Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Quem pranta, cóie

 

Considerações sobre o jornalismo cultural

Paulo Polzonoff Jr.

Acho interessante o Observatório da Imprensa abrir espaço para uma crítica aguçada da cobertura literária dos jornais brasileiros. Houve um tempo, não tão remoto assim, que estes jornais contratavam para seus quadros jornalistas que tinham no mínimo alguma bagagem cultural significativa. Era um tempo em que a palavra “resenha” não estava em moda ainda, e que “crítica” era coisa para nomes de peso: Otto Maria Carpeaux, Afrânio Coutinho e Alceu de Amoroso Lima, por exemplo. Mas eis que somos papagaios deles, e achamos por bem que um livro não merece uma análise assim tão profunda – e introduzimos a tal da “resenha”.

Há quem as faça com cuidado, mas há quem as fez como hobby tão somente. É aí que mora o perigo.

Li na última edição deste Observatório dois comentários que me deixaram perplexo [veja remissões abaixo]. O primeiro, da senhora Nilza Amaral, que reclama do descaso dos editores para com seus livros que, no seu dizer, vendem muito, o que faz dela uma escritora por excelência. Equívoco dos dois lados. Primeiro que um jornal sério jamais deveria ignorar um leitor. Se o trabalho da senhora Nilza Amaral não interessa, que o digam em palavras apropriadas à senhora, por carta, e-mail, telefonema ou sinais de fumaça. Por outro lado, se interessa, que história é essa de “resenha paga”? Que eu saiba ainda existe, neste diálogo de mudos, um elemento chamado interlocutor, que muito apropriadamente atende também pela alcunha de leitor, e que merece um pouquinho mais de respeito dos senhores editores.

Imagine a situação: você abre o jornal no domingo e, entre um sem-número de falsas denúncias, erros de todos os tipos, arrogância jornalística, matérias sem nenhuma preocupação com a ética, declarações de fulano insultando sicrano etc. etc. resolve ler o caderno cultural, a fim de buscar, na ficção, algum consolo para tamanha algazarra. Mas a resenha deste livro pelo qual o senhor se interessou, meu caro, é paga. Isto mesmo. O livro pode ser horrível, a autora (apesar da alta vendagem) pode escrever como uma criança de 8 anos (se bem que há crianças de 8 anos escrevendo belas coisas por aí…), mas o jornal, tantos anos de existência, dá seu aval, arrisca sua credibilidade, tudo em nome de um dindim a mais. E o jornalista que assinará a resenha?

Ora, tenha a santa paciência…

Mas eu dizia que nesta história ambos os lados pecam. A senhora Nilza Amaral, por mais que seus livros, segundo ela, vendam muito, o que, ainda segundo ela, atesta sua condição de excelente escritora, não tem o direito de obrigar um jornal a reconhecê-la. Cabe, como a todos, fazer a divulgação de seu trabalho, mas daí a ele fazer-se merecedor de um espaço cobiçado é outra história. Se se pudesse escrever (honestamente, digo, sem cobrar por críticas) sobre todos os livros lançados no Brasil… E, ademais, se os livros da senhora Nilza Amaral, mesmo sem resenha, vendem tanto, para que quer ela agora ter seu nome num jornal que publica elogios a qualquer um que o pagar? Há, a meu ver, um comportamento bastante contraditório por parte da escritora.

Outro caso relatado é o do senhor Edir Novo, que diz ser, nas horas vagas, poeta, contista e escritor. Nas horas vagas… Bem, escreveu ele uma coletânea de poemas que foi editada mediante acordo com uma editora. Pagaria o Sr. Edir tanto e teria metade dos livros, além de 10% sobre o restante que ficaria aos cuidados da editora. Ora, senhor Edir, com todo o respeito, o senhor caiu em vários contos-do-vigário. O primeiro por achar que poemas se escrevem nas horas de folga. O segundo por acreditar que receberia alguma coisa pela venda de seu livro de poemas. Livros de poesia, meu caro, dão prejuízo a qualquer editora. E o terceiro, menos dialético e mais pragmático: denuncie a editora à polícia, meu senhor. O senhor foi vítima de estelionato puro e simples.

O jornalismo cultural no nosso país anda de mãos dadas com todas as outras editorias, para o buraco. Venho insistindo há anos na formação complementar do jornalista cultural, mas os jornais não se interessam de modo algum. A Folha de S.Paulo, meca do jornalismo nos anos 80 e meados de 90, contrata jornalistas por um discutível programa de trainees e por concurso, no caso de jornalistas mais experientes, no qual empregam toda a sorte de joguinhos que aprendem em revistas como a Você S.A. e na leitura de livros do Lair Ribeiro. Pode sair de tudo destes concursos, menos um bom jornalista. Os demais jornais, até onde sei, contratam ou o amigo-do-amigo-do-amigo ou jornalistas que trabalharam 20 anos com economia e que de repente se vêem à frente de um romance, com a necessidade de apontar qualidades e defeitos.

Como já dizia o sábio: quem pranta, cóie.

Então, ficamos assim: os jornais me pagam uma certa quantia no próximo mês e eu escrevo uma resenha elogiosa para a próxima edição do Observatório, ok?

PS: A proposta acima é fictícia. Qualquer e-mail recebido com propostas tentadoras será ignorado. (É que nunca se sabe, né?…)

 

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O preço de uma resenha – Nilza Amaral

O conto da editora – Edir Novo