Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Recaídas da imprensa e omissões esquisitas

COBERTURA LITERÁRIA

Deonísio da Silva

Não podendo contar com a sábia consultoria do escritor, médico e meu querido amigo Moacyr Scliar, cujas orelhas sempre alugava quando ambos partilhávamos o gosto e os nossos atrapalhos de pais inexperientes de primeiros filhos, ainda assim ouso enveredar por seara sua, pois ele, além de ser um dos nossos mais notáveis ficcionistas, é também autor de obras de referência na medicina.

Se não me falha a memória, foi um dos primeiros a chamar a atenção, ainda na década de 1970, para o fato de o suicídio ser uma das primeiras causas de óbito no Rio Grande do Sul. E, que coisa curiosa, os suicidas partiam desta para a pior por enforcamento. “Desta para pior” me vem à mente por obra de Dante e sua Divina Comédia. Se até alguns papas merecem o inferno, imagine este pobre devoto de Teresa D?Ávila! Para o Brasil meridional, que viveu seu apogeu quando negociava charque e couro, não deixa de ser sintoma rico em revelações o fato de a corda servir também para dar um triste fim à vida do gaúcho, que em vida a usou para domar cavalos lidar com o gado.

A medicina ocidental define a doença como a quebra da homeostase, o sistema que regula os diversos órgãos, trazendo equilíbrio. A palavra veio dos compostos gregos hómoios, semelhante, e stásis, ação de pôr em pé. Sem saúde, caímos no leito. Os vários órgãos de nosso corpo recebem ainda a influência psíquica e social. Por isso, segundo a Organização Mundial da Saúde, a saúde é um perfeito estado de bem estar físico, psíquico e social e não apenas ausência de doença ou enfermidade. Já os orientais definem a saúde como o equilíbrio das forças que denominam yin e yang, cuja harmonia evita a doença.

Pois sabem o que eu acho? Que nossa imprensa está doente! Está perdendo um equilíbrio mínimo que sempre teve. E está perdendo leitores, não por causa da crise, mas porque não a está sabendo espelhar direito. Gente mais categoriza do que o signatário já alertou os distintos empresários de nossa imprensa que o que vende jornal e revista é notícia, é texto, é foto, é análise, é interpretação.

Vou ilustrar com um pequeno corte. Na década de 1970, quando se deu o boom do conto no Brasil, a Veja, então na creche, cuidava em espelhar os novos escritores. E com isso conquistou o público leitor. Jovens escritores, professores, intelectuais e artistas, notórios formadores de opinião, lhe produziam público, faziam afluir novos leitores para a revista. O mesmo aconteceu com certas guinadas havidas, mais ou menos na mesma época, em grandes jornais, como a Folha de S.Paulo e o Jornal do Brasil.

Mais espaço, mais nitidez

De uns anos a hoje, sem a arrogância de impor datas, o novo tem grande dificuldade de ser espelhado na imprensa. Escritores músicos, atores, professores e várias outros praticantes de ofício que requerem a atenção da imprensa encontram sérias dificuldades de entrada no santo dos santos em que se transformaram as redações dos grandes jornais e revistas. É verdade que há excelentes editores cuja atuação sempre foi marcada pela busca do novo. Mas eles refletem a norma? Provavelmente, não. A norma é ignorar o novo.

Mais um exemplo fugaz. Quem não vê que a Academia Brasileira de Letras está passando por grandes transformações? A imprensa não está mostrando essas mudanças. O caso Paulo Coelho foi tratado com certo desdém. Sua entrada não foi examinada a fundo, a imprensa não deu ao grande público ? o leitor de jornais e revistas, infinitamente superior ao dos livros ? as explicações do fenômeno.

É necessário refletir as mudanças que lá se processam. Há um eficiente programa editorial. Os prêmios passaram a ser distribuídos sob critérios que resultam na premiação dos novos também e não apenas no reconhecimento, quase sempre dispensável, dos grandes medalhões. Para ilustrar com mais exemplos, cito o Brasil meridional, de quem a ABL se lembrou recentemente para premiar escritores já consolidados, como o contista Sérgio Faraco e o romancista Luiz Antonio de Assis Brasil, mas também gente mais nova, como o poeta Fabrício Carpinejar. Este moço está fazendo uma trajetória fulgurante na poesia brasileira. Mas por que a imprensa está acompanhando tão pouco essas boas notícias?

Precisamos também dar uma olhada nos perfis dos candidatos à ABL. Mudaram os perfis. Antes surgiam nomes que nada tinham a ver com o ofício de homens de letras, como foi o caso de Ulysses Guimarães, que não foi eleito, nem consolidou sua candidatura, mas foi lembrado, e do cirurgião plástico Ivo Pitanguy.

Também em passado não tão recente, Millôr Fernandes travou divertida e rica polêmica com Antônio Houaiss quando o dicionarista se candidatou e foi eleito.

Mas para uma instituição que já elegeu para um de seus pares um dos autores do Ato Institucional n? 5, apenas a consulta aos nomes dos candidatos dá idéia de como as coisas mudaram e estão mudando! Fenômenos semelhantes repetem-se nas academias regionais, como a Academia Paulista de Letras.

A imprensa, porém, não pauta ou pauta pouco as Academias e essa rica e complexa vida de autores e livros que faz do Brasil o segundo mercado editorial das Américas, tendo ultrapassado o México.

Também na Câmara Brasileira do Livro (CBL), agora sob nova direção, ocorreram e estão ocorrendo mudanças significativas. A imprensa está silenciando esses assuntos.

Em tempo: esclareço que nem mudou o Natal, nem mudei eu. E não penso em candidatar-me à ABL. Mas é confortável para os homens que têm apreço por autores e livros, entre os quais me incluo, naturalmente, verificar que o cardápio de nomes vem melhorando muito a qualidade dos eventuais convivas. Ou confrades, como preferem os que lá já estão.

A imprensa está devendo espelhos de tais temas. Com maiores espaços e mais nitidez.