Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Reflexão sobre "as mãos do mercado"

CAMPO GRANDE, MS

Éser de Faria Cáceres (*)

"Insatisfação, desconfiança e flagrantes" foi o título dado por estudantes de Jornalismo da UFMS na edição 26 do jornal-laboratório Projétil, há quatro anos, em matéria que analisava a forma como os campo-grandenses avaliam a atuação dos veículos locais de comunicação. O tom caótico da chamada, no entanto, ampara-se em dados apresentados no texto. Com pesquisa de opinião que entrevistou 200 pessoas, o material mostrava que 70,5% da população garantia não confiar na imprensa regional. Somente 26% disseram que confiavam no que vêem, lêem ou ouvem de jornalistas, e 3,5% preferiram a abstenção como resposta.

Campo Grande não difere das demais capitais brasileiras de mesmo porte. Com pouco mais de 100 anos de história e cerca de 600 mil habitantes, no entanto, é no relacionamento entre núcleos de poderio econômico ou político, produtores e consumidores de notícias, que a cidade apresenta peculiaridades interessantes. Além de todo o descrédito, a imprensa local convive também com práticas consideradas provincianas na maioria das demais praças jornalísticas de igual envergadura.

A existência de numerosos jornais semanais que são distribuídos gratuitamente e sobrevivem de subvenções do poder público em diversas instâncias, de entidades de classe e de empresários interessados na promoção comercial ou pessoal, por exemplo, é um fenômeno que retrata de forma realista o fazer jornalístico campo-grandense.

Do ponto de vista dos empresários que respondem pela imprensa, novamente posturas interessantes. "Sempre aprendi, e concordo, que o jornal é um órgão de informação e opinião. É isso mesmo. A gente deve formar a opinião pública para seguir por onde achamos o melhor caminho", admitiu em entrevista à revista Leia o diretor do Grupo Correio do Estado, Antônio João Hugo Rodrigues, que controla o maior jornal do estado, emissoras de televisão e de rádio.

Processo a repensar

Já entre os pequenos, a postura é de rendição à dependência econômica. "Quem está na redação não quer acabar carpindo na roça, então a gente tem que se virar como pode. A culpa na verdade é do poder público, que sempre paga para a gente dizer que são os melhores, os mais bonitinhos, para não falar mal, essas coisas", explica Marciano Lopes, que mantém homericamente um semanário fechado em grande parte com material fornecido por assessorias de diversas fontes e interesses.

"Ou a gente faz um jornal voltado para a população em geral, e vende cada exemplar, ou publica material voltado para determinados segmentos e distribui gratuitamente a publicação", justifica Luis Carlos Feitosa, proprietário de A Crítica, maior semanário da cidade, que garante distribuir 10 mil exemplares todos os domingos e é inegavelmente o maior sucesso financeiro recente dos "empreendedores da mídia". Centenas de leitores vão religiosamente à avenida onde a distribuição acontece para pegar, sem descer dos veículos, os exemplares oferecidos.

No conteúdo das publicações "gratuitas", material publicitário e material jornalístico se misturam sem qualquer diferenciação, e acabam confundindo os leitores. Com relação ao artigo 28 da Lei de Imprensa, que determina a identificação expressa de conteúdo divulgado mediante contratação, uma justificativa mercadológica: "É um modo autêntico de ser. Não me adianta chegar, por exemplo, a uma platéia de jornalistas e pintar um mar de rosas sobre a nossa atividade, porque ninguém é bobo e todos sabem como é a realidade. Vejo muito moralismo bobo por aí", mantém Feitosa.

Os reflexos desse peculiar jeito que o mercado arrumou para financiamento de projetos editoriais numa região etimologicamente pobre, carente de recursos a serem aplicados no aprimoramento das relações midiáticas das maneiras tradicionais, são catastróficos para o exercício do jornalismo. Do ponto de vista do consumidor, os reflexos da postura adotada pela imprensa regional marcam um posicionamento de ceticismo. Ainda de acordo com os dados da pesquisa da UFMS, 80% dos consumidores de notícias afirmam que já notaram em alguma ocasião matéria tendenciosa nos veículos de comunicação campo-grandenses.

Resta-nos, como consumidores ou produtores de informação noticiosa, repensar urgentemente como temos nos inserido nesse processo. Vítimas ou aproveitadores dos sinuosos caminhos engendrados pela tão venerada e respeitada "mão invisível do mercado"?

(*) Jornalista e empresário