Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Regina Ribeiro

O POVO

"Entre judeus e palestinos II", copyright O Povo, 25/5/02

"Essa conversa de hoje tem a pretensão de concluir o debate aberto na semana passada sobre a crítica feita por um leitor judeu de que O Povo pratica o anti-semitismo nos seus editoriais. Devo dizer inicialmente que recebi alguns e-mails sobre o tratamento que o assunto recebeu nesta coluna. Dois deles merecem destaque: um defende a idéia de que há uma tentativa de cerceamento da liberdade de expressão do O Povo. Segundo o leitor ?a clássica pressão sobre o jornalismo é de utilizar esse termo (anti-semitismo) para criar uma ‘auto-censura’ e inibir o renascimento de jornalismo investigativo, a mais nobre prática da profissão?. Mais tarde esse mesmo leitor afirma que: ?nos últimos dias essa ‘estratégia’ aparentemente surtiu efeitos.

A ombudsman do O Povo questionou por que não foi comentado o último atentado (que matou 15 judeus e deixou cerca de 60 feridos em meados de maio), mas ao mesmo tempo me pergunto por que não foram cobertas as ultimas incursões militares israelenses que levaram a morte de 24 civis palestinos na semana passada?. Aqui o leitor se referiu ao período de 13 a 18 últimos.

O outro e-mail que merece comentar é a crítica que recebi por não levar em conta os aspectos religiosos da questão israelense. O leitor confundiu a posição do O Povo expressa pelo editorialista com uma opinião minha e indagou: ?Você diz que ‘os israelitas’ é que são os agressores. Será? De qual ângulo o problema foi visto?’. O leitor prossegue afirmando, no entanto, que independente das questões religiosas a beligerância israelense não pode ser admitida. Diz o leitor: ?Isto não significa que ações bélicas contra os palestinos sejam aceitas (até porque eles, os judeus, já sofreram na pele tal tipo de discriminação racial)’.

Em primeiro lugar não percebo na crítica aos editoriais do O Povo uma tentativa de limitar a liberdade de expressão. Existe uma reação à opinião do jornal e isso precisa ser encarada como algo natural para um veículo que tem ampla penetração em todos os segmentos sociais. A questão do anti-semitismo é grave e foi isso que provocou o debate externo. Reafirmo que rejeito tal afirmação, pelo sentido do termo: discriminação contra o povo judeu. E essa posição se mantém depois de reler e analisar ? sob a ótica das reclamações do leitor ? 12 editoriais sobre o tema. Apesar disso, aceito críticas pontuais feitas pelo leitor quando se trata da clareza da informação ou até mesmo o silêncio do editorial.

Na última coluna, e nesta, fiz questão de deixar clara a opinião do O Povo sobre o embate Israel-Palestina e também a minha, já de conhecimento do leitor judeu, nas muitas conversas que tivemos.

A seguir estão colocadas mais algumas questões abordadas com o editorialista sobre a opinião do jornal nos editorias. Por questão de limitação de espaço, tive de editar as perguntas e respostas:

Lacunas e parcialidade

Editorialista ? ?Se imparcialidade é ter a posição de incensar a Deus e ao diabo, ao mesmo tempo, para ficar de bem com ambos, essa não é a posição do jornal. Nossa posição é de imparcialidade na condenação da violação de princípios e valores fundamentais da Humanidade, assim como dos códigos, estatutos e tratados firmados pela consciência jurídica e democrática internacional. E aí independe se o transgressor é israelense ou palestino, cristão ou muçulmano, capitalista ou comunista. Disso não nos afastamos?.

Correção e clareza dos editoriais

Editorialista ? ?Reconheci quando houve falhas por alguma imprecisão. O editorialista não é infalível. O editorial é uma opinião do jornal, não é uma reportagem que prima pelos detalhes. A fundamentação do editorial, é certo, não pode se afastar dos fatos, mas, se dá, principalmente, no campo dos conceitos. E aqui é preciso deixar claro uma coisa. O Povo optou por ter opinião inequívoca sobre as questões que estão na ordem do dia (pelo menos se esforça para isso). Ou concordando, ou discordando, esforça-se para que o leitor tenha imediatamente um referencial claro para seu próprio posicionamento. Esse é o diferencial de nosso jornal. O editorial não é uma masturbação intelectual, nem uma maneira de diluir os questionamentos de forma a transformá-los numa amálgama informe, inodora e pasteurizada para ser aceita por gregos e troianos. Por conta disso, O Povo optou por se pronunciar em cima dos fatos, tornando o mais quente possível o editorial, embora, é claro, que às vezes o tema fuja a esse imperativo quando a necessidade o exige. Quem toma uma atitude dessa, sabe que ela implica em riscos de toda a ordem, inclusive, o de incidir em alguma imprecisão, mas, não em má-fé. O Povo acha que faz parte do ofício correr esses riscos em nome da presteza do atendimento ao seu leitor. Essa é a forma de se ter um jornalismo vivo, atuante e humano, que não vacila em extravasar sentimentos de indignação, através de uma linguagem forte, ou falar aos sentimentos, quando preciso. E os leitores, ao que parece, têm aprovado essa posição. O jornal não se jacta de ter o monopólio da verdade, aceita que se discorde de sua opinião, mas não se furta em manifestá-la, agrade ou desagrade?.

Anti-semitismo

Editorialista ? ?O que está havendo, na verdade, é uma pressão (sem muito sucesso) do movimento sionista sobre a mídia que assume uma postura crítica em relação a Israel. A poderosa Globo tem sofrido uma campanha impiedosa por ter ousado permitir que sua equipe denunciasse arbitrariedades do exército israelense contra a imprensa e a população civil. O movimento sionista coloca a questão de Israel sob a perspectiva religiosa, reivindicando a posse do território que a tradição bíblica fala que estaria destinada ao ?povo eleito?. Trata-se de argumentos que não se sustentam dentro do ponto de vista da racionalidade jurídica e histórica resultante da evolução social e política da humanidade. É preciso ver que nem todos os israelenses são judeus, nem todos os judeus são religiosos. Uma coisa é defender a necessidade de um Estado nacional para os judeus, outra coisa é condicionar esse Estado a fronteiras que a tradição religiosa hebréia tinha como referência há mais de 3 mil anos. Igualmente, não se pode confundir o povo israelense com o governo do senhor Ariel Sharon. Veja-se a manifestação pacífica na semana passada (esse texto foi escrito no dia 16 de maio) ocorrida em Jerusalém por israelenses que discordam da ocupação dos territórios palestinos. O sionismo apela, como todo dogmatismo, para uma visão maniqueísta: quem critica a ação do governo de Israel é anti-semita. Já conhecemos esse tipo de procedimento obtuso: até pouco tempo, no Brasil, quem tivesse uma posição crítica em relação à ditadura era comunista, e, nos países comunistas, quem defendia o pluralismo era ?lacaio do imperialismo.?"