Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

"Queremos ser como vocês"

ENTREVISTA/ M?HAMMED KRICHENE

Claudinê Gonçalves (*)

O tunisiano M?hammed Krichene, 42 anos, um dos apresentadores da al-Jazira, já ganhou prêmios de jornalismo pela cobertura da OLP em Tunis, foi correspondente de jornais e rádios ocidentais e trabalhou na BBC de Londres. O fechamento da emissora de TV em árabe da BBC coincidiu com a mudança de regime no Catar, quando o atual Emir derrubou o pai e assumiu o poder. Formado no ocidente e interessado em dar um nova imagem ao minúsculo país, o Emir criou a al-Jazira, em 1996. Para operá-la, contratou a equipe do escritório da BBC que fora fechado, entre outras razões, por pressão da Árabia Saudita.

Krichene esteve na Suíça semana passada, para debates com jornalistas, a convite da Swissinfo. Mas na terça-feira [13/11], com o jornalista já na sede da emissora e com a entrada da Aliança do Norte em Cabul, pode ter acabado a época de ouro da al-Jazira no Afeganistão. "Fizemos o nosso trabalho, agora é a vez dos colegas ocidentais", afirmou M?hamed Krichene, entrevistado na mesma terça, em Doha, pela Rádio Suíça de língua francesa.

Ele confirmou o sentimento anti-árabe da Aliança do Norte e declarou que uma das primeiras medidas foi confinar os jornalistas árabes no hotel Intercontinental, de Cabul. "Nossos correspondentes em Cabul e Kandahar terão de deixar rapidamente o Afeganistão", afirmou.

Sua entrevista:

Como a al-Jazira é a única a trabalhar no Afeganistão?

M?hammed Krichene ? Por pura coincidência. No mesmo dia, o regime taleban autorizou duas TVs estrangeiras a trabalhar no Afeganistão ? a CNN e nós. Como não acontecia nada por lá, a CNN fechou a sucursal, por razões de rentabilidade, e nós decidimos ficar mais um pouco. Também íamos fechar mas aí ocorreram os atentados do 11 de setembro e tudo o que vem ocorrendo depois.

Vocês são acusados de pró-taleban e pró-bin Laden….

M?h.K. ? Não somos nem um coisa nem outra. Claro que nossos correspondentes em Cabul e Kandahar têm boas relações no Afeganistão ? do contrário não poderiam trabalhar ali, como em qualquer outro lugar, aliás. Quanto a bin Laden, ele tem sua própria equipe de TV e as fitas chegam prontas ao nosso escritório de Cabul, entregues por um emissário. De lá são transmitidas por nosso canal de satélite, disponível 24 horas. Não conhecemos e nunca vimos bin Laden. Ele nos manda as gravações porque quer atingir o mundo árabe e nós as exibimos porque temos um furo na mão. Qualquer outra TV faria o mesmo. Nós trabalhamos como vocês!

Quem compra imagens da al-Jazira?

M?h.K. ? As de bin Laden todo mundo quer. As imagens, tamb&eacuteeacute;m exclusivas e autênticas, das vítimas e dos estragos causados pelos bombardeios americanos, pouca gente quer. Quando usadas, são colocadas em dúvida. Isso nos decepciona, mas compreendemos que as imagens de vítimas civiss não interessem às TVs ocidentais.

Vocês são muito pressionados?

M?h.K. ? Sempre fomos mas agora são pressões novas, dos países ocidentais, principalmente dos Estados Unidos. Acho que o problema agora é que, pela primeira vez em muitos anos, os americanos fazem uma guerra em que não controlam totalmente a mídia.

Como eram as pressões antes dos atentados?

M?h.K. ? Da maioria dos países árabes, onde a mída, com raras exceções, bajula os donos do poder, qualquer poder. Desde o início demos espaço e palavra às oposições egípcia, síria, saudita e iraquiana. Para muita gente é tão insuportável ver autoridades israelenses no ar quanto bin Laden. Também tratamos temas tabus no mundo árabe, como poligamia, relações sexuais fora do casamento e o tráfico de pessoal doméstico, inclusive para as corridas de camelo no próprio Catar. Tudo isso é novo na nossa região.

Como é a redação da al-Jazira?

M?h.K. ? Somos 60 jornalistas na redação, com correspondentes na maioria dos países árabes, em Jerusalém e em várias capitais ocidentais. Na redação somos de várias nacionalidades e confissões (laicos, católicos, muçulmanos xiitas, sunitas e islamistas). Nem sempre é fácil, mas o profissionalismo prevalece sobre as opiniões pessoais.

Vocês tem cometido muitos erros?

M?h.K. ? Claro que sim. Temos quatro grandes edições por dia e um resumo de meia em meia hora, dia e noite. Somos uma pequena redação para tudo isso e alguns erros são inevitáveis. Por exemplo, quando divulgamos a primeira fita de bin Laden [7 de outubro, no início dos bombardeios] não tínhamos nenhum convidado no estúdio. Na segunda fita [3 de novembro], foi melhor, com reações de convidados americanos e árabes, ao vivo, no estúdio.

Quem financia a al-Jazira?

M?h.K. ? Temos um orçamento de 35 milhões de dólares por ano, garantidos pelo Emir do Catar desde a fundação da emissora, em 1976. Não é meu setor, mas atualmente cerca de 50% dos recursos provêm da publicidade. O prazo para auto-suficiência era 1? de novembro mas acho que o Emir terá de continuar bancando a emissora. O essencial da publicidade no mundo árabe é controlada pelos sauditas e eles estão boicotando a al-Jazira.

Como vocês estão sendo tratados nos Estados Unidos?

M?h.K. ? Acho que a al-Jazira era vista como um instrumento de democratização dos países árabes. Depois dos atentados, paradoxalmente e apesar das pressões, crescemos em importância. Nenhum outro órgão árabe de informação obtém tantas entrevistas atualmente nos Estados Unidos como nós. Também transmitimos ao vivo todas as coletivas da Casa Branca e do Pentágono e estamos aguardando uma entrevista exclusiva com o presidente George W. Bush.

Incomoda ser tratada de CNN árabe?

M?h.K. ? De maneira alguma. Isso nos orgulha e temos inclusive um contrato de cooperação com a CNN. Utilizamos as imagens deles do norte do Afeganistão, onde não somos autorizados a trabalhar depois do atentado-suicida que causou a morte do comandante Massoud [9 de setembro] cometido por árabes disfarçados de jornalistas. Nossa colaboração com a CNN também prevê estágios de formação de jornalistas.

Qual a audiência da al-Jazira?

M?h.K. ? Sabemos que temos público em todos os países árabes mas não temos instrumentos para medir nossa audiência. É prova de nossa inexperiência. Por enquanto, estamos aprendendo a liberdade de expressão.

(*) Jornalista da Swissinfo/Rádio Suíça Internacional