Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Raul Haidar

 

Editada na última sexta-feira, a Medida Provisória 135, que alterou a cobrança da Cofins, causou indignação porque deixou de fora das mudanças, entre outros, o setor de mídia. Seria o começo do “Propress”? As modificações implementadas pelo Estadão em seu site na internet e as negociações para a implantação do padrão de TV Digital no Brasil são outros destaque do Entre Aspas desta edição.

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PT NO PODER

“Governo faz terrorismo tributário no dia das bruxas”, copyright Consultor Jurídico (www.conjur.com.br), 1/11/03

“Sessenta e nove! Essa é a exagerada quantidade de artigos que contém a Medida Provisória n? 135, publicada em edição ?extra? no Diário Oficial de sexta-feira (31/10), quando, coincidentemente, alguns comemoram o ?Dia das Bruxas?.

Não se sabe bem ao certo se a MP é uma sacanice chula ou uma ?bruxaria? contra o contribuinte brasileiro.

A alíquota da Cofins vai ter um aumento de 153%! Ou seja: passa de 3% para 7,6%! Dizem que é para compensar o ?avanço? que representa a adoção do ?princípio da não cumulatividade?, a exemplo que se fez no PIS. Ao que parece, será mais um ?avanço? apenas no bolso do contribuinte.

Quanto ao PIS, o que se viu até agora foi um aumento enorme de sua arrecadação, sem que isso tenha sido resultado de crescimento econômico.

Estão aí o desemprego, a inadimplência, as falências para demonstrar que a economia não cresceu. E se a arrecadação cresceu, como registram as autoridades, é porque o tributo aumentou. O resto é papo furado, é ?marketing? dos fiéis seguidores da escola ?geológica? implantada na Receita Federal há mais de 8 anos, onde os buracos orçamentários são resolvidos com pedradas no contribuinte.

Pretender que imaginemos que alguém seja beneficiado com a tal ?não cumulatividade?, ao mesmo tempo em que a alíquota tem aumento de mais de 153%, é imaginar que todos os brasileiros, especialmente os contribuintes, sejamos idiotas.

É uma VERGONHA que um governo que se pretenda sério baixe uma Medida Provisória dessa natureza, ao mesmo tempo em que pretende fazer uma reforma tributária, que aqui na Conjur já chamamos de ?Reforma de 1? de Abril?.

Se todo poder emana do Povo, se o Congresso é quem representa o Povo e se isso que aí está é um governo democrático, não há motivo para resolver o assunto por MP. Trata-se, sem dúvida, de uma medida COVARDE, na medida em que trai o Congresso, trai o Povo.

Na verdade, em matéria de Cofins, a MP não acaba com cumulatividade alguma, mas apenas admite redução parcial da sua base de cálculo, da qual serão excluídos determinados insumos, e isso apenas nas empresas que optam pelo lucro real, pois tais normas não alcançam os que optam pelo lucro presumido.

E mais: a MP vai muito além, criando uma série de multas e sanções de discutível constitucionalidade, em relação às importações, alterando substancialmente o Regulamento Aduaneiro.

Pior: cria a ?retenção na fonte? da Cofins, da Contribuição Social e do PIS, em diversas espécies de serviços (limpeza, vigilância, conservação, etc), inclusive na ?remuneração de serviços profissionais?.

Assim, muitos prestadores de serviços, pessoas jurídicas, mesmo que sejam optantes pelo lucro presumido, que hoje sofrem retenção do imposto de renda na fonte na base de 1,5 %, passarão a ter mais 4,65% de retenção, ou seja, passam a sofrer um desconto total de 6,15% sobre suas faturas!

Nós, os prestadores de serviços, estamos ferrados! Ou paramos de trabalhar, ou nos tornamos escravos do governo, ou vamos para a informalidade, a sonegação. Não é isso que queremos, nem é isso que merecemos! Não há outra palavra: isso é sacanagem!

Curiosamente, ficam de fora as empresas jornalísticas e as emissoras de rádio e televisão. E a isonomia, o princípio da igualdade, vai, definitivamente, para o lixo. A televisão, o rádio, a imprensa, passam a ser favorecidos, como se fossem mais importantes que as clínicas médicas, as empresas de limpeza, os escritórios de contabilidade. Parece que apenas as verbas publicitárias, o dinheiro do BNDEs e outros tantos favores, não são suficientes.

Serão favores ou serão subornos? Querem ajudar os meios de comunicação e espoliar os outros segmentos da sociedade, ou querem apenas manter a imprensa, o rádio e a televisão a reboque do governo, bajulando-o?

Ou será que isso apenas resulta do fato de que muitos congressistas são donos ou representantes desses órgãos? Isso é pornografia! E não é barata.

Ainda não deu tempo de examinar completamente essa bruxaria toda. Mas, desde já, se percebe que a MP 135 é flagrantemente inconstitucional, na medida em que trata de matéria reservada a Lei Complementar, como ordena o artigo 62, ? 1?, inciso III, da Constituição. Diversas normas gerais de direito tributário estão nela contidas, o que esbarra nessa vedação.

Esperamos que a OAB, ou qualquer dos partidos políticos ou mesmo entidades empresariais, tratem logo de, na forma do artigo 103 da Carta Magna, ingressar com a indispensável Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, para tentar barrar toda essa feitiçaria pornográfica!”

 

“Apertem os cintos, o Duda saiu”, copyright No Mínimo (www. nomínimo.com.br), 29/10/03

“Numa carta longa e estranha ao secretário de Comunicação, Luís Gushiken, o publicitário Duda Mendonça se demitiu do governo Lula. Está na moda se demitir do governo Lula (?para preservar o presidente?). A novidade é que Duda se demitiu de um cargo que não existe. Coisa de publicitário. Mas o homem que ?civilizou? a imagem de Lula (paz e amor) e finalmente viabilizou sua eleição, não está fazendo jogo de cena. Desde os jacobinos, como se sabe, esquerda no poder é fratricídio. A solidariedade acaba onde começa o gabinete do companheiro mais próximo. Nesse jogo bruto travado em torno do Robespierre Zé Dirceu, o fogo amigo fritou o ministro da Propaganda. Tudo indica que o Brasil vai começar a ver um Lula de cara lavada.

A comemoração do aniversário de um ano da eleição do presidente já deu pistas sobre a nova marca do governo. Nada de paz e amor. Na viagem à Espanha ou no encontro da Internacional Socialista, o personagem principal dos discursos dos aniversariantes foi Fernando Henrique. Nada mais fora de moda, diria Duda, de seu exílio imaginário. Em súbita recaída, a mensagem dos cardeais do PT agarrou-se novamente à tal ?herança maldita? (será a Benedita?). O ex-ministro da Propaganda deve estar tendo urticárias com a guinada cinzenta do Politburo petista. E deve ter precisado de alguns lexotans após a entrevista antológica do secretário-geral da Presidência, Luís Dulci.

Abrindo o dia de comemorações de um ano da eleição, Dulci foi escalado para uma longa entrevista ao ?Bom dia, Brasil?, da Rede Globo. Ou seja, era o homem encarregado de dar o tom do governo naquele importante momento político. A entrevista foi uma calamidade. O desemprego aumentou nos últimos meses? É verdade, admitiu Dulci, ressalvando que não estava pessimista. Em primeira mão, informou que ?leu na imprensa? sobre uma tendência de abertura de novos postos de trabalho nas cidades do interior, o que ainda não tinha sido sentido nas metrópoles. Enquanto não apresentarem ao secretário-geral o IBGE, o Ipea e o Ministério do Trabalho, é confortante saber que ele contará ao país todas as boas notícias que achar nos jornais.

Mas até aí o comunicador oficial do governo teria se safado. O problema foi quando confrontaram-no com a já surrada questão da metamorfose sofrida pelo PT na chegada ao poder. Não se sabe se já é a falta do superego de Duda Mendonça, mas o fato é que diante das câmeras deu um branco no homem. Afinal, o que tinha acontecido com aquele PT que defendia a ruptura com o FMI, a moratória da dívida e o fim do superávit primário? Que condenava a taxação dos servidores inativos, se opunha à reforma da Previdência e a todas as outras, inclusive a da telefonia? Evidentemente, uma contradição desse tamanho não pode ser deixada no ar. Em algumas das muitas vezes que respondeu a esse tipo de pergunta, o presidente do partido, José Genoíno, arriscou a linha Duda de transparência e se deu razoavelmente bem: o PT estava errado em vários de seus diagnósticos, e tinha mostrado capacidade de rever e aprimorar seus conceitos.

Mas Luís Dulci cometeu o pecado capital: deixou a pergunta-editorial no ar. Ou melhor, respondeu que Lula e o PT, tanto antes como agora, tinham estado sempre do lado do povo – o que equivale a não responder. Um ministro poderoso de um governo politicamente forte pode deixar no ar quantas perguntas quiser. Dificilmente será espremido para valer contra a parede. Mas o ex-ministro da Propaganda sabe – e sempre disse isso a Lula – que o preço da má comunicação é alto, embora às vezes demore a ser cobrado. Foi o que aconteceu na campanha eleitoral com Ciro Gomes. Depois de proferir uma penca de meias-verdades (e algumas inverdades), quando viu, o atual ministro de Lula estava com o carimbo de mentiroso na testa (e aí foi botar a culpa no Nizan Guanaes).

Com o trio Dirceu-Dulci-Gushiken, o Estado Maior petista não parece muito sensível às armadilhas da comunicação poluída. Vai ver é a tal ?paisagem de Leste Europeu? a que andou se referindo o deputado Fernando Gabeira. Não é provável que o governo Lula venha a retocar as fotos do seu Ministério, sumindo com aqueles que caírem em desgraça (como se fazia na URSS de Stalin), mas já se vê muita informação embelezada por aí. O próprio Dulci declarou, por exemplo, que o programa Fome Zero já atende a cerca de 20 milhões de pessoas. Como assim, secretário? Quantos são os brasileiros famintos, afinal? Estaríamos então com o problema resolvido? Ou estatística é uma coisa, e comida na mesa é outra?

Esse tipo de mensagem embelezada pode até surtir algum efeito positivo imediato, mas com o tempo a maquiagem se desmancha. O governo Lula insistiu – e o superministro Dirceu ainda insiste – que os 3,5 bilhões de reais desviados para o Fome Zero e para saneamento básico não fariam falta ao Ministério da Saúde. ?Comida e saneamento também não são saúde??, pergunta o ministro. Tal argumento, que andou convencendo muita gente boa, pode ser apenas cinismo. Se for ignorância, a preocupação é um pouco maior. O dinheiro que Dirceu mandar para construir uma rede de esgoto no Vale do Jequitinhonha vai livrar a criançada local de algumas verminoses daqui a uns dois anos, numa previsão otimista. Para combater as verminoses de hoje, porém, não haverá remédio – o dinheiro foi transferido para pagar a tubulação. Na lógica orçamentária do governo, o verme pode esperar.

A carta de Duda, com suas alegorias sobre demissão de cargo inexistente e repetição de enunciados conhecidos, parece até um manifesto surrealista sobre o óbvio. Mas é a notícia cifrada de um abalo no terraço da República. O rei não está nu, mas pode estar ficando afônico.”