Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Quem tem medo de avaliação?

Para que serve uma avaliação? A pergunta, ingênua até certo ponto, abre no entanto um cipoal de respostas. Mas talvez até o senso comum reconheça que o objetivo da avaliação de um curso deveria ser uma aferição de caminhos traçados com vistas a possíveis correções de percurso no intuito de melhorar a viagem de todos , alunos e professores.

Para pensarmos se o chamado provão pode ser um instrumento adequado a esse objetivo, gostaríamos de rememorar a avaliação pela qual passou o Curso de Comunicação Social da UFMG dentro do PAIUB – Programa de Avaliação das Instituições Universitárias Brasileiras. Adiantamos, desde já, que a comissão encarregada da avaliação detectou problemas graves e fez críticas contundentes ao desempenho do Curso – o que, na nossa opinião está sendo muito interessante porque detonou um processo de discussão e de tomada de decisões relacionadas ao cotidiano de todos.

Durante três dias, uma comissão formada por um profissional de competência reconhecida ( Miriam Leitão, jornalista da TV Globo), uma professora universitária (Maria Nazareth Ferreira, da USP) e uma ex-aluna ( Flávia Sachetto, assessora de Imprensa da Caixa Econômica Federal – MG) se debruçou sobre um dossiê de quatrocentas páginas contendo o histórico do Curso, elenco de disciplinas, ementas das mesmas e muitos outros documentos. Além disso, a Comissão teve acesso a todas informações que requisitou, aos laboratórios de vídeo, rádio e computação gráfica, bem como a uma amostra dos produtos elaborados nesses espaços laboratoriais. Esses produtos incluem desde vídeos, cadernos de reportagens, jornais impressos e televisivos, peças publicitárias e de computação gráfica, até uma amostra do TV Sala de Espera, programa comunitário realizado por estagiários sob a supervisão de professores do Departamento de Comunicação .O programa tem três anos de existência e já recebeu prêmios internacionais.

Também fizeram parte da programação intensiva da Comissão encontros com professores e estudantes, realizados separadamente. Nesses encontros, o clima foi de franqueza e de confiança no trabalho que a Comissão estava desenvolvendo, por se entender que ele era oportuno e necessário.

Ao fim do terceiro dia, no prazo exíguo de uma hora, a Comissão realizou a leitura do documento de avaliação. Manifestando ter captado aspectos positivos no Curso, mas preferindo se ater aos negativos, por entender que assim daria sua melhor contribuição, o documento apontou problemas tais como a fragmentação no currículo, com a conseqüente repetição de conteúdos ou ausência de outros que considerava necessários; disciplinas mal alocadas na grade curricular; falta de transparência do atendimento de professores a estudantes fora do horário de aula; clima de passividade e desinteresse por leitura entre os alunos; professores da área profissionalizante com dedicação exclusiva e, por isso mesmo, distantes do mercado de trabalho e da renovação proporcionada por ele.

Dias depois, uma assembléia departamental considerou muito bom o trabalho da Comissão e muito pertinentes os pontos levantados por ela, principalmente levando em conto o curto espaço de tempo para a realização dos trabalhos. Tendo isso em vista, relevaram-se alguns equívocos cometidos pela Comissão, como, por exemplo, o entendimento que haveria um desinteresse por parte da Chefia em estimular o Curso a participar de um programa de Televisão por não considerá-lo suficientemente bom para o aprendizado dos estudantes. Só para nos atermos num exemplo, o que acontece é exatamente o contrário, com a indicação de uma consultoria à Reitoria que produziu um alentado volume com todas as recomendações para a instalação de uma TV de baixa potência no campus da UFMG. Caso isso se concretize, o Curso de Comunicação se empenhará de todas as formas , por saber que uma experiência destas é vital para a formação dos seus estudantes.

Outros pontos mencionados, como a questão da fragmentação do currículo, já estão também sendo objeto de preocupação da Coordenação do Colegiado, que está conduzindo uma Reforma Curricular que deverá estar concluída até o fim de agosto. Esta Proposta de Reforma Curricular visa justamente ao enxugamento das disciplinas e à busca de um perfil generalista do profissional de Comunicação, mais afinado com o mercado e, ao mesmo tempo, com uma formação humanista (já que, na nossa opinião, a sociedade não se confunde com o mercado e suas necessidades).

Também a questão dos professores da área profissionalizante em Dedicação Exclusiva é motivo de preocupação mas está situada no contexto amplo da Universidade, que até agora tem privilegiado o entendimento que este é o melhor regime de trabalho para seus professores – não facilitando nem estimulando a participação fora dos seus muros (o que, com o processo de autonomia, também deverá mudar). De qualquer forma, será sempre um desafio para um curso de Comunicação tentar encontrar um equilíbrio entre os professores que se dedicam à reflexão teórica e aqueles que transmitem o saber da prática (ou da técnica, como querem alguns). Esse equilíbrio entre teoria e prática, que já provocou tantas polemicas, já insuflou tanto os ânimos, continuará sempre a ser buscado, porque talvez se trate de uma meta quase inatingível.

A referência ao PAIUB explica-se apenas para reassegurar a importância de uma avaliação como instrumento de mudanças e, ao mesmo tempo, enfatizar como se trata de um processo difícil e delicado. No caso citado, em que a própria Comissão enalteceu a abertura que encontrou e que possibilitou a realização honesta dos trabalhos, houve acertos, equívocos e a lacuna de não se apontar os aspectos positivos reconhecidos mas não mencionados. Não se trata aqui da reivindicação infantil por elogios, mas a vontade de saber onde estariam também os acertos, os caminhos porventura corretos que o Curso estaria trilhando. Pois, afinal, um balanço que englobasse erros e acertos deveria fazer parte de um processo de avaliação. Mas, de qualquer forma, a avaliação realizada detonou um processo que já estava latente e algumas medidas de caráter prático estão sendo tomadas – paralelamente a um processo mais amplo de decisão. Até os estudantes, percebidos como passivos pela avaliação, resolveram participar das instâncias políticas mediante as quais têm o direito de se fazer representar.

Enfim, pode parecer uma longa digressão, mas o objetivo foi tornar claro que, a princípio, não há porque se temer uma avaliação como o provão, ou qualquer outra. Antes uma avaliação sujeita a equívocos que a ausência de aferição dos rumos de um curso. Porém, é importante se ter consciência de que os próprios métodos de avaliação precisam ser aferidos para que consigam delinear um desenho cada vez mais nítido da realidade que pretendem compreender e criticar. O provão, detendo-se numa ponta do processo, certamente captará dados interessantes – mas precisa ser aprimorado como instrumento de avaliação.

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