Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Quentil Peel e Alan Beattie

GÊNOVA E O G-8

"Burocracia e mídia dominam encontros", copyright Financial Times / Folha de S. Paulo, 22/7/01

"As conferências dos líderes mundiais se tornaram complicadas e burocráticas. O sangue, a confusão e o tumulto nas ruas de Gênova anteontem estavam muito distantes da visão de Valery Giscard d’Estaing, antigo presidente da França, quando ele sonhou com a idéia de convidar alguns poucos líderes mundiais para uma conversa ao pé da lareira.

?Temos problemas comuns de inflação e desemprego?, disse ele em 1975, mas ?o espírito de cooperação está desaparecendo e jamais conversamos seriamente, entre os grandes líderes capitalistas, para descobrir o que fazer?.

Daqueles dias em diante, as conferências de cúpula do Grupo dos 5, depois Grupo dos 7 e agora Grupo dos 8 (G-8) sempre se viram divididas entre as metas conflitantes de preservar a privacidade, o conforto e atrair o máximo de atração da mídia. Tanto os participantes quanto os observadores começam a questionar o valor de uma instituição informal que cresceu inexoravelmente em termos de tamanho e complexidade, criando uma burocracia própria e deixando a inspiração para trás.

Estima-se que a conferência de cúpula de Gênova esteja custando ao governo italiano cerca de US$ 110 milhões, US$ 19 milhões dos quais destinados à segurança e organização e outros US$ 90 milhões para reformas na cidade e em seus antigos edifícios.

No entanto, graças às medidas severas de segurança adotadas, o lugar está meio deserto, exceto pelos participantes da conferência de cúpula e manifestantes.

Os seres humanos comuns optaram por ficar em casa.

Às vezes, os líderes geram ímpeto considerável para resolver conflitos imediatos ou criar uma coordenação mais estreita. Ocasionalmente, ajudam no processo de compreensão mútua. Mais frequentemente, os encontros resultaram simplesmente na confirmação de longas declarações de compromisso preparadas pelos ?sherpas?, os guias políticos, importantes funcionários civis em cada gabinete presidencial ou de primeiro-ministro que passam meses preparando cada uma das conferência.

O que Giscard d’Estaing disse que queria no final de 1975, em um plano que contava com o apoio de seu bom amigo, o primeiro-ministro alemão Helmut Schmidt, era ?uma conversa entre algumas poucas pessoas, quase no nível privado?. Foi essa a inspiração da primeira conferência, no castelo francês Rambouillet. Os líderes do então Grupo dos 5 -Reino Unido, França, Alemanha, Japão e Estados Unidos- convidaram a Itália para participar do grupo e se preocupar com a crise mundial do petróleo.

Produziram uma declaração com uma série de boas intenções de futura cooperação econômica. As boas intenções seguem, mas, quanto à maioria dos demais aspectos, o aconchegante grupo se transformou completamente.

A segurança é a questão primordial, e os líderes mundiais recuaram para trás de barreiras de aço e concreto, tentando manter suas privacidade e dignidade.

Os seis líderes originais logo se tornaram sete, com a adesão do Canadá em 1976. Uma década mais tarde, Jacques Delors, presidente da Comissão Européia, conquistou um assento à mesa e, em 1991, o líder soviético Mikhail Gorbatchov também foi integrado ao grupo.

Sir Nicholas Bayne, antigo diplomata britânico e um dos ?sherpas? nas conferências de cúpula, hoje o principal historiador dos encontros, identifica quatro fases de desenvolvimento. Na primeira, as conferências se concentravam quase que inteiramente em questões econômicas e monetárias e enfatizavam a necessidade de cooperação entre as grandes economias capitalistas. Nos anos do governo Ronald Reagan, elas se tornaram menos ambiciosas em termos de cooperação econômica e passaram a prestar mais atenção a questões políticas.

Com o final da Guerra Fria, elas se voltaram às questões de encorajamento às novas democracias e economias nos países ex-comunistas. E, depois de 1994, elas se concentraram cada vez mais no avanço da ?globalização? e na busca de novos tópicos nos quais pudessem ganhar relevância.

Enquanto isso, o conceito da conversa ao pé do fogo desapareceu completamente. A conversa íntima de anteontem sobre a economia mundial durou apenas 90 minutos. Ela passou a ser substituída, cada vez mais, por exibições cuidadosamente coreografadas de unidade e uma preparação ?temática? das reuniões, o que gera cinismo nos observadores. O fundo para a saúde mundial anunciado em Gênova anteontem já foi criticado e, em alguns casos, condenado como inútil pelos especialistas.

 

"Bombas explodem em TV e na Benetton", copyright Folha de S. Paulo, 19/7/01

"Duas cartas-bomba explodiram ontem em cidades do norte da Itália, às vésperas do encontro de cúpula do G-8 (Grupo dos Oito, que reúne as sete maiores economias do mundo mais a Rússia). Ninguém assumiu os atentados.

As bombas foram destinadas a escritórios de dois dos grupos econômicos mais poderosos da Itália, levando a polícia a suspeitar que os atos terroristas estejam ligados a movimentos antiglobalização. Na segunda-feira, uma carta-bomba explodira em uma delegacia de polícia de Gênova, ferindo um policial.

Os chefes de Estado dos países mais ricos do mundo estarão neste fim de semana na cidade portuária de Gênova, na costa noroeste da Itália, para o encontro anual do G-8.

No incidente mais sério do dia, um pacote explodiu na sede de um dos canais de TV controlados pelo homem mais rico da Itália e atual primeiro-ministro do país, Silvio Berlusconi. O incidente aconteceu por volta do meio-dia (8h de Brasília), em Milão.

O pacote era endereçado ao diretor de um programa de notícias do canal Rete 4, mas a correspondência foi aberta pela secretária dele. Com ferimentos leves, ela foi levada para o hospital em estado de choque.

O segundo alvo foi o escritório de Treviso da Benetton, uma das maiores confecções do mundo. Depois de aberto, um envelope entrou em chamas, mas ninguém ficou ferido.

As autoridades de segurança da Itália evitaram estabelecer uma ligação entre as explosões e o encontro de cúpula, mas a repercussão foi imediata tanto em Gênova (sede do encontro) como em Roma (onde ministros discutiam a agenda da cúpula).

O maciço esquema de segurança empregado pelo governo italiano em Gênova pode ter alterado a maneira de agir dos ativistas antiglobalização mais radicais.

Em encontros de cúpula anteriores, os protestos e embates ficaram circunscritos aos limites das cidades em que as reuniões se realizaram. Foi assim há um mês na cúpula da Comissão Européia, em Gotemburgo (Suécia), ou na Cúpula das Américas, em Québec (Canadá), em abril.

Ainda ontem foram registrados outros incidentes. Uma bomba incendiária de gasolina foi lançada contra uma agência de empregos temporários em Milão. Ninguém se feriu. Em Bolonha, também ao norte, uma bomba foi desativada antes de explodir.

Na terça-feira, um pacote suspeito chegou ao gabinete do prefeito de Gênova, Giuseppe Pericu. A polícia o abriu e encontrou duas balas calibre 38 não-disparadas."

 

"Amigos dos pobres", copyright Folha de S. Paulo, 19/7/01

"Dois jovens de preto jogaram uma torta na cara do ativista José Bové -o mesmo que enfrentou um pedido de expulsão da Polícia Federal, durante o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre.

Desta vez foi em Gênova, na Itália, onde preto é indicação de neofascismo. A RAI, emissora estatal, mostrou o rosto de Bové coberto de creme.

As manifestações antiglobalização começam a revelar bem mais do que o romantismo juvenil que marcou Londres, Seattle, até Praga.

O conflito já não é apenas entre manifestantes e a repressão, mas, num país de governo extremista como a Itália, entre radicais de lado a lado.

Se supostos neofascistas agrediram Bové, supostos terroristas antiglobalização enviaram uma carta-bomba à emissora de televisão do primeiro-ministro Silvio Berlusconi, como mostrou a CNN.

Para cercar e proteger o encontro do G-8, com políticos como George W. Bush e Tony Blair, estão sendo erguidos muros de metal. O presidente americano, segundo a BBC, disse que os manifestantes ?não são amigos dos pobres?. O primeiro-ministro britânico chamou-os de ?hooligans?.

O espetáculo, oficialmente, só estréia amanhã.

Quem não quer acompanhar nem pela CNN nem pela BBC nem pela Globo pode tentar a cobertura Indy, de independente (www.indymedia.org).

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A Globo News anunciou, no meio da tarde, que Jader Barbalho estava para pedir licença do cargo de presidente do Senado e do mandato.

A emissora perguntou ao presidente interino do PMDB, Maguito Vilela, opositor de Jader e fonte da história:

– Se isso vier a acontecer, é o melhor?

– Sim.

O Band News, canal de notícias da Bandeirantes, concorrente da Globo News, noticiou pouco tempo depois, em tom irritado:

– Não passava de factóide, balão de ensaio, a informação de que o senador Jader Barbalho estaria prestes a entregar uma carta se licenciando do cargo e do mandato.

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Não parou aí o esforço da Globo News.

A emissora entrevistou também o pai de Jader, Laércio Barbalho, que estava saindo do hospital onde havia se internado um dia antes:

– Digamos que o destino seja cruel com seu filho, o senhor assume a cadeira dele?

– Não. Não."

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"Cidade-fantasma", copyright Folha de S. Paulo, 20/7/01

"- Nós vamos romper o muro da vergonha!

Era um ativista de microfone na mão, discursando em italiano, na cobertura da CNN para a manifestação de ontem em Gênova.

O ?muro da vergonha? é a muralha de metal que foi erguida em torno da zona vermelha -como foi chamada a região em que se encontrarão a partir de hoje os líderes do G-8, a começar do americano George W. Bush.

A zona vermelha, afirmaram em uníssono a CNN e a BBC, virou uma ?cidade-fantasma?. É essa cidade de Bush, Tony Blair e outros que os manifestantes prometem ocupar.
Na BBC, o líder dos Tuti Bianchi, grupo que vem sendo apresentado como o mais perigoso dos protestos, dizia:

– Nós vamos retomar cada metro da zona vermelha!

Do outro lado, no conflito que por enquanto é apenas verbal, Bush surgiu inesperadamente isolado. Dizia, para responder aos manifestantes:

– Aos que aproveitam este momento para afirmar que o mundo deve se tornar isolacionista, eu digo: vocês condenam os pobres à pobreza.

Parecia querer argumentar, discutir como num debate americano, mas a reação do ativista José Bové, entre outros, vai em outra direção inteiramente. Ele saiu logo chamando Bush de ?mentiroso?.

O presidente dos EUA chega hoje a Gênova, onde devem aguardá-lo, segundo a CNN, 100 mil manifestantes.

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Slogan do site dos ativistas de Gênova, o Indymedia:

– Não odeie a mídia. Torne-se a mídia.

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Começou com o Jornal da Globo da madrugada anterior dizendo ?ninguém sabe onde Jader Barbalho está?.

Seguiu ontem o dia todo, com os telejornais da Globo dizendo que ?Jader está desaparecido?. E mais:

– Parlamentares saem para reunião fora do Congresso, mas fazem mistério… É dia de expectativa em Brasília. Jader deve dizer ainda hoje se vai se afastar do cargo… A grande expectativa é que esteja sendo alinhavado o licenciamento do presidente do Congresso… A expectativa é de que ainda hoje saia uma definição…

Terminou mais um dia -e nada. Alguns arriscaram então, como a Band News:

– Familiares informam que Jader Barbalho está na cidade praiana de Salinas.
Na praia?"

    
    
                     

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