Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Regina Ribeiro

O POVO

"Tribunal na tribuna", copyright O Povo, 12/5/02

"Na terça-feira passada a Assembléia Legislativa foi o palco de uma série de denúncias que atingiu o Tribunal de Justiça do Ceará. Essa não é a primeira vez que os poderes Legislativo e Judiciário, no Estado, se embrenham numa disputa na qual estão em jogo denúncias contra magistrados, num cenário que deixa a população perplexa e envolve justamente o poder que tem como função primordial a garantia do cumprimento do dever e das leis. No ano passado, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) foi abortada na AL, quando o novo comando do Tribunal de Justiça conseguiu um ?voto de confiança? do Legislativo, prometendo que ia apurar as denúncias no seio do próprio poder.

Na verdade, concretamente, nem O Povo, nem o Diário do Nordeste, ou qualquer outro veículo de TV deste Estado colocou entre suas prioridades de pauta uma investigação jornalística rigorosa e aprofundada sobre as denúncias que pairam sobre alguns membros do Tribunal de Justiça.

Mas o fato é que na última quarta-feira, os leitores do O Povo encontraram na página 20 da Editoria de Política uma matéria informando que o presidente do TJ, Haroldo Rodrigues, estava entrando com uma ação contra o líder do governo na AL, Moésio Loiola (PSDB), que tinha feito diversas denúncias contra ele. O texto não dava aos leitores uma noção exata dos acontecimentos ocorridos na AL, no dia anterior.

O Diário do Nordeste deu o assunto como manchete e publicou duas páginas sobre o caso. Mesmo com textos precários do ponto de vista da clareza, os leitores do DN estiveram muito melhor informados sobre o fato do que os leitores do O Povo.

Questionada sobre a matéria publicada na quarta, a Chefia da Redação informou que não havia repórter na cobertura da sessão da Assembléia naquele dia. No entanto, afirmou que o repórter pautado para o caso conseguiu recuperar todos os fatos. O mais importante foi que a Redação, depois de uma discussão sobre o conteúdo das denúncias, decidiu não publicar as acusações do deputado Carlomano Marques (PMDB) contra membros do TJ. O que pesou na decisão foi o processo político em evidência e a ausência de documentos comprobatórios das denúncias. A Redação acredita que os leitores deveriam ter sido avisados dos critérios tomados para publicação da matéria.

Concordo com a argumentação de que documentos ?apócrifos?, não assinados ou sem identificação da origem não devem ser a fonte de uma matéria jornalística. A função dessa papelada é unicamente ser porta de entrada para uma investigação jornalística que comprove ou não suas afirmações.

No entanto, o que aconteceu na Assembléia, na terça-feira passada, foi um fato jornalístico por excelência. Dois parlamentares – não apenas o deputado Carlomano Marques – munidos de nenhum documento comprobatório, desfilaram denúncias gravíssimas contra membros do Poder Judiciário, entre eles, o presidente do Tribunal, Haroldo Rodrigues.

O Povo tinha de ter dado tratamento melhor ao fato. Tanto tinha que no dia seguinte O Povo colocou três repórteres numa matéria que ocupou duas páginas, onde deixava claro para os seus leitores quais as principais denúncias envolvidas e seus personagens. As entrevistas publicadas ofereceram ao leitor uma idéia da qualidade das acusações que estão pairando sobre o Poder Judiciário. A Redação afirma também que ?o episódio da briga entre a Assembléia Legislativa e o Judiciário abriu uma discussão na Redação, que, certamente está gerando novos procedimentos internos?.

Coisa antiga e silêncio

Denúncias contra os membros do Tribunal de Justiça começaram em 1998. Um documento ?apócrifo? dava conta da prática de nepotismo, venda de sentenças e alguns outros atos que, com certeza, não combinam com o posto que ocupavam os denunciados. O texto chegou a circular pela Internet. O Povo, em nenhum momento, utilizou essas informações como ingresso para uma investigação jornalística sobre o caso.

É verdade que a Corregedoria Geral da Justiça do Ceará tem investigado as denúncias contra magistrados. Em março deste ano a Corregedora Águeda Passos contabilizava 400 representações contra juízes e desembargadores. O órgão disciplinador afastou alguns magistrados. Ainda no ano passado foi criado no Estado um Observatório do Judiciário com a função de acompanhar a apuração das denúncias. Todos esses fatos estão registrados nas páginas do O Povo. Mas têm faltado algumas informações cruciais que deixam os leitores fazendo pelo menos uma pergunta: quais as acusações tão graves que recaem sobre esses magistrados, a ponto de alguns deles serem afastados das suas fun&ccedilccedil;ões? Isso O Povo ainda não investigou. Em quase todas as matérias, desde o início da apuração que a Corregedoria faz das denúncias, é dito que o trabalho de investigação ?corre em segredo?. A Justiça está fazendo o papel dela.

** Em janeiro passado o jornal Folha de S.Paulo publicou ampla matéria dando nome a algumas das acusações contra dois dos desembargadores afastados, Ernani Barreira e Edmilson Cruz. Num trabalho de investigação foram levantados casos de tráfico de influência e práticas não coniventes com a ética ou o respeito aos princípios que merecem ser zelados por homens públicos. Foi feita uma varredura nos cartórios locais e apesar de não ter imóveis registrados nos nomes dos dois, estavam na matéria dados e fotos dos novos empreendimentos pessoais dos magistrados, além de contar como foi o ingresso deles no Tribunal de Justiça.

** Este País tem amadurecido nos últimos anos. A democracia brasileira – com todas as falhas e percalços – tem conseguido superar crises em todos em níveis de suas instituições e a imprensa tem tido um papel importante nesse processo, apesar também de todas as críticas que possamos fazer dessa atuação. O Povo está inserido nessa realidade, pois é um veículo de 74 anos e tem registrado essas mudanças. Sabe, por exemplo, que as instituições são perenes, mas são os homens que dirigem essas instituições. Não são raras as vezes que alguns desses homens desvirtuam o significado dessas instituições, fragilizando-as perante a opinião pública. A ausência de informações desses desvios de funções por parte de alguns dos seus integrantes pode ser compreendida como conivência da imprensa e apoio à impunidade dos poderosos. O Povo não pode deixar passar essa imagem para os seus leitores."