Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Rádio e eleições: relação que traz voto

Maurício Ferreira da Silva (*)

 

U

ma das grandes “vedetes” do primeiro turno das eleições de 1998 foram as pesquisas eleitorais. Já há algum tempo esse tipo de sondagem de opinião vem sendo criticada pelos políticos e seus correligionários. A novidade desta vez ficou por conta do debate que se travou em torno dos resultados divulgados sobre a candidata ao governo do estado de São Paulo, Marta Suplicy (PT), e que pode ser analisado por dois aspectos: o primeiro diz respeito à própria sondagem (resultados, metodologia etc.) e o segundo pela maneira como os números podem ser trabalhados, ou seja, como foi a divulgação.

Percebe-se, portanto, uma capacidade especial da mídia em relação à organização política institucional. A maneira de portar-se em relação aos dados quantitativos pode determinar o comportamento do eleitorado, uma vez que a função de divulgar – ou não – tais resultados é da responsabilidade desses veículos. No entanto, a relação entre os mídia e a política institucional não se reduz ao papel de divulgação dos fatos, pelo contrário.

Os resultados eleitorais mostram uma inserção também no que se refere às casas parlamentares, ou seja, a eleição de pessoas que provêm dos “seus quadros profissionais”, como comunicadores, atores, apresentadores etc. Esses candidatos midiáticos ganham projeção social, e portanto eleitoral, justamente por serem figuras públicas e muitos, mesmo não sendo eleitos, conseguem boas votações, como foi o caso da candidatura ao Senado do apresentador João Leite Neto, que obteve 2.300.545 votos, o que corresponde a 14,75% dos votos válidos no estado de São Paulo.

As mesmas urnas que não elegeram João Leite foram mais gentis com os candidatos a deputado federal Celso Russomanno e Nelo Rodolfo. Enquanto o primeiro conseguiu 185.611, o segundo garantiu uma cadeira no Congresso com 116.736 votos. É interessante notar que ambos possuem uma história de sucesso eleitoral, uma vez que Russomanno sagrou-se como o deputado federal mais votado nas eleições de 1994 e Rodolfo, o vereador mais votado na capital paulista em 1996, “credenciando-se”, inclusive, a exercer a presidência da casa.

Já em âmbito estadual podemos constatar mais uma vitória de Afanásio Jazadji, com 68.243 votos, um pouco acima dos 58.326 alcançados em 1994. Afanásio entra em seu quarto mandato tendo em seu currículo o fato de ter sido o deputado estadual mais votado até hoje, marca que atingiu quando concorreu em 1986 (558.138 votos), justamente no momento em que se destacava no rádio com seus programas sobre a criminalidade.

Ora, conhecendo números tão expressivos, a pergunta que se faz é justamente sobre os motivos que propiciam tal fenômeno, ou seja, quais os fatores que contribuem para que um “funcionário” dos veículos de comunicação ganhe condições de representatividade política.

Foi pautado neste questionamento que concluí dissertação de Mestrado na PUC-SP, intitulada Quem me elegeu foi o rádio – Os comunicadores sociais na Assembléia Legislativa de São Paulo. Preocupei-me em analisar os mecanismos que contribuem para a inserção de comunicadores sociais nas instituições políticas e como estes se comportam. Para tanto, como objeto de pesquisa, foram selecionados os comunicadores sociais que detinham uma programação própria no rádio e que se elegeram à Assembléia Legislativa de São Paulo nas eleições de 1986 e 1990 (Afanásio Jazadji, Erci Ayala, Oswaldo Bettio e Fernando Silveira). Além das entrevistas, foi realizada busca no TRE de São Paulo para determinar a votação que cada parlamentar obteve em cada pleito.

A análise do material empírico mostrou que alguns comunicadores credenciam-se a ocupar uma vaga na Assembléia Legislativa pelo simples fato de ser comunicadores. Isso significa que o trabalho que desenvolvem no rádio, principalmente em função das programações e de seus posicionamentos, os tornam aptos a enfrentar um processo eleitoral (com grandes probabilidades de êxito).

A relação entre o programa encabeçado pelo comunicador e a condição à representatividade política é o que chamamos de capital eleitoral, ou seja, uma perspectiva eleitoral favorável que resulta da transferência do prestígio alcançado no programa.

Os quatro parlamentares entrevistados tinham em comum um trabalho de assistência muito forte e de soluções dos mais variados problemas. Alguns dedicavam-se a auxiliar os ouvintes na resolução de questões cotidianas e familiares, outros discutiam problemas relacionados à violência e outros, inclusive, promoviam encontros de casais. Na medida em que tais posicionamentos constituem alternativas de resolução dos problemas dos ouvintes, estas atuações os credenciam a assumir a condição de representantes políticos. Sendo assim, o capital eleitoral torna-se o grande trunfo nas mãos dos comunicadores que pretendem se candidatar a cargos públicos.

Uma vez possuidor do capital eleitoral o comunicador se torna alvo certo para alguns partidos políticos. Assim sendo ele será premiado com algumas vantagens que um candidato sem o capital eleitoral não possuiria. A primeira delas é a facilidade de conseguir legenda partidária. Uma segunda vantagem do candidato midiático refere-se ao custeio de sua campanha política, muitas vezes outros candidatos pegam “carona” com estes comunicadores, fazendo “dobradinhas”, com o objetivo de aumentar sua votação, pois existe a probabilidade de ocorrer a transferência do “prestígio eleitoral” destas candidaturas a outros aspirantes a cargos políticos.

Podemos citar como exemplo os casos de Oswaldo Bettio e Afanásio Jazadji (estaduais), que entraram na “dobradinha” com Arnold Fioravante (federal) em 1986 ou de Erci Ayala com José Serra no mesmo ano.

A transferência do capital eleitoral não é, no entanto, característica apenas das “dobradas”, que ocorrem com muita freqüência. Mesmo não sendo candidato o comunicador pode adquirir certo êxito ao “apoiar” um candidato e solicitar de seu público os votos necessários para elegê-lo, como ocorreu na eleição de 1984, em que Oswaldo Bettio encabeçou um “apoio midiático” a Jânio Quadros – que contava com a participação de seu irmão Zé Bettio e de Afanásio Jazadji. Os três possuíam nove programas diários, o que contribuiu para uma constante presença de Jânio nos veículos de comunicação.

Mesmo neste último pleito pudemos constatar o caso do deputado eleito Adriano Eli Correa (PFL – 59.925) e do derrotado Paulo Barbosa Filho (PL – 18.876). Ambos utilizam os nomes de seus pais, e a aparição pública fez referência a eles, como no caso de Adriano, que utilizou o slogan “Oi, gente”, marca característica do pai, o apresentador Eli Correa. Como o capital eleitoral foi construído à margem dos partidos políticos, estes “candidatos midiáticos” acabam escolhendo siglas partidárias mais por uma necessidade institucional – a obrigatoriedade da legislação – do que em função de suas concepções ideológicas. Neste momento o “personalismo da representação” torna-se uma eminência, ou seja, toda a função de mediação entre o cidadão e o Estado personifica-se na figura do “parlamentar midiático”, ignorando, assim, o partido político.

Esse capital eleitoral não é permanente, ou seja, existe a necessidade constante de “alimentação”. No caso dos comunicadores sociais, o acesso aos veículos de comunicação é fator fundamental à criação, continuidade ou ampliação do “potencial representativo”. Uma análise dos dados quantitativos apontados na pesquisa mostrou que quanto maior o tempo de afastamento do rádio, maior será o decréscimo em relação à votação obtida na primeira eleição de que participou o comunicador. Com o rádio, a campanha eleitoral do comunicador estará praticamente pronta, uma vez que se pautará justamente nas idéias e atuações que o caracterizaram com o programa.

Sendo assim, quanto maior o tempo que separa o já parlamentar do rádio, maior será a probabilidade de que os votos à reeleição sejam coletados em função de outras atividades. O capital eleitoral funciona por um tempo determinado, e quanto maior sua força inicial, maior será o tempo em que ele ainda renderá frutos. Por esse aspecto, podemos entender as derrotas eleitorais de Fernando Silveira, Oswaldo Bettio e Erci Ayala durante os processos de reeleição e o porquê do êxito de Afanásio Jazadji em todos os pleitos de que participou. Mesmo sofrendo quedas acentuadas nas últimas eleições, vale lembrar que Afanásio foi eleito em 1986 com uma imensa votação, o que comprova que ele tinha algumas “gordurinhas a queimar”.

Ele mesmo compreende os motivos da queda em suas votações, a ausência nos veículos de comunicação: “Mas em relação ao que foi nem eu esperava que mantivesse, pois em 86 eu tinha três programas praticamente. Em 86 não havia essa proibição de jornalistas ou radialistas terem que se afastar do microfone”.

Um dado fundamental que contribuiu para o êxito de Jazadji nestas eleições foi o espaço concedido no horário eleitoral gratuito pela coligação que apóia Maluf. Em muitos programas, Jazadji aparecia como uma espécie de apresentador, ganhando relativo tempo de exposição ao eleitorado.

Há de se ressaltar que o capital eleitoral não é característica inerente ao comunicador social. Praticamente todos os pesquisados foram líderes em audiência, o que comprova uma certa tendência à transferência do “prestígio” alcançado no programa para o Legislativo. O exemplo destes comunicadores sociais aponta para alternativas de representação política através do rádio.

(*) Pesquisador, professor universitário e mestre em Ciência Política pela PUC-SP

 


Graça Caldas

 

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om o término da propaganda eleitoral do primeiro turno na televisão e o voto na urna, ficou uma pergunta: o povo mais uma vez sucumbiu aos marqueteiros de plantão? Qual o grau de informação do cidadão brasileiro para fazer sua escolha? Considerando que a grande maioria informa-se apenas pela televisão, na qual os debates são raros e quando existem nem todos os candidatos aparecem, eu diria que fica difícil fazer uma opção consciente.

Como observadora preocupada com a despolitização das pessoas, entendo que é necessário abrir uma discussão sobre o papel que os especialistas em marketing exercem em período eleitoral. Pela capa da Veja de 16/9/98 Os magos da urna – como os publicitários mudam a imagem dos políticos para ganhar seu voto, Nizan Guanaes e Duda Mendonça são as estrelas do momento e estão, obviamente, ganhando rios de dinheiro.

A matéria da Veja e a da Carta Capital de 30/9/98, O poder dos donos – governadores, senadores e deputados proprietários de emissoras de TV e rádio mostram sua força nas eleições, são esclarecedoras para a compreensão de como é formada a opinião pública neste país.

De um lado, temos os marqueteiros “vendendo” os políticos como produto, e de outro a concentração dos meios de comunicação nas mãos dos aliados do sistema. Quem não lembra da célebre frase do senador Antônio Carlos Magalhães, à época ministro das Comunicações, dizendo em alto e bom som “Quem tem rádio e televisão está sempre no poder.”? E, para manter as mesmas pessoas sempre no poder, nada mais simples do que exercitar o clientelismo eletrônico na distribuição de canais de rádio e televisão, fartamente denunciado pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação e registrado em diferentes trabalhos acadêmicos.

Mas, será que podemos, realmente, comparar os políticos a produtos? Quando eu compro uma mercadoria influenciada pela “embalagem” e percebo que fui enganada posso reclamar ao Procom ou ao Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC). Além disso, na pior das hipóteses, posso jogar o produto fora e comprar outro similar de concorrente mais confiável.

O princípio do direito do consumidor não se aplica, porém, aos políticos. Não há como tratá-los unicamente como produto. Isto porque, quando voto influenciada por alguma propaganda, eu estou “comprando” idéias e promessas que estão, de alguma forma, indo ao encontro de minhas expectativas. Só que, neste caso, se eu perceber que fui enganada, não posso jogar fora o “produto”. Terei que engoli-lo por no mínimo quatro anos.

Claro que vivemos numa sociedade capitalista, de livre iniciativa de mercado, onde “a propaganda é a alma do negócio”. Sei de tudo isso. E é exatamente aí que entra o papel social da imprensa, de sua responsabilidade perante a formação da opinião pública. Mas, se a imprensa, em quase sua totalidade, está justamente comprometida com o sistema, em função de interesses políticos e econômicos comuns, como esperar que ela exerça com isenção seu papel?

Fui às urnas em 4 de outubro dar, pela primeira vez, um voto útil. Não dá mais para brincar de esquerda e direita. Está na hora do exercício do voto maduro, refletido. Sou cada vez mais a favor da política das brechas. O voto é ainda a única arma que o cidadão tem para expressar sua posição. É preciso, no entanto, que esta discussão seja ampliada para que o Brasil virtual caia na real, em lugar de ficar inteiramente à mercê das imagens cuidadosamente esculpidas pelos profissionais do marketing político.