Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Radiojornalismo e radiopublicismo

RIBEIRÃO PRETO, SP

Luís Eblak (*)

Um fato para a mídia interiorana marcou a cidade paulista de Ribeirão Preto na segunda-feira, 4/8. Neste dia entrou no ar a nova programação da Rádio 79 AM, comprada pelos apresentadores da TV Bandeirantes Jorge Kajuru e José Luiz Datena. Para quem quisesse ouvir, a emissora anunciou a volta do jornalismo independente às rádios locais. Em se tratando de Ribeirão Preto, a promessa ? mesmo sem saber ainda se será cumprida ? é uma novidade jornalística.

Num dos slogans da 79 AM, a emissora afirma: "Aqui se vende espaço [publicitário], jamais opinião". O marketing da rádio bate de frente com um estilo suspeito de centenas de veículos espalhados pelo país: aqueles em que os anunciantes acabam ganhando destaques também na grade de "notícias".

Antes de fazer sucesso em São Paulo, os dois apresentadores trabalharam em rádios de Ribeirão Preto, inclusive na emissora que acabam de adquirir. Na nova 79, montaram uma equipe de 12 profissionais apenas no jornalismo ? segundo informação do âncora do programa matutino Herbis Gonçalves, o Curió, polêmico radialista da cidade de fins dos anos 70 e início dos 80. O objetivo é fazer algo que não existiria nas emissoras locais: resgatar a cidadania do ribeirão-pretano sem a "linguagem da carnificina". "Queremos cobrir todas as áreas [de política a meio ambiente], não apenas polícia", afirmou Curió, sem mencionar o fato de um dos seus patrões comandar em São Paulo um programa tipicamente policial, o Brasil Urgente.

A este repórter, Kajuru foi mais explícito. "O rádio brasileiro está morto. Os donos de veículos de comunicação [com algumas exceções, disse ele] venderam o corpo, venderam a alma, venderam o cérebro", afirmou, incluindo Ribeirão nessa descrição. "Aqui não é diferente. Não existe radiojornalismo em Ribeirão Preto", afirmou no domingo (10/8), quando esteve na cidade para visitar a Feira do Livro.

Beija-mão

Embora as rádios da cidade tenham revelado alguns bons nomes do jornalismo nacional ?como o repórter da TV Globo Heraldo Pereira, além dos próprios Kajuru e Datena ?, desde os anos 60 quase todas as emissoras fazem prevalecer o que o historiador local Divo Marino chamou de "populismo radiofônico". Trata-se de algo também muito comum em centenas de emissoras do país: o uso político-eleitoral das rádios.

Da própria 79 AM saíram nomes como Welson Gasparini ? três vezes prefeito da cidade, entre anos 60 e 90, e uma vez deputado federal no período 1994-98. Em algumas legislaturas, até a década passada, as emissoras chegaram a "eleger" metade dos vereadores da Câmara Municipal ? hoje a proporção é mais modesta. A rádio é usada como trampolim para uma carreira política. Por meio de assistencialismo eleitoreiro, os radialistas dão aos ouvintes cadeiras de rodas, roupas, empregos, cestas básicas etc. Devidamente cadastrados, esses ouvintes são procurados depois pelos radialistas-políticos e "lembrados" que haverá uma eleição.

Trata-se de algo que lembra o publicismo de outrora, quando o jornalismo foi utilizado largamente para defender interesses políticos. Típico do século 19, o publicismo teve ainda destaque nos anos 50 e 60 no Brasil, particularmente na figura do ex-governador da então Guanabara Carlos Lacerda, como lembrou o professor Nilson Lage em seu livro A reportagem: teoria e técnica de entrevista e pesquisa jornalística (189 pp, Editora Record, 2001).

Até por isso, os novos donos da 79 AM têm levado ao ar slogans pregando "a volta de um jornalismo verdadeiro". "Queremos divulgar e formatar a notícia. Queremos polemizar, ouvir todos os lados", explicou Curió.

Kajuru, por sua vez, atacou a principal concorrente da 79, a Rádio Clube, retransmissora local da Rede Bandeirantes de rádio e TV. Ele aponta o fato de a emissora ter arrendado, no canal de TV, horário para o programa de maior audiência na cidade, o Clube Verdade, comandado pelo radialista Wilson Toni, ex-deputado estadual, ex-secretário de Estado no governo Orestes Quércia e apontado como eterno pré-candidato à prefeitura municipal ? embora Toni negue que disputará o pleito em 2004.

Pautado principalmente pelo noticiário policialesco (próximo inclusive ao que Datena faz na Bandeirantes), Toni explora a violência urbana como matéria-prima de sua audiência no rádio e na televisão. É raro ouvir em seus programas reportagens que relatem os fatos da criminalidade com a preocupação de apresentar alternativas para resolver a questão da violência. Neles, é priorizada a narração exclusiva das cenas de violência.

Toni é hoje um fenômeno de audiência. Mais do que isso, essa popularidade lhe rende um poder político impressionante. Mal comparando, pode-se dizer que ele é uma espécie de Antonio Carlos Magalhães ribeirão-pretano. Como o senador baiano (ambos são do mesmo partido, o PFL), Toni domina a cena política local. Não há um vereador sequer, nem mesmo o próprio prefeito ? o novo petista Gilberto Maggioni ?, que ouse ter divergências com ele. Se na Bahia ACM tem quase todas as celebridades do mundo artístico aos seus pés, em Ribeirão Preto Toni não faz diferente. Até a figura política da cidade mais conhecida nacionalmente, o ministro da Fazenda Antônio Palocci Filho, fez questão de "pedir benção" do ex-deputado em seus últimos dias de poder na prefeitura.

Do bem e de bens

"Se o modelo de radiojornalismo é o que o Toni faz, eu tenho que ir embora de Ribeirão Preto", disse Kajuru, frisando, no entanto, não ter nada de pessoal contra o ex-secretário, mas contra sua maneira de fazer mídia. E completou: "De verdade, não tem nada o jornalismo que eles fazem. O nome inclusive é falso", completou.

"Faço um jornalismo que tem aceitação popular. Não tenho nada a declarar sobre o que o Kajuru disse. Respeito o trabalho dele, inclusive. Mas se ele quiser ir embora para casa, espero que ele pegue um bom ônibus", afirmou Toni na sexta-feira (15/8). "Mas não quero polemizar com ele. Quando o Kajuru tiver a minha audiência [em Ribeirão Preto], a gente conversa", disse, citando pesquisa do Ibope segundo a qual ele teria 85% da preferência dos ouvintes com rádio ligados na cidade.

Sobre o jornalismo policialesco, Toni diz que registra os fatos. "O que é violento não é o programa [Clube-Verdade], é a situação", afirmou, enfatizando que publica ou veicula o tipo de noticiário que realmente ocorre na cidade.

Datena, por seu lado, foi mais diplomático do que Kajuru. Evitou atacar os concorrentes e confessou até que sua emissora vai enfrentar uma limitação no futuro. Segundo ele, não existe imprensa totalmente livre no mundo. "Mas vamos tentar chegar o mais próximo possível disso [de uma imprensa livre]. Até porque o nosso objetivo aqui não é ganhar dinheiro", disse.

Resta saber se o "jornalismo independente" da 79 AM será de fato uma promessa, como afirma Kajuru, ou só um marketing, como parece indicar a limitação citada pelo seu sócio e âncora do Brasil Urgente. Kajuru conta com a ajuda de seus antigos amigos para fazer valer o primeiro. "Graças a Deus temos ainda em Ribeirão uma boa parte de jornalistas do bem e não jornalistas de bens", afirmou.

(*) Jornalista