Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Redações temem o novo

José Antonio Palhano (*)

Ainda que às custas de surtos imprevisíveis, sempre surgem indagações a respeito do singular tropismo das nossas capas de jornais pelo governo. Ou pela agenda oficial, já que não importa se o fenômeno é contra ou a favor. Ultimamente, é tema mais freqüente nos campi, em debates e palestras com acadêmicos de Comunicação, sôfregos e ansiosos pelo tititi (e pelo suposto glamour) das redações. Apesar de já não despertar maiores preocupações, convém anotar que o fenômeno anda passando ultimamente por um inequívoco processo de renovação. Num jargão mais afeito à linguagem ligeira desses tempos de internet, um autêntico upgrade.

Graças à dupla Antônio Carlos Magalhães/Jáder Barbalho, já não se trata mais de fazer as primeiras páginas a partir dos tais pressupostos oficialistas velhos de guerra, que afinal de contas ditavam apenas a pauta. Trata-se, agora, de uma escancarada e inescrupulosa absorção da terminologia depravada destilada intencionalmente pelos dois senadores. Ao investirem tão objetivamente na baixaria, estes senhores acabaram por desviar o foco das críticas às suas respectivas posturas pelo que tinham de moralmente condenáveis, algo que bem ou mal perdurou durante um bom tempo. Avalizadas por um detestável cálculo das relações custo/benefício, prevaleceram, a partir de um determinado instante, as demandas jornalísticas relativas ao frisson emanado das expectativas relativas à sucessão do Senado. Como esta foi há muito interpretada pelos mais diversos oráculos como peça fundamental na sucessão subseqüente – a da presidência da República –, o vale-tudo foi passiva e escandalosamente aceito.

Apenas para ficar num exemplo, sem qualquer implicância capaz de diferenciá-lo desfavoravelmente dos concorrentes, O Globo, em sua edição online, repercutiu a última salva de xingamentos e ofensas de ACM e Jáder (urge que se lhe providencie uma sigla, a fim de não se sentir discriminado) na conta de notinhas curtas, à guisa do placar de uma partida de tênis, que vai se alterando conforme seu andamento. Nada menos que uma mal disfarçada sugestão ao internauta para que ele seguisse em frente sem demonstrar qualquer sintoma de repugnância. Pode-se citar também a Folha, que sapecou uma das suas chamadinhas politicamente corretas na qual tentava, da forma mais esterilizada possível, passar a coisa adiante como se tratasse de avaliar um terremoto pelos graus conquistados na escala Richter.

Se é demasiadamente careta cobrir Antônio Carlos Magalhães e Jáder Barbalho chamando-os às falas e cobrando-lhes mais respeito pelo distinto público, que pelo menos sejam tratados pela mídia, doravante, como personagens plenamente temáticos. Afinal de contas, a inteligência roga que se abandone todo e qualquer critério capaz de aferi-los como seres que eventualmente se envolvem em altercações passionais e passageiras. Bem ao contrário, adotaram, conjuntamente, um modelo que, além de definitivo, é de magistral eficiência: o que vale é a presidência do Senado, o espaço cativo nas páginas e ponto final. Já estão por merecer, assim, uma nomenclatura toda especial, algo como O Complexo ACM / Jáder. O colunismo político vai atrás deles como quem vai atrás do trio elétrico ou do Círio de Nazaré e isto é o que basta.

Mas o pavor de ficar sem assunto (oficial) consegue impingir outros estragos, como se verificou no rescaldo das eleições. Doze dias depois das apurações, o Jornal do Brasil ainda saía com um editorial no qual tratava das declarações do governador Tasso Jereissati segundo as quais o resultado era uma dramática advertência ao governo de Fernando Henrique. Tudo bem que toda a base governista assim agisse. Trata-se de uma questão, para ela, de mera sobrevivência política. Duro, porém, era saber quem era mais alarmista, Tasso ou o próprio editorial. A reação era perceptível também nos outros jornalões. O tal recado das urnas foi repercutido, pelo menos inicialmente, como uma mensagem de transcendental e inesperado timing. Como se as expectativas dissessem de uma população mais conservadora na hora de votar. Tipo "olha aí, gente, eleição é coisa séria mas não vamos exagerar…" Bastou que ACM soprasse a tese de uma reforma ministerial e se fez uma festa danada de arretada em cima da sua declaração.

Grassa no inconsciente coletivo das redações, pelo jeito, uma paúra danada em relação ao novo. Não que convicções ideológicas estejam, sozinhas, por trás de tudo. Até que se torce e se escreve para que, se não tudo, muita coisa mude. Mas essa adoção passiva e promíscua do tal Complexo ACM / Jáder, aliada à angústia com que se alertou o governo para os resultados das urnas, já está por merecer alguma reflexão. Se a expressão "governismo" soar muito exagerada, basta de paternalismo.

(*) Médico, editorialista e colunista político da Folha do Povo, em Campo Grande, MS

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