Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Raël é real

MÍDIA, CLONAGEM & CHANTAGEM

Alberto Dines

Os códigos de Hamurabi foram escritos, o Velho Testamento foi escrito, assim como as epístolas de Paulo, os Evangelhos e as idéias de Maomé. A Reforma de Lutero foi basicamente um feito editorial ? a tradução e divulgação da Bíblia em alemão.

Inscrição não é apenas uma das rimas para religião, as duas se relacionam, mesclam-se. Ritos e tradições podem ser transmitidos oralmente, mas quando transformados em preceitos mais elaborados demandam um registro para vencer tempo e distância.

O ser humano chega à religião através da Revelação e esta só pode ser estendida aos semelhantes através da Comunicação. A corrida dos evangélicos atrás dos veículos eletrônicos e a transformação dos sacerdotes em apresentadores de rádio e de TV constituem uma das distorções mais graves do processo mediático, já que as emissoras são concessões públicas de um estado democrático e deveriam atender a todas as crenças e também acolher o direito à descrença.

A religião inventada pelo espertalhão francês Claude Vorilhon, vulgo Raël, doravante denominada de raëlianismo, não é fruto de superstição ou histeria (ou combinação de ambos, como foi o caso de Mary Baker-Eddy e o império jornalístico montado para divulgar a sua Christian Science).

Aqui trata-se de um projeto mediático concreto, inventado por um jornalista profissional (o próprio Vorilhon) para aproveitar-se das brechas e mazelas do atual sistema de informação de massa. O fenômeno não se resume à comunicação de uma doutrina, é a doutrina da comunicação levada ao paroxismo.

A espetacularização do jornalismo e a sua combinação com o showbiz foram as chaves utilizadas pelos cardeais raëlianistas para a sensacional jogada do Gênese ? Parte II com o anúncio do nascimento de Eva-2, clone de embrião humano.

O templo é um cenário hightech recolhido no ferro-velho de uma emissora de TV para programas de science fiction. O guarda-roupa do apóstolo é sobra de algum desfile de moda dos anos 60 e a figura da sacerdotisa/cientista/drag queen dá a nota "erótica" e kitsch capaz de empolgar as legiões de vidiotas produzidos em escala mundial pela programação tipo reality show etc.

Raël é real.

A trupe não busca o virtual, não disfarça; joga claro através da mistificação caricata para tornar-se palatável e normal. O negócio da trupe é a crendice contemporânea avacalhada pelo sensacionalismo. Fé instantânea, tipo Nescafé. Teologia do lixo. Raël é o Frankenstein da atualidade, costura de factóide com auto-ajuda. Ratinho esotérico. E mesmo assim a mídia brasileira deu-lhe crédito.

Equivalem-se.