Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Quem manda nos “suplementos literários” é a indústria

OS ESCRITORES BRASILEIROS já haviam detectado a submissão dos suplementos de livros ao marketing das casas editoras. Os críticos da mídia já ensaiaram alguns debates, tímidos. Ficou evidente que os critérios que comandam os chamados cadernos culturais não são os jornalísticos. Muito menos culturais ou artísticos.

Nosso jornalismo cultural está hoje completamente atrelado aos grandes lançamentos, aos acertos e “leilões” que as grandes editoras fazem com a mídia para ver quem garante mais espaço e mais destaque aos seus produtos. Nem sempre os mais qualificados. Atrás das editoras estão os agentes literários, verdadeiros ditadores ou ditadoras impondo pacotes. Funciona em mão única, traz do exterior e não leva nada daqui.

A catalã Carmen Balcels, por exemplo, comanda hoje grande parte do movimento editorial brasileiro e não apenas no que tange aos escritores estrangeiros, seus clientes. Suas conexões em nosso país fazem com que empurre pela goela das nossas editoras suas preferências e amizades nacionais. Exerce pressões irresistíveis: manda nas editoras que mandam nos jornalistas que passam para o leitor uma visão distorcida do que é bom em matéria de literatura.

O escritor brasileiro não-badalado, sobretudo aquele que vive fora do eixo Rio-S.Paulo, não tem a menor chance. Os novos valores estão barrados. A não ser quando alavancados por algum pistolão. A cultura e a literatura brasileira estão comprometidas, condicionadas por injunções tacanhas e mesquinhas.

Não é assim no resto do mundo. Examine-se o caderno de sábado do El País (Espanha), Babélia. Ou o veterano JL, quinzenário português, o semanário inglês TLS , o também quinzenário New York Review of Books e o dominical, Book Review do The New York Times. Lá o que pesa é o valor da obra, do autor, do assunto. A editora não impõe, não manda. Ao contrário, submete-se às decisões jornalísticas. Ela depende da mídia.

Aqui dá-se o inverso. A mídia capitula diante das editoras. De onde vem este tremendo poder das editoras sobre o Quarto Poder? Afinal, não são grandes anunciantes. É o segmento menos inclinado a investir em publicidade e o mais favorecido por tabelas de descontos. A editoria de cultura ou livros é a única que lida com informações que também são mercadorias (os cadernos de automóveis poderiam ser considerados similares mas hoje são extensões do marketing dos fabricantes). O mínimo que o leitor pede ao jornalista cultural ou literário é isenção e independência.

Será o exemplar gracioso que os jornalistas recebem em casa a origem desta força? Quem paga o exemplar gracioso, em última análise, é o autor (no orçamento está previsto uma quota de livros para promoção).

A explicação para este poder é fácil de encontrar: jornal ou jornalista mais rigoroso, que não cede às pressões ou critica descuidos da casa editora – são muitos mas o público não sabe – este, simplesmente, não será avisado do próximo lançamento. Condena-se a ficar fora do circuito. E como a competição é muito grande nas redações, o jornalista mais criterioso será barrado. Vai para a lista negra. Perde a fonte. E, logo, o emprego.

Esta é apenas a ponta de um iceberg que precisa ser exposto em toda a sua dimensão para que se entenda o estado da nossa literatura e a lamentável situação dos mediadores culturais. É o nosso desenvolvimento que corre perigo.

(Ver Observatório Literário, nesta edição.)

NO DOMINGÃO do Folhão (28/2/99, pg. 2-9) George Soros reconquistou a respeitabilidade: voltou a ser megainvestidor, depois de ter sido megaespeculador nos dois dias seguintes à sua indicação para o BC. Na mesma matéria, comprada de um jornal argentino, faltou dizer que as opiniões de Soros sobre a economia argentina são suspeitíssimas: é o maior proprietário imobiliário urbano e rural do país vizinho. Claro que precisa defender com unhas e dentes a dolarização argentina – qualquer passo em falso suas propriedades podem valer a metade !

É O QUE SE CHAMA levar os pressupostos ideológicos às últimas conseqüências: o caderno especial sobre globalização da economia publicado pelo Estadão no domingo, 28/2/99, foi financiado por uma universidade privada de S. Paulo (UNIP-Objetivo). Será que um jornal desta categoria precisa de um patrocinador para um material que mereceu até editorial na pagina de opinião ? O lobby do ensino superior privado hoje manda na grande mídia – é uma das grandes fontes de receita. Isso explica porque Arnaldo Niskier, seu “capo”, é colaborador regular de O Globo e Folha.

JORNAL NACIONAL EM BOA FASE, apesar das trepidantes novidades que nos traz da Escócia, da Cornualha, ou dos milagres da medicina na terra do Tio Sam. Na semana 22/26 de fevereiro, uma recaída: fomos brindados com a façanha de uma cadela vira-latas que salvou uma criança das garras de um “pit-bull” assassino. Até ai, tudo bem, serviço público. No primeiro dia, o cão agressor e seu dono eram os vilões que precisavam ser sacrificados e punidos. À medida que a cadelinha salvadora enternecia os corações da audiência, assim também amolecia o ânimo justiceiro dos editores: o dono irresponsável e a sua fera foram ficando bonzinhos. Até que desapareceram. Breve, o pit-bull pedirá desculpas públicas pela TV e anunciará o seu casamento com Catita.

Como se dizia em Roma, Cave Canem — cuidado com o cão.

O CRÍTICO DE MÍDIA de O Globo e do Estadão afinal assume sua identidade como representante da Opus Dei no Brasil (aliás, diretor do Escritório de Informação da Prelazia do Opus Dei no Brasil, S.Paulo, S.P.) Isso aconteceu na carta formal que enviou à Folha (Painel do Leitor, domingo, 28/2, pg. 1-3) desmentindo as gestões do Opus Dei em favor de Pinochet denunciadas por El País. Nada demais, cada um tem o direito de crer e descrer.

O que chama a atenção é a constatação, agora inequívoca, de que a Universidade de Navarra, responsável pelo modelo jornalístico implantado através da ANJ na maioria das empresas jornalísticas brasileiras nesta década, é representada no Brasil pelo mesmo representante do Opus Dei.

Isso é mais grave.