Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Quantos somos

CELULAR E EXCLUSÃO

Sidney Borges (*)

Quantos somos? Qual é o tamanho do Brasil? Não falo da extensão territorial, isso é fácil saber, qualquer livro básico de geografia traz. Estou falando do Brasil que importa, isto é, dos cidadãos que têm vida econômica ativa. Nesta semana a imprensa deu uma boa pista ao anunciar um grande negócio envolvendo telefonia celular. Um grupo mexicano está comprando o controle de uma das maiores operadoras do país, em dificuldades, com dívidas praticamente impagáveis no quadro atual.

Ao dar detalhes do negócio, a imprensa acabou fornecendo as dimensões do mercado brasileiro ativo, deu o número de brasileiros que têm a capacidade de atuar na economia, isto é, consumir. Segundo os jornais, há hoje 38,8 milhões de telefones celulares operando no país. Considerando este universo como padrão, já que é obrigatório o uso do celular em atividades produtivas, teremos contido nele os universos dos assinantes de TV a cabo, dos assinantes de jornais e revistas, dos que viajam ao exterior, dos que freqüentam cinema e teatro, dos que têm acesso ao ensino de qualidade, dos que sabem o que é e usam a internet, enfim, nesse universo está o país que gostaríamos de ver contido num outro mais amplo.

Sem factóides

Como a população do Brasil é próxima de 180 milhões, descontando os que pela idade ainda não atuam ou já atuaram, podemos afirmar que prováveis 70 milhões estão excluídos de qualquer atividade econômica que transcenda a subsistência.

Assim, a imprensa mostra ao Brasil qual é o real tamanho do Brasil. Somos um país de 40 milhões de cidadãos que estão inseridos no mundo, e temos 70 milhões de excluídos. Os jornalistas de economia, assim como os economistas que os abastecem de previsões e projeções, devem se ater à realidade e levar em conta quando escrevem que não é possível mudar o panorama atual e inserir na vida brasileira um número tão grande de cidadãos marginalizados se não houver mudança radical na forma de encarar o problema.

Antes de tudo o Brasil precisa pensar em educação como uma possibilidade real de impulsionar o desenvolvimento. A imprensa não dá importância ao fato de sermos um país de analfabetos que tem uma política educacional que só faz perpetuar a situação. Esperar que os capitais voláteis que aqui vêm apenas buscar juros altos, pagos pelo governo para fechar as contas, possam contribuir para mudanças estruturais nas castas estabelecidas no país é acreditar em Papai Noel.

O papel da imprensa deve ser o de insistir na denúncia da contradição existente: não é possível um país de quase 200 milhões de habitantes premiar parte dos cidadãos e punir a maioria com uma vida indigna de seres humanos. De nada adianta discutir quem é de esquerda ou de direita, essas discussões não contribuem para aplacar os problemas que existem. As contradições só estão fazendo aumentar um estado paralelo que estende as garras e aos poucos rivaliza com o estado de direito. O crime organizado toma conta de parte do país e a violência aumenta em números assustadores.

Se a imprensa não pode mudar as coisas, pelo menos deve tentar. Sem se deixar levar por factóides.

(*) Jornalista