo mundano aparecidas ultimamente (Veja, 3/6/98, pp. 86-87).

Revela, com declarações aspeadas, como se chega lá, isto é, como se consegue a gloria de uma citação numa coluna, sem necessariamente, fazer algo importante.

“Convido para as minhas festas as pessoas mais animadas e famosas que rendem uma notinha em jornal sem dar o menor trabalho”, assume a socialite carioca Narcisa Tamborindeguy… Suas recepções do barulho sempre aparecem nas colunas. Tanto que ela já profissionalizou a habilidade festiva, montando uma empresa especializada em ‘promoções de eventos e badalações culturais’.

Mais adiante revela-se que “fotógrafo é tão importante quanto champanhe e caviar. Um grupo de cerca de dez deles, no Rio, cobra caché de até 500 reais por noite para clicar a badalação e depois emplacar a notícia no jornal”.

Quais os meios para emplacar fotos e notícias no jornal não se revela na matéria. Muito menos como a socialite pode garantir aos clientes que o seu evento será festejado pela imprensa.

Alem dessas questões, digamos irrelevantes, a matéria suscita outra, ligeiramente mais importante: a facilidade para emplacar mundanidades será a mesma para as notícias políticas e econômicas igualmente publicadas nas colunas sociais ?

 

O ANÚNCIO DE PÁGINA DUPLA da General Motors nas revistas semanais promovendo o Vectra como o veículo “não popular” mais vendido do país revela a perigosa vizinhança entre o chamado “jornalismo de serviços” e a publicidade.

O texto do anúncio é simplesmente o recorte do título e matéria do caderno dominical Veículos da Folha (17/5/98), devidamente identificado com uma menção. A matéria original não é assinada mas leva a chancela “da Reportagem Local”. O caderno é nitidamente promocional, destinado a atrair classificados e anúncios maiores.

Pelo que se pode ler do texto, percebe-se a distância que o separa dos padrões de “jornalismo crítico”, vigentes nos cadernos nobres da “Folha”.

Tudo indica que a campanha incluirá mensagens semelhantes extraídas de (ou plantadas em) outras publicações. A GM quer ficar bem com todos e todos querem ficar bem com a GM. Assim ninguém estrila.

 

A MANCHETE DA PRIMEIRA PÁGINA da Folha de 26/5/98 dizia que a Polícia Federal excluía o MST de 80% dos saques ocorridos no Nordeste. A Folha errou: leu apressadamente um relatório da PF onde se dizia que apenas 20% dos saques e ocorrências semelhantes no Nordeste tiveram inquérito aberto pelas autoridades locais para punir os responsáveis.

O jornal publicou um comunicado daquele órgão na página de política (1-4) do dia 29/5, em uma coluna apenas. Sem resposta, comentários. A falha não mereceu reparos da seção “Ombudsman”.

 

A SUSPENSÃO DOS SORTEIOS pela TV através do prefixo 0-900 é resultado de uma série de matérias da Folha que comprovou as inúmeras trapaças deste tipo de jogatina e nas quais estavam envolvidas as redes comerciais de TV, sem exceção. A série foi desenvolvida ao longo de meses, por jornalistas que se aprofundaram no assunto, sem recorrer ao habitual ruído extra-jornalístico do jornalão. Eis aí um modelo de jornalismo que não precisa ser reinventado.

 

* EDIÇÃO DE 24/5/98, p.1-25, matéria do enviado especial à Suíça para cobrir a reunião da OMC insinua que Fidel Castro está gravemente enfermo e senil. O jornalista tem a obrigação de descrever a aparência dos protagonistas dos fatos que acompanha. Se suspeita de algo deve investigar. Se não consegue, deve ater-se ao que vê sem veicular as fofocas que rolam nos coquetéis diplomáticos.

* ESCÁRNIO AO JORNALISMO e aos jornalistas o intrigante empenho de converter uma socialite, Cosette Alves, em repórter (edição de 31/5/98, com chamada na primeira). João Pedro Stédile, líder do MST, é figura fácil, dá entrevistas diárias, faz parte do seu trabalho explicar o movimento. Qualquer foca, rico ou pobre, armado de gravador faria muito melhor, sem precisar de alguém para transcrever a entrevista. A Folha deve descontinuar seu programa de treinamento e recrutar os futuros astros do jornalismo nas recepções da granfinagem.